Porrada nos criticadores do Positivismo de Augusto Comte.

A desinformação anti-positivista no Brasil

  Adquire-se este livro na Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br). Publiquei-o no mesmo volume em que publiquei Pequena história da desinformação, de Vladimir Volkoff. Na Estante Virtual, ao encontrar o livro de Volkoff, terá encontrado o meu.

                                          (Prefácio da  segunda edição) 3.VIII.2005.

Arthur Virmond de Lacerda Neto                   arthurlacerda@onda.com.br

 

PREFÁCIO

                                   

              “…nada é mais cômico e patético do que ver com quanta gravidade transmitiram-se, de uma geração a outra, as caricaturas mais grotescas das posições de Comte, feitas por alguns investigadores que julgam mais por rumores do que por discernimento intelectual”. Kenneth Thompson, Augusto Comte, pg. 10.   

           “E de muitas das críticas da filosofia positiva poder-se-ia dizer o que disse o professor Huxley das críticas ao darwinismo: não valem o papel em que foram escritas”. Lauro Sodré, Crenças e opiniões, pg. 73.

                Muito do quanto escreveu-se no Brasil, nas últimas décadas, sobre o Positivismo, enferma de ignorância,  tolice, desonestidade ou preconceito, separada ou conjuntamente.

                Há incompreensões, de quem não entendeu a letra nem o espírito de Augusto Comte; há preconceitos, de quem o verbera sem o conhecer, na repetição de certos lugares-comuns; há desinformações, de quem o conhece de segunda mão, sob o efeito de interpretações que o distorcem; há desonestidades, de quem o ataca para o desmoralizar, a qualquer custo.

                Há afirmações infundadas, que o próprio Comte previu e às quais contra-argumentou e cuja formulação corresponde à confissão de que o crítico ou não leu Comte ou não o leu de todo. Ex.: a acusação de que a lei dos três estados é errada porque a positividade, a metafísica e a teologia muitas vezes convivem, quando Comte afirmou exatamente isso e explicou porque é  assim.

                Há afirmações ignorantes, como a de que o Positivismo é determinista ou fatalista, ou seja, concebe uma ordem inalterável, quando Comte enunciou dogmaticamente a maior modificabilidade dos fenômenos, quanto mais complexos sejam eles, máxime os sociais .

                Há afirmações levianas, de quem atribui ao Positivismo intenções que lhes são alheias. Ex.: ele é autoritário porque pretende uma ditadura republicana, quando a este conceito corresponde um regime garantidor de todas as liberdades.

                Há afirmações ideológicas, de quem, no Positivismo, seleciona o que lhe convém para o atacar. Ex.: ele corresponde a um ideário burguês, quando se caracteriza pela sua vocação pelas classes necessitadas.

                Há afirmações desonestas, de quem, conhecendo os fatos, acusa o Positivismo apesar deste conhecimento, que desmente a crítica. Ex.: certo autor que responsabiliza os positivistas por haver o Brasil tardado a criar universidades e que cita, na sua bibliografia  uma fonte, aliás excelente, que desmente exatamente isso (a fonte é “A ilustração brasileira e a idéia de universidade”, de Roque Spencer Maciel de Barros).

                Há afirmações fantasiosas, destituídas de um mínimo de realidade. Ex.: o “Apelo aos conservadores” de Comte representa um golpe destinado a manterem-se as estruturas de dominação.

                Há, finalmente, ignorância, quem pura e simplesmente não sabe do que anda a falar. Ex.: o pessoal jurídico, mesmo professores, ataca o normativismo, doutrina jurídica criada por João Kelsen e impropriamente nominada de positivismo jurídico, que, vezes muitas, confunde  com o Positivismo de Augusto Comte.

                Verifica-se no Brasil uma autêntica mistificação anti-positivista, entendida como distorção (por ignorância ou má-fé) e hostilidade, em um meio em que decaiu acentuadamente a qualidade da produção intelectual: sintoma desta decadência apura-se no cotejo da produção brasileira com a estrangeira, ao menos em matéria de Positivismo.

Quanta diferença entre as imbecilidades dos escrevedores pátrios, e a profundidade, a lucidez, o acerto, das análises dos europeus e dos norte-americanos! Da parte dos estrangeiros, consulta das fontes originais, pesquisa bibliográfica extensa, meditação profunda, afirmações ponderadas; da parte dos brasileiros, uma leviandade que se permite e uma desinformação que prevalece: instalaram-se a ignorância e a deturpação, que se mantêm por ausência de  controle, da parte de pessoas minimamente preparadas e honestas, que aponte os extravios de quem os pratica. Se houvesse tal controle, por meio da crítica da produção intelectual, os respectivos produtores acautelar-se-iam e exerceriam sobre si próprios uma vigilância de que se privam, certos de que ninguém será capaz de examinar o que produzem que, assim,  prevalece, por mais estúpido que seja. E quanta estupidez publica-se à volta do Positivismo, no Brasil !

