Anedota fálica. O chafariz-pênis de Curitiba.

 

1) ANEDOTA FÁLICA.

Arthur Virmond de Lacerda Neto.

21.VIII.2017.

Chama-se de anedota a narrativa breve, relativa a fato real ou fictício e não necessariamente hilária. Chamo de anedota fálica a narrativa breve, relativa ao falo (sinônimo de pênis ou pinto) e, consoante a sensibilidade do leitor, risível, burlesca, tola, de mau gosto, brejeira, inútil ou como queira cada um qualificá-la: ela admite todos os adjetivos e é passível de valoração por distintas sensibilidades. Pretendo que esta seja edificante, na medida em que se presta a motivar reflexões.

O seu protagonista, chamo-o de Varão, por tratar-se de homem. Pudera apodá-lo de Macho, do que desisti, para não lhe atribuir caráter nem machista, tampouco sexual. Ao contrário, o teor da anedota é angelical.

Varão freqüenta ginásio ou (na dicção brasileira) academia de ginástica, em que pratica o exercício denominado de abdominal: o ginasta deita-se, estira-se em decúbito dorsal (de costas para o chão) e contrai o abdômem, mediante a projeção do tronco para a frente.

Varão praticava cinqüenta (faço questão do trema) movimentos abdominais, divididos em cinco séries de dez repetições; ao cabo de cada série, interpunha alguns segundos de repouso, em posição sentada.

Varão vestia bermuda curta, traje apropriado para a atividade física.

Eis que uma vez ao menos, ao sentar-se com as pernas flexionadas, expôs-se, fortuita e inadvertidamente, por fora da sua bermuda e da sua cueca… o seu falo ! (Falo é sinônimo de pênis ou pinto. Há outros equivalentes coloquiais, e chulos.).

O falo de Varão achava-se flácido; não era volumoso nem excessivamente alongado nem vistoso (haverá quem lhe lamente tantas deficiências). Se era fanado ou intacto, irreleva.

Dada a dimensão (então) diminuta do pênis do Varão e que este vestia cueca e bermuda, a exposição do primeiro foi e somente poderia ser discreta e pouco perceptível. Ela ocorreu tão natural e involutariamente,  que Varão despercebeu achar-se desvelada parte do seu pinto.

Nas proximidades imediatas achava-se o proprietário da academia: ele viu o pinto parcialmente exposto, o que comunicou ao gerente do estabelecimento que, por sua vez, reportou o fato ao Varão que, de pronto, atinou com a situação embaraçosa criada pela diminuta e inintencional exposição de menos da metade da sua murcha piroca (oh ! Que palavra! Que hei de fazer ? É para evitar repetições.).

Entendo que o proprietário possa e deva zelar pelo decoro, pela “moral e pelos bons costumes” vigentes no seu estabelecimento; que se deve poupar os circunstantes de vexames desnecessários; que em cada ambiente há comportamentos apropriados; que certas pessoas chocam-se com a vista de pênis; que há lugar e momento próprio em que ele possa ser desvelado; que o exibicionismo é censurável (não houve exibicionismo.). Varão também percebe tudo isto.

O gerente do ginásio, em jeito de pastor, apascentou o Varão, para que este, vindouramente, praticasse o exercício de abdominais voltado para a parede, a fim de se premunir que, novamente, o seu pinto se descobrisse, na presença da gente pudica ou de qualquer gente.

Houve exposição de pênis flácido, de tamanho regular e não avantajado. Ela resultou de movimentos de execução necessária; foi inintencional, fortuita, breve e discreta. O Varão não a percebeu. Malgrado tudo isto, ela motivou a intervenção do proprietário da academia.

Diálogos possíveis:

-“Ninguém é obrigado a ver o pinto de ninguém !”. Foi inintencional; demais, não olhasse.

-“Academia não é lugar de mostrar o pau !” (linguajar que não o meu.). Não o mostrou: ele se expôs fortuitamente.

-“É lugar em que há mulheres e até senhoras !”. O que é que tem ? Houve tentativa de estupro ?

-“Tem de estar trajado adequadamente em cada lugar.”. Acaso não o estava ?

-“Que pouca vergonha !”. Vergonha do corpo ?

-“Se um homem mostrasse o pinto para a sua filha, o senhor iria gostar ?”. Quem tem de gostar ou não é ela.

– [Etc.]. [Respostas à altura.].

Por que a exposição fortuita, efêmera, inocente e parcial do pênis motivou a reação do proprietário do estabelecimento ? Por que o desvelamento, ainda que acidental, do pênis motiva tal tipo de reação ? Que mal intrínseco ele contém ?

Mal intrínseco, ele não contém nenhum, exceto se ereto e em vias de estuprar alguém. Fora desta condição manifestamente ofensiva e indesejável, ele é orgão como qualquer outro; é parte do corpo como qualquer outra e tão inocente quanto qualquer outra.

O caráter (no entendimento de muitos) inconveniente e censurável da sua exposição deve-se à herança arcaico-cristã (trivial e erroneamente conhecida por judaico-cristã) que ainda permeia o etos de muitos brasileiros, como produto da lenda de Adão e Eva, aliás enganosamente interpretada.

O cristianismo criou a misofalia e a misomamia, ou seja, respectivamente, a censura do pênis e das mamas, no âmbito geral da repressão sexual sexualidade e da gimnofobia (recusa da nudez).

Nas populações cristianizadas, falo e mamas são estigmatizados e ocultados. Não compreendo porque os orgãos alimentares que propiciam leite à criança, são reputados obscenos e devem ser velados, como indecorosos. Não compreendo porque o pênis, orgão excretor e reprodutor, é reputado obsceno e deve ser velado, como indecoroso.

