EMPREGO VICIOSO DE ORDEM, COM FIGURA DE AUTORIZAÇÃO.

EMPREGO VICIOSO DE ORDEM, COM FIGURA DE AUTORIZAÇÃO.     10.2.2024.

     Mandamentos, ordens, injunções, hão de ter forma imperativa: quem manda, manda; quem ordena, ordena; quem determina, determina: todos impõem (não está em causa o tom com que o fazem, a aparência autoritária ou não da imposição).

     Quem autoriza, concede liberdade ao autorizado, permite-lhe fazer ou abster-se, a seu talante: o autorizado poderá proceder como se lhe autoriza. Poderá é expressivo per se: quem pode fazer, não está obrigado a fazer: se quiser fazer, fá-lo-á, se não, não o fará.

     Usa-se erroneamente o verbo poder, como verbo auxiliar, acolitado de outro verbo, indicador da ação, fórmula que toma figura de autorização, embora com fundo de imposição: pode abrir a janela para exprimir-se abra a janela.

     Semelhante uso indevido e abusivo do verbo poder, já amiudado, tornou-o equívoco em alguns lugares, em que se não sabe exatamente se significa permissão ou determinação. Em, verbi gratia: Pode remeter a caixa, não se discernirá se se quis dizer remeta a caixa, se o quiser fazer ou remeta a caixa (porque o quero eu).

     Na relação hierárquica, entre superior e subalterno (chefe e empregado, militares comandante e comandado, pais e filhos, comitente e procurador) a injunção expendida com elocução de licença, isto é, a imposição com figura de autorização, vale dizer, o fundo correto com forma errada, é suscetível de incumprimento escusável.

     Imagine-se que o chefe disponha: Pode trazer-me os carretéis. Ele não disse: Traga-me os carretéis. Desta arte,  poderá ser lidimamente interpretado como: Traga-me os carretéis se mos quiser trazer, não mos traga se não mos quiser trazer.

     Descumprida a ordem, sê-lo-á por exegese de todo escusável do subalterno, que a terá entendido tal como ela foi expendida, isto é, defeituosamente. Terá errado o emitente da ordem, não o subalterno supositiciamente relapso.

     Em contextos laborais e hierárquicos é de mister clareza e rigor no que se diz; nos sociais, eles são desejáveis e aconselháveis: modo de sermos claros e rigorosos é enunciar determinações com figura de determinações e licenças com figuras de licenças, jamais formularmos determinações com figura de autorização.

     Quem autoriza, concede poder ao autorizado; quem determina, exerce poder seu exclusivamente.

Se tenciona dizer: Abra a caixa, diga exatamente isso; não diga: Pode abrir a caixa. É muito simples, preciso e rigoroso.

     Considerem-se os equívocos em:

     — Pode pagar o que me deve.

     — Podes comer pívia de porta aberta. [Comer pívia: fórmula do século XVIII para o atual bater punheta].

    

    

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