O IDIOMA NO BRASIL E EM PORTUGAL.

                                   O IDIOMA NO BRASIL E EM PORTUGAL.

                                               Arthur Virmond de Lacerda Neto. Novembro de 2011.

Duas são as características do uso da língua portuguesa em Portugal:

1.

      Seu melhor conhecimento e melhor uso, com vocabulário abundante, correção gramatical, beleza de construções; correção de traduções. Tal nota vem minguando, máxime em anos recentes, à conta da influência brasileira, na forma de telenovelas (desde os anos 1970) e dos 300 mil brasileiros lá residentes há décadas; umas e outros dão o exemplo de expressões e de calinadas. Já não se fala o português impecável e elevado de até dez anos atrás e sim português abrasileirado, permeado de dizeres como “não é a sua praia”, “tarefa fácil”, “acho”, “a gente”, “obrigado eu”, “domingão”, “centrão”, “tudo bem”, “tá” e muitas outras, todas de origem coloquial.

    O título do programa da SIC “Não há crise” é abrasileirado: em coloquial muito rasca, diz-se ou já sequer dizem, no Brasil, “não tem crise”, isto é, não há problemas; os portugueses substituíram o aí errado verbo ter por haver e mantiveram a fórmula brasileira.

    Aliás, a fórmula brasileira das telenovelas é a de haver personagens coléricas, gritalhonas, iracundas, raivosas, nas da rede Globo, após o Jornal Nacional; os portugueses imitaram-nas e apresentam personagens dotadas do mesmo excesso emocional, e das mesmas mesas de pequeno-almoço lautas, com o patriarca à cabeceira, mulher e filhos, sumo de laranja em jarra cheia e abundante comida, exatamente como não é o café-da-manhã dos brasileiros.

Portugal é colônia lingüística[1] de brasileiros, onde exerce influência deletéria; não me refiro às expressões típicas, senão aos vícios e aos solecismos típicos de país em que há décadas se descura do idioma e em que professores e doutrinadores professam ódio para com a gramática, vergonha de sua origem portuguesa, desdém do passado luso-brasileiro, e fazem da recusa da gramática de matriz portuguesa afirmação nacionalista.

   Ademais, o português do Brasil é anglicizado: contém inúmeras palavras imitantes do inglês, que preteriram os equivalentes vernaculares (como “impacto”, em lugar de influência ou efeito; “inteligência” em lugar de informação; “denominação” em lugar de seita ou religião; “evidência” em lugar de indício; “memorial” por monumento); também são anglicizadas as traduções do inglês, mormente ruins e muito ruins, contrariamente às de décadas atrás, boas, ótimas, excelentes. Também nisto se patenteia involução.

    No Brasil, o idioma variou (pois as línguas mudam) para muito pior (o que os mudancistas ignoram ou dissimulam); os produtos de seu empobrecimento é o que os portugueses atualmente incorporam.

A língua é a mesma no Brasil e em Portugal; relva, gramado, rebuçado, bala, listras, riscas, são equivalentes e não são, umas, lusismos, outras, brasileirismos; são palavras que correm sobretudo em um país e não ou muito menos no outro e vice-versa, e igualmente corretas. Podemos usar umas e outras, indiferentemente. Facto[2] é que o português de Portugal vem-se impregnando mais e mais de expressões e termos correntes e moentes no Brasil e, com elas, de cacoetes, vícios, erronias de brasileiros. Segundo alguns, a imitação de brasileirismos é voga efêmera; será ?

Não há recíproca: não se dá influência portuguesa de mais vocabulário, melhor sintaxe, correção gramatical, mais elevação e menos vulgaridade na fala e na redação dos brasileiros. Entra o ruim do Brasil em Portugal, não entra o bom de Portugal no Brasil (à exceção de “mais do mesmo”).

2.

   O português transmite o que exprimiu, ao passo que o brasileiro exprime-se com subtextos: enuncia uma coisa para transmitir outra. Se se pergunta ao português se ele sabe que horas são, ele responde que sabe ou que não sabe, mas para o brasileiro “O senhor sabe que horas são ?” é igual a “Que horas são ?”. Obviamente, trata-se de indagações distintas.

