Cura-curitiboca

(Pronuncie “curitibóca” e não “curitibôca”.).

5.V.2014. CURA-CURITIBOCA .Lanço, hoje a campanha cura-curitiboca. Em Cascavel, há uma receita para curar o mau humor dos curitibanos; aplica-se o remédio por meia hora.Qual é, não digo, mas quem mora lá entendeu a pilhéria. Há exceções aos curitibanos-curitibocas.
Primeiro exercício: fale com um estranho hoje. Cumprimente alguém: diga-lhe bom dia. Não interessa se não costuma conversar com ele. É exatamente nisto que radica a eficácia da terapia: interagir. Encoraje-se! Não se preocupe com o que os outros vão dizer ou pensar de você! Vá lá! Força, curitibano!

 CURA-CURITIBOCA, parte 2. Reflexão de hoje, para curar a insociabilidade dos curitibanos. O ser humano é social e sociável; vive em sociedade, convive com pessoas. É ser que se comunica, que fala, que pode falar; que ouve. Curitibano-curitiboca, exerça as suas faculdades humanas: seja sociável, fale, comunique-se, ouça, queira ser sociável, queira interagir, queira falar, queira ouvir. Mude a sua relação com o próximo: abandone a atitude de indiferença e de silêncio em favor de relação de espontaneidade e de comunicação. Faça-o, não tema fazê-lo. “Mas eu não conheço o cara (empreguei este plebeísmo adrede. Quem fala é o curitiboca, não eu) , vou falar com ele?! Falar o quê?!” Não o conhece e falará de qualquer assunto: nisto consiste a terapia: puxe conversa , qualquer uma. Pratique este exercício com pelo menos duas pessoas. Duas! Força, curitiboca!

7.V.2014. CURA-CURITIBOCA. Lição 3. Reflexão. Você, que é curitibano do tipo curitiboca, que ignora estranhos, que não cumprimenta, que não responde a quem o cumprimenta, imagine como seria a sua vida com pessoas sociáveis. Seja egoísta, seja feroz, pense em si apenas: imagine que os outros o cumprimentam, dirigem-lhe a palavra, tratam-no como pessoa e não como objeto, dão-lhe atenção, valorizam-lhe a existência. Seja egoísta, seja egocêntrico: você gostaria de continuar a ser tratado como objeto ou como pessoa? Você é curitibano-curitiboca, você é egoísta, você gostaria de ser tratado como pessoa, como ser humano. Então, abandone o seu egocentrismo, cesse de ser umbigocêntrico e trate os outros como seres humanos. Qual é a lógica? A da reciprocidade. Trate como deseja que o tratem. Seja-lhes sociável, relacionável, sorria-lhes, não os tema. Os outros não são inimigos; o forasteiro não é ameaçador; o estranho não é uma coisa, porém é alguém; ele não quer estuprar a sua filha, a sua irmã, a sua mãe.Faça a sua parte. “Mas se for só eu, não adianta nada”. Dê o exemplo. Fale disso. Reclame do curitiboca, indigne-se quando não lhe responderem. Critique a curitiboquice. Critique as atitudes indiferentes de gente que não se comunica. Provoque reações. Faça como eu, que já perdi a paciência com curitibocas. Acorde! E observe os resultados. Força, curitibano! Coragem!

8.V.2014. CURA-CURITIBOCA. Lição 4. Reflexão. Toda a gente conhece a má fama dos curitibanos: não se comunicam, são introvertidos, não falam com estranhos, são “fechados”. É fama verdadeira. Os curitibanos são assim, na sua maioria. E no restante mundo? É diferente: na Europa (Europa, ó curitibanos com mania de se acharem europeus!) as pessoas comunicam-se; nas outras cidades do Brasil, as pessoas entabulam conversações com estranhos, com a maior espontaneidade. Não lhes é preciso ser apresentado; vão falando. No próprio Paraná, os paranaenses são sociáveis: o comunicar-se constitui padrão de vida humana, ao passo que, em Curitiba, o padrão da vida humana corresponde a silenciar diante do estranho. Toda a restante humanidade comunica-se; a humanidade curitiboca se cala. Há algo errado com os curitibanos. Com os curitibanos, não com os outros.