Correlatamente, o cristianismo incutiu nos cristãos o pudor (vergonha do corpo), a gimnofobia (horror da nudez) e a malícia. Se a malícia se encontra mais ou somente no espírito do malicioso, que o criou e lho incutiu, foi o cristianismo que, concomitantemente, criou o pudor ou, ao menos, fortaleceu-o talvez mais do que qualquer outra fonte.

Sem a malícia, sem o pudor, sem a herança cristã, a exposição mamária, por exemplo, nas praias e em piscinas, seria indiferente. Nas populações cristianizadas, ela (ainda, como no Brasil) é motivo de recusa ou de alvoroço: o proibido, quando se revela, desperta a atenção, pelo seu ineditismo. Rapidamente, porém, perde a graça: o visto, já visto e revisto, torna-se indiferente.

Sem a malícia, sem o pudor, sem a herança cristã, a exposição peniana, nas circunstâncias da anedota, teria passado despercebida, teria merecido indiferença ou, talvez, curiosidade por ver-se o que anda oculto. Da parte de alguém teria, quiçá, despertado apetite venéreo, por conta muito mais da imaginação e da libido do observador, do que da parte observada. Sem a malícia e o pudor cristãos, o episódio teria sido interpretado como irrelevante ou pouco relevante. Por efeito do etos cristão, redundou  na intervenção do proprietário da academia e no constrangimento de duas moças, que se exercitavam, no chão, ao lado de Varão.

Faz sentido distinguirem-se no corpo regiões decorosas de outras, indecentes ? Não, não faz. Há, no corpo, partes obscenas por natureza ? Não, não há. O corpo é, por inteiro, digno ? Sim, é-o. A vergonha do corpo faz sentido ou não ? Não, não faz. Faz sentido a moral arcaico-cristã, em relação ao corpo, no sentido manifestado pela anedota ? Não, ela não faz sentido e deve ser abandonada: destabuzar (erradicar o tabu) o corpo, a nudez, as mamas e o falo, e naturalizá-los (interpretá-los como naturais).

Não estou a preconizar que nas academias se autorize a exposição intencional ou fortuita do pênis, em maior ou menor proporção. Estou a examinar o etos pudico e a herança arcaico-cristã, na sua vertente misofálica (e, por extensão, misomamária e gimnofóbica. Misofalia significa recusa do pênis ou da sua exposição; misomamia significa recusa das mamas ou da sua exposição; gimnofobia significa recusa da nudez ou da sua exibição; nos três casos, deliberada ou fortuitamente.).

Quem me acompanha os artigos, já me conhece tais juízos; estou a dizer mais do mesmo. É, contudo, a propósito de episódios aparentemente pífios como este, que devemos refletir e usá-los como pontos de partida para a revisão dos valores, para a renovação dos conceitos e para a modificação dos comportamentos.

À anedota e aos juízos que formulei, cada qual reagirá conforme o seu etos e a sua idiossincrasia. A reação revelará muito do estado axiológico de cada reagente e da sua cosmovisão.

Oh, Apolo nu ! Oh, Mercúrio, deus dos ginásios ! Oh, Hércules, criador das olimpíadas ! Oh, gregos, atletas e ginastas nus ! Não fosteis cristãos ! (os atletas disputavam os jogos olímpicos nus e nus praticavam ginástica, palavra cuja etimologia corresponde a “gimnadzein”: treinar pelado. Treinavam sem escândalo, sem pudor, sem malícia, com o pinto à mostra, por inteiro.).

Aparece o pinto.

 

2) O CHAFARIZ-PÊNIS DE CURITIBA. 

Curitiba, cidade provinciana, colonizada pela padralhada católica. Na praça Zacarias havia (e novamente há) um chafariz, que lá se pôs em 1871. Em 1939, em plena recatolicização do Brasil, ele foi transferido para o Museu Paranaense, onde foi decepado: o olhar (religioso ? Sexualmente frustrado ? Pudico, sim) via no chafariz, símbolo fálico; via, nele, um pênis ereto.
No Museu Paranaense, retiraram-lhe a parte análoga à suposta glande.

Curitiba, besta e carola. Só não foi besta e carola de todo, graças à presença de gente como os Positivistas (João Pernetta, David Carneiro, Carvalho de Mendonça, Nilo Cairo, Benjamin Lins) e como Dario Vellozo, Euclides Bandeira e outros.

Após o período da República Velha, caracterizada pela perceptível secularização da classe média brasileira, a igreja católica esforçou-se por recolonizar os brasileiros, em simbiose com o governo de Getúlio Vargas. No Paraná, Caetano Munhoz da Rocha (católico praticante em cuja residência havia capela), atuou neste sentido e nomeou, como funcionários, e como professores da rede pública do Pr, somente católicos convictos. O seu filho, Bento (na fotografia), foi autor da entronização, no recinto da Câmara dos Deputados, no RJ, do boneco de Jesus. Quem se vê na foto? Bento e um padre.

A malícia está na mente do malicioso e não no chafariz. Curitiba, a Fria; Curitiba, a Curitiboca; Curitiba, a Carola; Curitiba, a Besta.

Chafariz intacto.

Atente-lhe à parte superior.

Chafariz no M. P.

Habilmente, o fotógrafo elidiu a “glande” do chafariz-pinto. Na fotografia, Bento Munhoz da Rocha e um padre.

Chafariz decepado.

“Decepado”.

 

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