PRONOMES CONTRAÍDOS & O CACETE DO CRÍTICO.

PRONOMES CONTRAÍDOS.

            Alguns pronomes pode ser contraídos ou combinados:

me + o = mo.

me + a = ma.

me + os = mos.

me + as = mas.

te + o = to.

te + a = ta.

te + os = tos.

te + as = tas.

lhe + o = lho.

lhe + a = lha.

lhe + os = lhos.

lhe + as = lhas.

nos + o = no-lo.

nos + a = no-la.

nos + os = no-los.

nos + as = no-las.

vos + o = vo-lo.

vos + a = vo-la.

vos + os = vo-los.

vos + as = vo-las.

            Exemplário:
1) me + a= ma. Diga a resposta para mim. Diga-a para mim. Diga-ma.
2) me + o= mo. Vendeu a livro para mim. Vendeu-o para mim. Vendeu-mo.
3) te + a= ta. Nós venderemos a casa para ti. Nós a venderemos para ti. Nós a venderemos-te. Nós vender-te-emos a. Nós vender-ta-emos. Vender-ta-emos.

4) te + o. Dei o livro para ti. Dei-o para ti. Dei-o te. Dei-to.

5) te + os = tos. Darei os livros para ti. Darei-os para ti. Darei-os te. Dar-te-ei os. Dar-tos-ei.

lhe +o =lho. Vendi o livro para você. Vendi-o para você. Vendi-o lhe. Vendi-lho.
6) lhe + a= lha. Trouxeram a cesta para ele. Trouxeram-na para ele. Trouxeram-lha.

7) vos + a= vo-la. Disse a senha para vocês. Disse-a para vocês. Disse-vos ela. Disse-vo-la.

8) vos + o= vo-lo. Expliquei o tema para vocês. Expliquei-vos o tema. Expliquei-vos o. Expliquei-vo-lo.

9) vos + as = vo-las. Explicarei as coisas para vocês. Explicarei-as para vós. Explicar-vo-las-ei.

10) nos + a = no-la. Dá tu a casa para nós. Dá tu a para nós. Dá tu nos a. Dá no-la tu.

11) nos +os = Comprou os livros para nós. Comprou-os para nós. Comprou-os nos. Comprou-no-los.

12) nos + a = no-la. Darão a casa para nós. Darão-a para nós. Dá-la-ão para nós. Dá-la-ão nos. Dar-no-la-ão.


            Anedota.

            Lecionava eu, em 1998, na UFPR; ouvi um aluno dizer a colega seu: “Vou estar vendendo isto daí para você”. Obtemperei-lhe que, em português, pode-se expressar todo o conteúdo dessa frase com uma única palavra, a cuja demostração passei:

Vou estar vendendo isto daí para você. > Vou estar vendendo é gerundismo, cuja forma reta é: Venderei. Logo:

Venderei isto daí para você. > daí é excrescente e retira-se. Logo:

Venderei isto para você. > Venderei isto reduz-se para venderei-o. Logo:

Venderei-o para você. > para você é substituível por vos. Logo:

Venderei-o vos. > Venderei-o está no futuro, o que exige mesóclise. Logo:

Vendê-lo-ei vos. > lo, vos combinam-se. Logo:

Vender-vo-lo-ei.

            Com uma somente palavra a língua portuguesa permite-nos expressarmo-nos plena e economicamente. É o caso de todas as combinações pronominais, por cujo meio dizemos tudo com menos palavras; elas evitam prolixidade e propiciam-nos comunicação direta, sem circunlóquios. Sabê-las e usá-las é útil recurso de comunicação e de estilo.

            Não se aceita a justaposição de se e o, ao contrário do francês. Assim, não se o sabe, faz-se-o, entregar-se-o-ia são construção erradas.

            É corretíssima a justaposição de se e me, te, lhe, nos, vos:

            Pouco se dá a mim > Pouco se me dá.

            A corda se enroscou no meu pescoço > A corda se me enroscou [ou: enroscou-se-me] no pescoço.

            Em tua mão a fita se enrolou. > A fita enrolou-se-te na mão.