CURA-CURITIBOCA. Lição 5. Verdades na cara. Você, que é curitibano-curitibóca, que se vangloria da “Curitiba européia”, que julga Curitiba ser uma das melhores cidades do planeta, que nunca saiu disto e que prefere Curitiba a qualquer outro lugar do mundo, você é bitolado, limitado, tacanho, estreito. Você é umbigocêntrico, você pensa que o mundo resume-se a Curitiba; desconhece o diferente e por isto, mal reconhece o próprio. Medite no que acabou de ler. Você precisa, urgentemente, de viajar, ver o mais mundo, observar comportamentos, conviver com forasteiros e comparar-se com eles. A comparação do curitibano-curitiboca com as outras formas de ser e de conviver demonstrar-lhe-á o quão insociáveis e antipáticos são os curitibanos. Se você não observou e não se comparou, se não os observou e não os comparou, você é tacanho e, por isto, pensa como pensa.

Viaje com olhos não de turista, que contempla monumentos, mas com olhos antropológicos, que observa comportamentos: repare em como as pessoas se tratam, como reagem, ande de ônibus, entre nas lojas, peça informações na rua, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Recife, em Goiás, em Portugal, na Espanha, em Paris, no interior do Brasil, no interior do Paraná. Notará a espontaneidade dos outros, chocante em face da introversão do curitibano; comprovará a taciturnidade deste e a abertura deles. Você já fez isto ? Não ? Então, viaje e observe antes de ficar “ofendidinho” e tentar justificar a curitiboquice.

Alhures, as pessoas fazem amizades prontamente, com estranhos, com desconhecidos, na rua, no ônibus, na fila, com quem nunca viram na vida. Isto é, precisamente, o que distingue o curitibano-curitiboca das outras gentes. É típica do curitiboca a convicção de que amizade não se faz imediatamente; é típico das outras gentes fazer amizade de pronto. Percebeu a diferença?

Os outros são, desde logo, receptivos ao estranho; o curitibano, desde logo não o é. Os outros estão-lhe abertos desde o começo e fecham-se-lhe, se for o caso; o curitibano está-lhe fechado desde o começo e abre-se-lhe, se for o caso. Percebeu a diferença?

Quando o curitibano da espécie curitibóca brada que “confiança se conquista”, manifesta o etos do curitibóca, na sua forma típica e aguda: ele adota como pressuposto a desconfiança em face do estranho, ao passo que os não-curitibanos não o adotam: não começam por desconfiar, não vêem porque desconfiar do estranho, ao passo que o curitibóca desconfia, suspeita do estranho, como se ele lhe representasse ameaça . O curitibóca pressupõe a malignidade, ao passo que os outros não a pressupõem. O curitibóca é antropológicamente pessimista; os outros, não o são. O curitibóca talvez seja, no fundo, profundamente inseguro; os outros, não.

Segundo o curitibóca, “confiança se conquista”, porque ele principia a sua relação humana sem ela e por isto é, de saída, introvertido e arredio. Segundo os outros, confiança se perde, porque ele principia a sua relação humana com ela e por isto é, desde logo, aberto e simpático.

É o pressuposto da  desconfiança que caracteriza, também, o etos do curitibano-curitiboca. Os outros partem da proximidade; o curitiboca, da distância; os outros desde logo são receptivos; o curitibóca, desde logo é desacolhedor. Os outros confirmam o “homem cordial”, de Cassiano Ricardo; o curitibóca encarna-lhe a negação. Os outros são brasileiros na sua simpatia, na sua humanidade, na sua alegria. O curitibóca é único na sua taciturnidade, na sua frieza, na sua falta de receptividade ao próximo. Percebeu a diferença ?

CURA-CURITIBOCA. Lição 6. Curitiboca imobilista. O curitiboca existe há décadas, desde, aproximadamente, talvez, 1914, ou seja, há um século ou mais. Entrementes, o mundo mudou, os costumes cambiaram, o traje informalizou-se,  as mulheres deixaram de casar-se virgens, instituiu-se o casamento homossexual, incrementou-se o feminismo, inventaram-se telemóveis e a rede de computdores, etc..

