“Não vai ter”, não: “Não tem”.

Um dos vícios de linguagem mais estúpidos é o de o pessoal do comércio usar o futuro no lugar do presente. Por exemplo: o vendedor quer dizer que não há dado artigo, ou seja, que não tem (para valer-me deste verbo reles). Atente: não tem é presente, porém o vendedor diz:

– Não vai ter.

Vai ter, vai fazer, vai ocorrer indicam FUTURO: terá, fará, ocorrerá.

Não “vai ter” é no futuro. Futuro significa amanhã, depois de amanhã, na semana que virá, no ano vindouro, no século que vem. Ele quis dizer que não há agora, neste momento, no presente e usa o verbo no futuro.

Tem, faço, ocorre indicam PRESENTE.

O presente é o presente e o futuro é o futuro; se não TEM deve-se dizer que não TEM em vez de dizer que não VAI TER.

Se se usa o futuro para indicar o presente, como exprimiria o futuro ? Seria “vai ter, depois” ? ; “vai ter, futuramente”, “vai ter, mesmo”, “vai ter, de verdade”? Não é correto e inteligente dizer-se “tem” para indicar que “tem”, “não tem” para exprimir “não tem” ? Aliás, “há” e “não há”.

Se na loja não há a mercadoria, então, NÃO TEM. Dizer “não vai ter” equivale a dizer que não haverá no futuro, na semana que vem, no mês que vem, no ano que vem; implicitamente, significa que TEM.

Dizer “não vai ter agora” é total estupidez: “não vai ter” = futuro. “Agora” = presente. Ou não tem ou não vai ter.

Uma vendedora chegou ao cúmulo da estupidez de dizer: “Não vai ter, neste momento”. “Não vai ter” = futuro; “neste momento”= presente. Usou o presente e o futuro para indicar o presente, o que é incoerente.

O vulgo não sabe distinguir o presente do futuro. A língua portuguesa não é difícil; é inteligente e racional. Os tempos verbais existem para nos exprimirmos com propriedade. É difícil usar os verbos no presente para indicar ação no presente e verbos no futuro para indicar ação no futuro ?

Isto de “não vai ter” é vício horrível e muito incoerente.

É correto e coerente dizer “Não temos”: não há nesta loja, neste mercado, no presente (mas existe o produto).

Atente em que o emprego das palavras não pode ser aleatório, não dá na mesma dizer de uma forma ou de outra; os tempos verbais e sua aplicação, o sujeito do discurso fazem diferença e propiciam-nos exatidão no discurso e qualidade na comunicação.

— “Não vai ter”: vício e incoerência.

— “Não tem”: sem vício e com coerência.

— “Não temos”: sem vício, com coerência e com a informação de que a mercadoria existe, porém a loja não dispõe dela, no presente.

Evidentemente incoerência que tal jamais ocorreria em Portugal: os portugueses, que se orgulham de nosso idioma, levam-no a sério no ensino, no aprendizado e em seu uso. E não, não há idioma brasileiro, mas há erros tipicamente brasileiros.

Esta irracionalidade é ubíqua e quase não há vendedor capaz de atinar em quão errado é falar assim. Como é comum no Brasil, basta um primeiro despreparado inventar uma toleima idiomática para que outros, igualmente sub-letrados ou desavisados, ponham-se a imitá-la: o brasileiro de fraca instrução imita as novidades, sem nenhum critério, sem refletir por um só segundo em se o que se inventou é inteligente, racional, correto ou se é estúpido e ignorante. Os vícios e cacoetes são estúpidos e primários.

Outra: “Vai ter no branco”; “Vai ter no azul”. Atente: no Paraná, no Rio de Janeiro, na França. Na = em + a. No= em + o. Em indica LUGAR. Branco é lugar ? Não. Azul é lugar ? Não. Cor é lugar ? Não. Logo, é tolice dizer-se “Tem camisa no branco” ou “Tem camisa na cor branca”. Diga: “Tem camisa branca”, sem preposição nem artigo. Diga melhor: “HÁ camisa branca”.

Português não é difícil; ele tem lógica, faz sentido, as preposições, os pronomes, os verbos, as concordâncias, os tempos verbais são instrumentos que conferem sentido e lógica ao que exprimimos: graças a eles comunicamo-nos com qualidade. O importante não é apenas comunicarmo-nos, porém fazê-lo com qualidade que somente o conhecimento do idioma e seu uso correto propicia. O que não tem qualidade nem lógica nem faz sentido é usar o futuro para exprimir o presente nem referir-se a cores como se fossem sítios (sítio = lugar, local).

Povo que já não sabe usar os tempos verbais mais elementares nem as preposições mais básicas é povo que involuiu no domínio de seu idioma.

O medíocre objeta-me:
— Se dá para entender, está valendo.
— A gente não é professor de português.

— Eu não sou de “humanas”, sou de “exatas”.

O mínimo que se deve esperar é que as pessoas saibam usar corretamente os tempos verbais, o que não é prerrogativa de professores de português mas deve ser timbre de todo usuário de português, seja formado na área de ciências humanas, biológicas ou exatas ou seja formado em nada. Alegar em contrário é forma de coonestar o errado e de manter o ignorante na sua ignorância; opor-se a quem corrige, a que se corrija é atitude egoísta, mesquinha, que atua contra o ignorante pois o mantém como tal.

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