Leão Tolstói. “Liév Tolstóy” ? Nomes traduzidos na literatura, no Brasil.

Prenomes são traduzíveis e eram tradicionalmente traduzidos no Brasil. Sirvam de exemplo os assentamentos de 1896, do cemitério de Curitiba (dentre centenares de outros): os finados são estrangeiros, contudo seus prenomes são dados como João, Pedro, Ignácio, José, em português, e não em alemão, russo nem polaco.

  Em Curitiba, os estrangeiros estavam em ambiente brasileiro e seus nomes eram sempre traduzidos; em Joinville, os estrangeiros estavam em ambiente estrangeirado e seus nomes não eram traduzidos (constavam como Christian, Robert, Peter etc.).

Da  mesma forma, o nome do escritor Tolstói:

– em russo, pronuncia-se “liév’,

– em russo, “liév” significa leão.

– seu nome traduz-se como Leão Tolstói, mas

– uma editora deu de publicar-lhe as obras como de “Liév Tolstóy”.

– Grafar a pronúncia (“Liév”) é o mesmo que grafar “Tcharles”, “Djon”, “Djovâni”, “Dáiana”, “Áinrich”, “Queiterine”, “Uílheum”.

– Não tardará que se pronuncie “Liéve” e “Liévi”, exceto entre pernósticos que fazem questão de proferir nomes estrangeiros à perfeição, o que reforçará o complexo de inferioridade de muitos brasileiros, para quem nosso idioma não é digno de traduções.

Em espanhol também se traduz: Léon.

Exemplário (obtido com pesquisa sumaríissima) de exantropônimos (nomes traduzidos) em livros traduzidos e publicados no Brasil:

            1) Em títulos: Eugênia Grandet (editoras Abril e Ediouro), A cabana do pai Tomás (editoras Saraiva, Madras, Geral), Miguel Strogoff (editora Saraiva); Miguel Ângelo (editoras Nova Fronteira e edições de Ouro); Joana d´Arc (inúmeras editoras); Teresa Raquin (editora Arcádia; editoras Unibolso e Guimarães, de Portugal); Ricardo Coração de Leão, Fabíola, A cabana do pai Tomás, Otávio (Edições Paulinas).

            2) Nomes de autor: Nicolau Maquiavel (editoras Vozes, Peixoto Neto, Nova Fronteira, Abril, Martins Fontes); Júlio Verne (Saraiva, Martin Claret, Ediouro, Melhoramentos); Carlos Frederico Filipe von Martius (prefácio de Ervino [Erwin] Theodor a Frey Apollonio, editora Brasiliense); Leão Tolstói (Três novelas de Leão Tolstói, edições de ouro; Três novelas, editora Círculo do Livro); Gustavo le Bon (Psychologia dos novos tempos, editora Garnier); Luís de Wohl (Edições Paulinas). Também Leão Tolstói (editora Unibolso, de Portugal).

            3) Nomes de personagens: Gregório, Manuel, Urbano, Luís, Balduíno, Frederico, Irene (O Príncipe da Índia, de Lewis Wallace, editora Saraiva); Júlio, Henrique, Luís, Luísa, Marcos (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); Luísa, Henrique, Helena (O coração da matéria, de Graham Greene, editora Record); Amélia, Antonina, Alexandre, Marina, Anfímio, Helena, Serafina, Olga, Panfílio, Cristina, Agripina, Eudóxia (O Doutor Jivago, de Bóris Pasternak, Editora Itatiaia); Teresa, Luísa, Ana Maria (O mistério do castelo de Morande, de Valmor, editora José Olympio); Bruno, Rodolfo, Tebaldo, Jorge, Otávia (Lírio do vale, de de la Grange, editora Brasileira); Armando, Cristina (Um amor como o nosso, de Luciana Peverelli, editora Vecchi); Estevão, Guilherme Bárbara (A imagem da mulher nua, de Maurício [Maurice] Leblanc, editora Vecchi); Rinaldo, Landolfo, Eugênia, Frederico, Tadeu, Berardo, Tiago, Bruno, Eduardo, Roberto, Cristiano, Otão, João, Hugo (A libertação do gigante, de Luís [Louis] de Wohl; Rogério, Clara, Tiago, Fabriano, Hortolana, Pedro, Roberto, Francisco, Elias, Anselmo, Otão (O cavaleiro do amor, de Luís [Louis] Wohl).

