A minissérie “Os Maias”.

            A minissérie “Os Maias”

Arthur Virmond de Lacerda Neto.

arthurlacerda@onda.com.br

O que significa “Os Maias”, foi algo que milhões  de brasileiros ficaram a saber há alguns anos, ou seja, um seriado transmitido pela Rede Globo de Televisão, baseado no romance homônimo do escritor português Eça de Queiroz. O que rara gente conhecia, por tê-lo já lido, é o próprio livro, que, inspirada pela emissão, alguma gente leu.

Aquém da esperada, a audiência dos  episódios frustrou as expectativas dos seus produtores, o que em parte se explica pela sensaboria do capítulo inaugural, em que escassearam os diálogos e a ação, abundando-lhe certos cenários desinteressantes. Foi precisa alguma pachorra para aturá-lo até ao seu término e alguma resistência para  não se desligar o televisor. A partir disto, é natural que significativa parcela do público se desaviesse dos restantes episódios e a audiência decaísse.

O desenrolar da série obedeceu aos sabidos padrões telenovelescos daquela emissora: emocionalismo e exagero nos cenários, fórmula constante em suas telenovelas exibidas no chamado horário nobre, o que transformou o seriado em apenas mais uma delas, com a diferença da celebridade do autor do entrecho original e do tardio da hora em que foi exibida.

Com efeito, por mais que no livro Afonso da Maia encarnasse um personagem abastado e o Ramalhete (sua residência) se achasse ricamente guarnecida, os interiores deste apresentavam uma exuberância desmedida, inusitada nos solares portugueses da época. Ao mesmo tempo, certas cenas primavam pelo destempero das emoções, a resultar em momentos patéticos e impróprios de pessoas normais, ao contrário do que se encontra no romance.

Foram deste jaez, por exemplo, o momento em que o pai de Carlos da Maia atira-se  aos pés de Afonso da Maia, agarrando-lhe as pernas em choro convulsivo, e o em que Maria Monforte, agonizando, pede perdão a Maria Eduarda repetidas e emocionadas vezes, em um  grotesco horroroso. Situações que tais seriam dificilmente concebíveis na realidade da vida e  confirmam a preferência da emissora em explorar o dramático e o patético, particularmente o segundo, ausente no livro e que o seriado fantasiou.

O entrecho, por sua vez, poderia ter sido explorado nas inúmeras passagens de jovialidade, de graça, de convívio dos personagens, portadoras do encanto que tornou Eça de Queiroz um dos expoentes do mundo literário e que justamente converteram “Os Maias” em uma celebridade do autor e do idioma.

É pena que, em contrapartida, não se exibisse no Brasil  “O Conde de Abranhos”, seriado originário da obra homônima também de Eça de Queiroz, produção da Rádio Televisão Portuguesa e que se captou entre nós pelos canais por assinatura.

Que diferença dos Maias brasileiro ao Abranhos português! Diferença que vai do artificial ao natural, do inverossímel ao possível.

No “Conde”, as emoções dos personagens correspondiam às que experimentam as pessoas normais, como o espectador, e a não sentimentos que explodem dramaticamente, como nos “Maias”.

No “Conde”, os inúmeros cenários representavam o interior de uma residência aristocrática de fins do século XIX, segundo um padrão de luxo compatível com a realidade de então, ao passo que nos “Maias” a exuberância do Ramalhete superava mesmo a dos palácios  da Ajuda, de Belém e  de Queluz, todos três residências régias, em um evidente exagero.

No “Conde”, as várias peripécias em que o protagonista se envolve tornam a história  um prazeiroso recreio, que diverte com as suas reviravoltas e com  o inteligente de certas ironias, enquanto os “Maias” fatigava com seus dramalhões, com a pobreza do seu quadro de costumes e com o artificialismo de certas passagens.

Adepto da escola realista, procurava Eça de Queiroz retratar fielmente a realidade do tempo e do lugar em que se desenrolavam os seus romances, características que, presentes no livro, não se reproduziram  na sua versão televisiva, que desta forma, embora inspirada no entrecho daquele, afastou-se de seu espírito.

Melhor teria feito a Rede Globo se transformasse em minissérie algum dos livros de Camilo Castelo Branco, outro expoente da literatura portuguesa e pertencente à escola romântica, inclinada a cenas  tão dramáticas quão inverossímeis, perfeitamente ao gosto daquela emissora. Filmasse ela, por exemplo, “Amor de Perdição”, e teria podido explorar a vontade amores, lágrimas e mortes, com o simples acompanhar  da trama  do livro, sem  lhe alterar a índole, inversamente ao que verificou-se com “Os Maias”.

Admita-se porém, que não traduziu propósito do seriado reproduzir fielmente o livro, e sim apresentar uma estória inspirada nas linhas gerais do seu conteúdo, o que permitiria  introduzir quer alterações no curso dos acontecimentos, quer no aspecto dos personagens, como ainda eleger livremente focalizar com maior ênfase as passagens emocionais de preferência a outras.

Para além destes aspectos, a emissora privou-se de aproveitar o seu deslocamento a Portugal para lá realizar cenas em que mais largamente explorasse os interiores  e os exteriores de certos palácios e as paisagens urbanas das partes antigas das cidades portuguesas, em que facilmente realizar-se-iam cenas encantadoras, junto, por exemplo, de casarios seculares, de igrejas medievais ou dos sítios lisboetas mais óbvios, como o Terreiro do Paço, o Chiado, a Baixa Pombalina,  o Mosteiro de S. Vicente, a Torre de Belém. Foi mesmo imperdoável que a emissora privasse o público de abundantes tomadas nos três primeiros, ao mesmo tempo em que decepcionou a parcimônia das imagens captadas em Sintra, aliás pessimamente escolhidas, dada a preferência incompreensível  às desgraciosas, mesmo feias, ruínas do castelo mouro, em demérito do espetacular castelo da Pena e do Palácio Real. Verdade é que exibiu-se a fachada do Palácio de Seteais, porém de caminho apenas, o que sequer magro consolo representou.

Tudo evidenciou a insistência da Rede Globo em sua fórmula típica, a de associar o aparato dos cenários com o emocionalismo dos personagens (ou com a sua esquisitice), a denunciar insuficiência de imaginação criativa e de bom gosto, opostamente à televisão portuguesa, que produziu uma série de alta qualidade malgrado a relativa pobreza do livro respectivo, em comparação com  “Os Maias”, de longe mais exuberante e com o qual, a despeito de sê-lo, a Rede Globo  apenas inovou a forma, repetindo o fundo já conhecido de outras telenovelas. Oxalá que em sua próxima iniciativa deste gênero mostre-se mais fiel ao  livro do que a si própria…

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