            Atirou-se nos braços dele. > Atirou-se-lhe aos braços. Valéria havia se antecipado a ele . > Valéria havia-se-lhe antecipado ou Valéria antecipara-se-lhe. Luís Garcia não era homem de revelar o que confiavam para ele. > Luís Garcia não era homem de revelar o que se lhe confiava […].[1]

            Era para dar-se a nós uma notícia. > Era para dar-se-nos uma notícia.        Comunicaram o perigo para vocês. > Comunicou-se-vos o perigo.

            A locução dar-se-me equivale a importar-me: pouco se me dá = pouco me importa; isto se me dá; a ti, se te dás; dá-se-nos; dava-se-nos; dar-se-nos-ia; dar-se-vos-á etc.  

            Por exemplos[2]:

            […] disse Frances, soltando-se-lhe dos braços e levantando para ele os olhos […]

            As faces pálidas do vendedor ambulante cobriram-se de um rubor que se lhes via raramente […]

            […] o sangue que animava os seus rostos retirou-se-lhes para o coração […]

            […] ali, transformavam-se em cavaleiros os soldados do regimento de linha e fazia-se-lhes esquecer o exercício do mosquete e da baioneta para se lhes ensinar o manejo do sabre e da carabina.

            Enquanto tratava destes arranjos, apresentou-se-lhe novo assunto embaraçoso.

            […] uma ligeira coloração parecida com o último matiz do sol desenhou-se-lhe no rosto […]

            […] perguntou Harvey, com uma expressão alucinada que às vezes se lhe notava.

            Frances começou a andar rápido, pelo primeiro carreiro que se lhe deparou […]

            Aperta-me o coração quando penso na loucura dos nossos chefes acreditando que podemos travar batalhas e conseguir vitórias com estes palermas que manejam um mosquete como se manejassem um malho; que fecham os olhos de medo quando dão um tiro de espingarda, e que se colocam em ziguezague quando se lhes diz para formarem em linha.

            Autores clássicos não abonam as formas te nos, nos te; diremos, pois: te […] a nós, nós […] a ti, como em “Tua mãe te lembrou a nós” e “Nosso avô recomendou-nos a ti”.

            É correto e castiço esta sorte de emprego do pronome lhe:

            Vendi para ele = Vendi-lhe.

            Telefonei para ele. = Telefonei-lhe.
            Ia a casa dele = Ia-lhe à casa.
            Comprei lápis para ele. = Comprei-lhe lápis.

            Servi banana para ela. = Servi-lhe banana.

            Encontrei o exame dele. = Encontrei-lhe o exame.

            Lavou o carro deles. = Lavou-lhes o carro.

            Aplicaste injeção e repetiste-a. = Aplicaste injeção e repetiste-lhe ela. > Aplicaste injeção e repetiste-lha.

            Morreu um amigo dele. = Morreu-lhe um amigo.

            Pronomes possessivos substituídos por oblíquos.

            João é meu amigo. > João é-me amigo.

            Mataram meu filho. > Mataram-me meu filho.

            Trouxe a tua bolsa. > Trouxe-te a bolsa.

            Levaram nossa chave. > Levaram-nos a chave.

            Venderão vossa morada. > Vender-vos-ão a morada.

            O laudo do exame ficou pronto. > O laudo do exame ficou-lhe pronto.

            Nas primeiras formas, analíticas, verbo e pronome possessivo estão disjungidos; na forma sintética, compõem uma só palavra o verbo e o pronome pessoal oblíquo.

Forma sintética – Forma analítica.

Verbo + meu, meus, minha, minhas >  verbo + me.

Verbo + teu, teus, tua, tuas > verbo + te.

Verbo + seu, seus, sua, suas > verbo + lhe.

Verbo + nosso, nossos, nossa, nossas > verbo + nos.

Verbo + vosso, vossos, vossa, vossas > verbo + vos.

Verbo + seu, seus, sua, suas, dele, deles, dela, delas > verbo + lhes.

            Nada disto é difícil; tudo isto é fácil: em boa escola, com bom professor ou por consulta de gramática suficiente, qualquer um entende as contrações pronominais e capacita-se a valer-se delas.