Muito variou, mudou, cambiou, alterou-se, em termos de costumes, mentalidades, objetos e realidades. Só uma coisa continua igual: a maldição curitibana, a síndrome psicológica e comportamental do curitibano-curitibóca. O curitibano é conservador em sentido pejorativo, em relação à sua maldição: é imobilista, não muda, permanece arcaico, aferrado à sua rotina de ignorar os estranhos, de ser de difícil relacionamento humano. O mundo mudou, exceto o curitibóca.

Trinta anos atrás, nos meus tempos de moço, eles eram assim; trinta anos depois, continuam iguais. Em 2016, os forasteiros, mesmo jovens, estudantes, confirmam o choque cultural de viver em Curitiba e conviver com os nativos daqui.

É estranhíssimo. O paradigma se reproduz geração após geração, ano após ano, década após década. O curitibano nado e criado em Curitiba vive nele e nele existe em estado de natureza: para o curitibano, a natureza social, a sociabilidade a que corresponde o seu horizonte existencial é a da introversão, do silêncio perante estranhos, da negação da espontaneidade, da prática da suspicácia, do fechamento ao outro.

O mundo anda e o curitibóca mantém-se estacionário. Ser curitiboca é como, dantes, era ser homofóbico, racista, religioso: é questão de imitação, de repetição do modelo mental e comportamental instalado. O brasileiro era homofóbico, racista e teológico porque a homofobia, o racismo e a fé constituíam as idéias instaladas no ambiente, como estado de natureza mental. A curitiboquice constitui o estado de natureza social do curitibano. Como alterá-lo? Pela conscientização, pela crítica. Crítica, aqui, significa reconhecer a realidade da existência da maldição curitibana, denunciá-la e induzir à mudança das mentalidades e, destarte, dos comportamentos.

Tal é o meu empenho, que exerço, corajosa e jactanciosamente: corajosamente, porque as minhas dicções, nesta matéria, desconfortam a quantos se reconhecem no tipo que descrevo ou, sem se reconhecerem nele, tomam para si as críticas, como curitibanos, e ser impopular ou suscitar a zanga alheia exige algum denodo (desde moço acompanha-me alguma fama de corajoso, em certas das minhas parcas opiniões).

Jactanciosamente, porque me orgulho de ser porta-voz de muitos que comungam do desprazer de conviverem com curitibócas . Ainda que não manifestasse observações e sensações também alheias, ufanar-me-ia do meu afã de suscitar consciência crítica nos meus coevos, no intuito de melhorar o ambiente em que eles e eu vivemos. Não deixarei um mundo melhor para os outros, porém talvez deixe certos outros melhores para o mundo.

CURA-CURITIBOCA. Lição 7. Conjecturas. Há 3 conjecturas pelas quais se explica a maldição curitibana, síndrome piscológica e comportamental do curitiboca:

1) o clima nublado, cinzento, escuro, desestimula a produção de serotonina no cérebro dos curitibanos. Serotonina é o hormônio responsável pela vida de relação humana. O cérebro do curitibano é fisiológicamente desnutrido, em parte (conjectura minha).

2) Por Curitiba ser, desde 1912, cidade universitária, que atrai forasteiros, as famílias nativas mantinham-lhes reservas e silêncio, para salvaguardar a virgindade das suas filhas. Todo forasteiro constituía ameaça; daí o não se falar com estranhos (conjectura de Luis Carlos Pereira Tourinho).