            4) Nomes de vultos históricos: Vítor Manuel (Coração, de Edmundo de Amicis, editora Livraria Francisco Alves); José Joaquim Rético, Pedro Ramus, Nicolau Copérnico, Leão Batista Alberti, Nicolau de Oresme, Fabiano von Lossainen (Copérnico, de Afonso Henriques de Guimarães Neto, editora Três); João Locke, João Rousseau, Frederico Froebel,  Augusto Francke, Emílio Boutroux, Gregório Girard, Helena Key, Luís Gurliit, Leão Tolstói (Noções de história da educação, Teobaldo de Miranda Santos, Companhia Editora Nacional); Isidoro Augusto Maria Xavier Comte, Rosália Boyer, Clotilde de Vaux (José [Joseph] Lonchampt, Igreja Positivista do Brasil); Tomás Morus, Erasmo de Roterdam, Tomás Aubert, Carlos V, Henrique II, Américo Vespúcio, Lourenço de Médici, João de Léry, André Thevet, Rogério Bacon, Pedro d´Ailly, Miguel de Montaigne (O índio brasileiro e a revolução francesa, de Afonso Arinos de Melo Franco, editora José Olympio); Alfredo Andersen (em toda a bibliografia paranaense); Frederico Guilherme Virmond, João Francisco Supplicy (Genealogia de Frederico Guilherme Virmond, de Nicanor Porto Virmond, edição do autor; Biografia de Frederico Guilherme Virmond, de David Carneiro, edição do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. São exônimos consensuais entre seus descendentes); Carlos Dickens (Os construtores do mundo, Estefano [Stefan] Sweig, editora Delta); Joana d´Arc (na bibliografia em geral); Honorato de Balzac, Miguel Ângelo, Martim Brucer, Quintino Mastys, Augusto Comte, João Paulo Richter, Carolina Brand, Henrique Heine, João Lutero, Martim Lutero, Nicolau Bacon, Carlota Corday, Catarina Gordon de Gight, Carlos James Fox, Cristovão Wren, Luís Pasteur, Roberto Hook, Henrique Sidney, Carlos Darwin (Vida e trabalho, de Samuel Smiles, editora Garnier).

            As traduções e adaptações de nomes próprios e de topônimos são corretas; não estão proibidas em parte nenhuma; há páginas da Wikipédia com elas (não apenas eu pratico assim). Em capas, folhas-de-rosto e fichas catalográficas de livros, é aceitável usarem-se endôminos caso os exantropônimos dificultem a identificação do autor, pelo leitor comum, a exemplo de Romain Rolland que não seria identificado como Romão Rolland; não é o caso de Ovídio, Guilherme de Ockam, Augusto Comte, Abelardo e Heloísa e outros.

            Em prefácios, apresentações, textos de aba de capa e da contra-capa, que se empreguem exantropônimos, e que se traduzam nomes e topônimos em títulos, como (em exemplos reais): Contos da Cantuária, Eugênia Grandet, Teresa Raquin, publicados no Brasil com os endôminos de seus autores: Geoffrey, Honoré, Émil. A pouco e pouco, o uso de traduções dos nomes de autores, como esses, familiarizará as pessoas com Godofredo Chaucer, Honório de Balzac, Emílio Zola, Frederico Nietzsche, assim como lhes são familiares Nicolau Maquiavel, Augusto Comte, Plutarco, Cícero, Tomás de Aquino, João Amós Comênio e outros escritores.

            No caso de certos nomes, em certos idiomas, os brasileiros conseguem entender o endômino, como Charles, John, Terèse, Jeanne; não o conseguimos no caso de nomes russos ou chineses, pois seus caracteres são diferentes dos nossos, o que leva a transliterações ou a traduções.

      A editora (brasileira) da Biblioteca de Alta Cultura adota o nome “Liev” para nomear Leão Tolstói, do russo Лев, nome transliterável e traduzível.

     Sua transliteração significa grafar-lhe a pronúncia: “liév”, assim como Charles transliteramos para “tcharles”, “John” para “djôn”. Sua tradução significa dar o significado daquela palavra em português: ela significa leão. O nome dele era Leão, em russo.

    Imagine livro cujo nome de autor seja dado como “Oguist Comte”, “Tcharles Darwin”, “Jân Jaque Rousseau”, “Oguíst Comte”. Seria estapafúrdio: é o mesmo que “Liév Tolstói”, em que “Liév” é o nome pronunciado em russo, não vertido para português.

            Assim como Auguste Comte, Charles Darwin, Jean Jaques Rousseau traduzem-se como Augusto Comte, Carlos Darwin, João Tiago Rousseau, Лев pronuncia-se “liév” e traduz-se como Leão. Logo: Leão Tolstói, não “Liév Tolstói”, assim como tampouco redigimos “Oguist Comte” nem “Tcharles Darwin”.

            A editora em causa prefere a forma pronunciada por amor da “essência do nome”. A “essência do nome” não é sua pronúncia, e se a algo ela corresponde, é a seu significado etimológico (o que não é o caso) ou a seu significado em idioma outro, isto é, sua tradução.

          É componente da alta cultura literária e idiomática a vernaculidade dos prenomes e sua tradução. Idioma não é, não deve ser revolução, mas conservação, tradição, manutenção. O cânone brasileiro, português e de outros países é de exantropônimos; dar endôminos para ser fiel tanto quanto possível ao nome original é revolucionário e pedante.

            Em país de idioma espanhol traduziu-se Fred Flintstone por Pedro Picapiedra (Pedro Quebra-pedras) e Barney Rubble por Paulo Mármol (Paulo Mármore). Está de parabéns o tradutor, que usou de imaginação, bom gosto e senso de (seu) vernáculo.

 


[1] Mas, no título: Karl Friedrich Phillipe von Martius.

[2] Luís na capa; Louis na folha de rosto.

[3] Contudo, no mesmo livro: Nikolai, Piotr.

[4] Mas, no mesmo livro: Giordano Bruno, Giovanni Pico, Matteo Palmieri, Thomas Gresham, Albert Einstein.

[5] Correspondência eletrônica para o autor, em 28 de outubro de 2021.

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