            Dizem-vos que isto não é preciso ensinar “porque ninguém usa”, mas ninguém usa porque não vo-lo ensinam. Escola que não o ensina é escola que falha em sua missão, professor que os ignora é professor abaixo de sua tarefa, professor que os desaconselha está no lugar errado, é desorientado e desorientador. A missão da escola e do professor é a de transmitir conhecimentos em lugar de ocultá-los, a do professor de português e da escola é a de aperceber o aluno de instrumentos com que possa expressar-se com propriedade, riqueza, beleza e destreza, fito para que as contrações pronominais devem ser ensinadas.

                Isto NÃO é “português de Portugal”: é também o teu, de brasileiro, idioma. Os pronomes contraídos existem na tua, na nossa gramática para que tu também possas usá-los, para que nós usemo-los. Os pronomes contraídos existem na língua portuguesa do Brasil, quero dizer, na língua portuguesa. Eles constam nas gramáticas de qualidade publicadas no Brasil e devem ser ensinadas para todos os brasileiros. Em Portugal, até as crianças sabem-nas; aqui, sequer os adultos sabem-nas.

            Estas contrações são corretas, elegantes, usáveis em qualquer circunstância (profissional, formal, informal, familiar, amistosa, lúdica), por qualquer pessoa (professores, estudantes, intelectuais, gente comum). São econômicas: evitam palavras a mais e exprimem o conteúdo com menos. Não são recursos “acadêmicos” nem “eruditos” nem “preciosismos” nem lusitanismos (se lho disseram, saiba que quem lho disse é ignorante); são recursos que lhe facilitam a comunicação e que você pode usar, orgulhosamente. São perolinos instrumentos do português, ao serviço de tua expressão. Desfruta deles.

            Teu professor deveria ter-tos ensinado; se não tos ensinou, tua escola falhou e teu professor não te elevou aos recursos disponíveis do teu idioma. Se, por causa desses recursos, convenceram-te de que “português é difícil”, mentiram-te e tu acreditaste na mentira.

                Usa-os, orgulhosamente, em tuas fala e escrita, formal, informal, entre amigos, em família, profissional ou academicamente — enfim, em qualquer contexto, pois eles existem para serem usados em qualquer um, por qualquer um. É tolice pensar que somente se aplicam a textos formais ou acadêmicos, que são lusitanismos, que nos devemos libertar deles, o que são visões tacanhas, que somente inibem as pessoas de lançarem mão destas preciosidades, que lhes reduzem os recursos de expressão e criam preconceito contra o que é útil e usável em todas as situações.

            Um sujeito criticou esta lição; segundo ele, as contrações pronominais são (cito-o) “pedantismo do cacete”.

                Pareceu-me boa esta de cacete e caceteei-o com a seguinte resposta:

                Realmente, é pedantismo do seu cacete. Prefiro ensinar as coisas em lugar de vilipendiá-las e ocultá-las das pessoas, para que elas possam falá-las e escrevê-las, se o quiserem, independentemente de sua opinião e do seu cacete: enquanto você fica com sua cacetosa opinião, outros quererão ampliar seus recursos de comunicação, exprimir-se com arte, graça, propriedade, variedade, e entenderão livros brasileiros e portugueses redigidos com estes recursos, cousa de que você infalivelmente será incapaz enquanto for homem de cacete. São também coisas como estas que distinguem as pessoas e permitem-nos discernir quem queremos que nos acompanhe de quem apenas nos circunda. Para alguns, é questão de cacete, para outros, de cultivo pessoal. Para alguns, é questão de pedantismo, para outros, de abertura idiomática. Para uns, saber menos é normal; para outros, não o é. Uns escolhem recusar o conhecimento e o recurso por pedantismo; outros, ao contrário, aprendem-nos e usam-nos: servem-se do quanto o idioma nos fornece. Uns são do cacete, outros temos e queremos coisa melhor do que ele.

            Resumo: os pronomes contraem-se nas formas lho, lhos, lha, lhas, to, ta, tos, tas, vo-lo, vo-los, vo-la, vo-las, no-lo, no-los, no-la, no-las; são justaponíveis se e me, te, lhe, nos, vos. Todas estas formas são econômicas, devem ser ensinadas e são usáveis por todos e universalmente.

            Preceito: use os pronomes contraídos e a justaposição de se e me, te, lhe, nos, vos, em qualquer circunstância.


[1] Estes três exemplos provêm de Iaiá Garcia, de Machado de Assis.

[2] Todos de O espião, de Fenimore Cooper, Otto Pierre Editores.

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