3) Por ter havido imigração polaca, alemã, ucraina e italiana para Curitiba; por o Brasil haver declarado guerra, em 1942, à Alemanha, à Itália e ao Japão; por, na altura, o português haver se tornado idioma obrigatório, os imigrantes (já não de primeira geração, porém já os seus filhos e netos, falantes dos idiomas dos seus pais e avós, que muitos mal falavam português) passaram a abster-se de se comunicar por não saberem ou saberem mal fazê-lo em português. Além disto, havia ódios de países e povos na Europa, que se transportaram para os filhos e netos dos respectivos nacionais, em Curitiba: o polaco de Curitiba odiava o alemão e o ignorava; o alemão ressentia-se do ucraino e fazia-lhe o mesmo; o italiano era inimigo e acanhava-se. Tal ressentimento étnico, os ódios políticos, a guerra, fizeram de Curitiba a miniatura da Europa, dos conflitos europeus. O curitibano de origem na imigração eslava e germânica, não o curitibano nativo ou de origem portuguesa, por animadversão às demais etnias ou por receio de ser identificado como pertencendo à própria, por defesa, adotou atitude de silêncio perante as pessoas. Não falar, calar-se, era forma de ocultar a sua procedência (conjectura de Marcos Traple).

CURA-CURITIBOCA. LIÇÃO 8. Sou crítico dos curitibocas; posso criticar o temperamento introvertido, insociável, frio, pouco amistoso dos curitibanos-curitibocas. Qualquer pessoa pode criticá-los, seja curitibano, seja forasteiro, seja estrangeiro.

            Digo-o pois muitos curitibanos somente admitem críticas dos nativos, vale dizer, dos próprios curitibanos, em censura implícita da liberdade alheia de observação e expressão. (Fique sabendo que sou curitibano da gema. Antes de Curitiba ser alguma coisa, antes de ter câmara e pelourinho, quando isto era, apenas, sesmaria, os meus avoengos já cá estavam, em 1654. De origem mais antiga do que a minha, não há.).

            Repare no ardil: quem se acha mais capacitado para perceber o comportamento e o temperamento introvertido dos curitibanos ? Os forasteiros, que, por serem-no, detêm termos de comparação, entre os curitibanos e si próprios. Muitos curitibanos pretendem calar precisamente quem é capaz de criticá-los e admitem críticas dos nativos, o que implica espírito de tribo e contém o pressuposto de que os nativos, por serem-no, tendem à leniência ou à incapacidade crítica por nulidade ou escassez de vivência com outras gentes, com que se comparem. É muito psicológico, é tudo defesa do ego do curitibano-curitiboca.

            Morei no exterior (do país); viajei por inúmeras capitais do Brasil, em que tratei com o povo da rua, nos ônibus, nas lojas, nas ruas; observei como as pessoas são e as comparei com o curitibano. A minha observação coincide com a da maioria dos forasteiros: o curitibano é, sim, geralmente, frio e introvertido. “Geralmente” supõe exceções, que as há.

              Não se trata de experiência, minha, negativa e pontual, com alguns curitibanos; é experiência de incontáveis pessoas (nativas ou forasteiras), com incontáveis curitibanos, que se repete há décadas. Não é preconceito: é observação empírica.

            É claro que sempre há quem se sinta incomodado com as minhas críticas, seja porque se reconhece nelas, seja porque é exceção aos curitibanos-curitibocas e sente-se indevidamente injustiçado (já disse que há exceções). Já estou acostumado a tais tipos de reação, mormente emocionais. A carapuça serve a muita gente.

              Critiquei, também, os curitibanos que, nos vestiários masculinos, adentram o cubículo do chuveiro de cueca e dele se retiram de cueca. São pudicos, conventuais, puritanos, ridículos, caretas. Ou não ?

            Sou cacete, muito cacete, em relação aos curitibanos e prosseguirei sendo-o, orgulhosamente. Não mantenho espírito de tribo, não cultivo mentalidade provinciana, conheço haver formas melhores, mais humanas e simpáticas de interagir. Enquanto você teimar em defender a curitiboquice, convirá em manter o ambiente curitibano suscetível às minhas críticas. Obrigado: dá-me matéria sobre que escrever, malgrado outras, mais instigantes, também me apeteçam.

 

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Uma resposta para Cura-curitiboca

  1. Aerphio Nowar disse:

    PARABÉNS PELA LUCIDEZ,FIQUEI IMPRESSIONADO COM SEU PODER DE PERCEPÇÃO DO COMPORTAMENTO DO SER HUMANO !

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