      O brasileiro pergunta: “Sabe onde fica o Rossio ?”, para exprimir: “Como faço para chegar ao Rossio ?”. Evidentemente, são perguntas diferentes.

    O brasileiro perguntou: “A senhora sabe onde fica o banheiro ?”, ao que o português respondeu-lhe: “Sei; trabalho aqui há muitos anos”, mas o brasileiro  quis transmitir “Onde fica o banheiro ?”. São perguntas diferentes.

   Ao brasileiro deparou-se mochila em cadeira; ele indagou à moça da cadeira adjacente: “Esta mochila é sua ?”, ao que ela lhe respondeu: “Não, é de meu primo que ma emprestou[3]“. O brasileiro perguntou-lhe se a mochila pertencia-lhe: foi exatamente isto que ela lhe respondeu, mas na mente do brasileiro indagar “Esta mochila é sua ?” significa: “Se esta mochila for sua, remova-a”. Dada esta pergunta, o brasileiro não a responde, mas retira-a.

   Notai vós que o brasileiro diz uma coisa a pensar em outra: há o conteúdo explícito e o implícito, de que o segundo é subentendido entre brasileiros, porém não o é entre brasileiros e estrangeiros. Se o brasileiro indagar na Argentina a um argentino, no Uruguai a um uruguaio, na Itália a um italiano “Sabe onde fica o banheiro ?”, não pode exigir que seu interlocutor adivinhe que o sentido da pergunta é outro.

      Aqui há tempos indaguei à telefonista de firma: “A fulana está ?”, ao que ela passou-me a ligação para a fulana. Eu perguntei se fulana estava, não lhe pedi que lhe passasse a ligação.

   É célebre a anedota do brasileiro que indagou ao português:

— Esta loja fecha no sábado ?

— Não.

     No sábado estava fechada; na segunda-feira lá foi ter e protestou:

— O senhor me disse que no sábado não fechava e estava fechada.

— No sábado não fechamos porque não abrimos; fechamos na sexta-feira.

     Os portugueses não são “burros”: eles dizem uma coisa para comunicar exatamente isto, ao passo que os brasileiros muitas vezes dizem uma coisa para comunicar outra, de que é exemplo o estapafúrdio “O que abre e o que fecha no feriado”. Não sejais burros, brasileiros ! Se fecha no feriado, é porque no feriado abre; quer-se referir o que abre no feriado e o que não abre no feriado. Fechar é diverso de não abrir, diferença facilmente perceptível em que o brasileiro não atina.

     Os brasileiros muitas vezes falam como que por códigos; sua expressão é, então, por assim dizer, figurada; é desejável que modifiquem sua comunicação e digam exatamente o que pretendem; por exemplo: se querem saber como chegar ao Rossio, perguntarão “Como faço para chegar ao Rossio ?” em vez de perguntarem “Sabe onde fica o Rossio ?”; ao revés de “Tem horas ?”, dirão “Que horas são ?”.

   Em vez de “Sabe onde fica o banheiro ?”, diga-se: “Onde fica o banheiro ?”. (Atitude que se trivializou em certos meios é a de dizer-se “Banheiro”, a secas, para significar: “Onde fica o banheiro, por favor ?”. Este comportamento é grosseiro, é mal-educado; gente polida sabe dizer “Onde fica o banheiro, por obséquio/por favor ?”, mas já se eliminou a fórmula de gentileza “por favor/por obséquio”, já se suprimiu a construção interrogadora para limitar-se ao substantivo: é involução, grosseria, brasileirismo. Logo os portugueses estarão assim).


[1] Emprego o trema, orgulhosamente, que marca a pronúncia do “u” em dadas palavras e cuja abolição constituiu retrocesso.

[2]Redijo facto, e não fato, para evitar polissemia: facto é ocorrência, sucesso, acontecimento; fato em Portugal é terno (vestuário), vocábulo que os brasileiros podem usar.

[3] “Ma” é contração dos pronomes me e a. Me + a = ma. É recurso da língua portuguesa, consignado nas gramáticas brasileiras e que se aprende em Portugal e que se oculta dos estudantes, no Brasil.

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