Depressão e demônio.

DEPRESSÃO E DEMÔNIO  (7 de julho de 2018).

Julgo deprimente que um deputado federal e pastor (Marco Feliciano, conhecido cabeça de seita evangélica) indague ao público, em inquérito eletrônico, se a depressão é doença ou possessão demoníaca. Tal pergunta (se for sincera) revela o estado de ignorância de quem a formula; se não for sincera (possivelmente não o é) suspeito de que ela contém muitas segundas intenções, partindo de quem parte, ou seja, de pastor.

Em primeiro lugar, inexiste demônio. Manifesta credulidade quem acredita em que existe um ser maligno chamado de Diabo, Satanás, Demônio, vulgo “encosto”.

Em segundo lugar, depressão é estado de espírito ou, no limite, doença (o que interessa aqui é a depressão como doença). É doença orgânica que, por metáfora, (alguns) chamam de “da alma”. Não existe alma no sentido religioso, sobrenatural; alma significa, laicamente, a psiquê, cujos distúrbios pertencem ao foro psiquiátrico ou psicológico e tratam-se com atendimento médico. Médico e não pastoral, religioso, sobrenatural.

Dizer que “a ciência se limita ainda apenas ao palpável” é bastante ingênuo; aliás, é o discurso de legitimação das religiões, que afirmam o que carece de realidade, embora, para o fiel, possa fazer sentido.

Atenção à sutileza: a ciência averigua o real, o que factualmente existe; as religiões não se ocupam necessariamente do real, do que factualmente existe; elas usam entidades inexistentes (como o demônio) a que, no entanto, atribuem sentido para o fiel. Para o fiel faz sentido (se é que faz) atribuir-se a depressão ao tal de demônio, ainda que inexista demônio. A ciência nega a existência do demônio; o fiel crê-lhe na realidade.

Anos atrás, criou-se a “doença” da homossexualidade: as religiões ofereciam-lhe a “cura”. Os costumes modificaram-se, a homofobia diminuiu; persiste nos setores mais arcaicos da sociedade brasileira, cada vez menores.

Para as religiões, já desinteressa (ao menos, interessa menos) explorar a homossexualidade – é assunto que já passou ou que vai passando; tende a, cedo ou tarde, tornar-se obsoleto. No presente, contudo, fala-se em depressão: é a doença em voga, dá o que falar, está presente em milhares de fiéis.

A depressão serve otimamente para ser usada para a exploração de fiéis que creiam que ela decorre não de distúrbios orgânicos porém do tal de demônio. Ora, o demônio pertence à alçada não dos médicos porém sim da dos pastores; logo, quem cura a depressão são os pastores. A cura não é gratuita: servirá para o fiel deprimido ser ainda mais explorado.

Suspeito de que o inquérito lançado pelo pastor destine-se a aferir o grau em que as pessoas atribuem a depressão ao demônio, no intuito de ele e outros pastores passarem a oferecer “cura espiritual” que, presumivelmente, não será gratuita.

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