 Rareiam, entre nós, quantos  conhecem o Positivismo e abundam quantos acham-se na situação oposta:  pontificam, os primeiros, nos cursos superiores e nos textos impressos, em que asneiram desenvoltamente, na certeza de receptividade acrítica. Assim como existe impunidade criminal, por ausência de aplicação da lei, existe impunidade intelectual, por ausência de crítica, no sentido de avaliação e mesmo de confutação.

                Certos livros e certas afirmações, em matéria de Positivismo, não valem o papel em que se imprimiram: os que aventuram-se a julgá-lo e mesmo apenas a descrevê-lo, devem impor-se a obrigação, elementar, de estudarem-no a sério, de lerem Augusto Comte e os seus continuadores, de entenderem-nos,  ou seja, de capacitarem-se, a sério.

             Não existe o direito de julgar-se o que se ignora ou que se conhece superficialmente; o livre exame e a liberdade de pensamento não equivalem à faculdade de ajuizar-se fora de condições plenas de competência para fazê-lo, máxime no âmbito intelectual, em que o esforço de conhecimento e de entendimento são especialmente imperiosos. De tais esforços, muitos brasileiros dispensam-se: daí as ignorâncias e as deturpações, e a sua propagação por entre alunos e leitores, que creditam a certos professores e a certos autores uma autoridade que, na verdade, lhes falece.

             Os pedantes mistificam os ingênuos; os que  presumem saber, viciam os que desejam saber, em uma desfiguração do Positivismo, cujo resultado consiste no espetáculo, deprimente, do despreparo, da superficialidade, da distorção, da leviandade, da mentira, presentes na vida intelectual, acerca daquela doutrina, a cujo respeito a contribuição brasileira, fora dos seus próprios adeptos, é modestamente aproveitável e freqüentemente desprezível. Excetuei os positivistas porque esses, dada a sua adesão ao Positivismo, estudam-no movidos pela ânsia de entenderem-no, ou seja, cumprem com a condição mínima de toda aplicação intelectual minimamente séria, como é o meu caso, que lhe aderi quando o conheci (aos meus dezoito anos de idade): conheci-o diretamente na sua fonte, ou seja, nas obras do próprio Comte.

              Fartei-me de tanta porcaria à solta, nas livrarias, nas universidades, nos cursos livres, nas gazetas. Fartei-me das distorções, das mentiras, das desonestidades, dos erros, e resolvi reagir: que não fique sem esclarecimento nenhuma confusão, que não fique sem resposta nenhum ataque, que não fique sem denúncia nenhuma desonestidade. É-me indiferente a conotação ideológica, política, confessional, ou de qualquer outra natureza, do erro ou do respectivo autor: todos os erros são-me iguais na medida em que é imperioso erradicá-los.

            Eis porque este é um livro de combate e de ciência. É de combate, porque nele denuncio o anti-positivismo brasileiro e profligo-lhe alguns aspectos; é de ciência, porque nele corrijo algumas desinformações e informo o leitor. Distingo o que corresponde ao Positivismo do que se lhe imputa, por modo a render justiça a uma doutrina injustiçada.

I

BESTIÁRIO

 

    

      Recolho aqui alguns exemplos, colhidos ao acaso e sem pesquisa sistemática, das estupidezes em circulação no Brasil, acerca do Positivismo. Elas servem de comprovação, em concreto, do quanto afirmei, em abstrato, no prefácio.

                    1– Na “História do Direito Processual Brasileiro”, de Jônatas Luiz Moreira de Paula (Editora Manole, Barueri, 2002), lê-se: “Os primeiros passos do positivismo no Brasil se deram ainda no tempo do Império, com o comtismo como doutrina científica através da Academia Militar, instituição cujos moldes era inspirada no pombalismo. A posterior transformação em filosofia positivista foi propiciada pelo castilhismo rio-grandense, porque mais se aproximava do ideário de Pombal”.  (Página 316)

           Terá o leitor notado o erro, crasso, de concordância em “era inspirado”’; trata-se, aliás, de livro mau escrito na sua generalidade. Quanto ao fundo, ele é caricato: nele distingue-se o positivismo do comtismo, que depois transforma-se em filosofia positivista mercê do castilhismo, porque mais se aproximava do ideário do Marquês de Pombal. Ora, o positivismo que ingressou no Brasil, pela escola militar (e não só), correspondia ao comtismo; a filosofia positivista correspondia a esse mesmo comtismo, portanto, um não se transformou no outro: encarnavam ambos a mesma doutrina. O castilhismo não transformou o comtismo em filosofia positivista: ele representou a aplicação política do Positivismo, e isto porque Júlio de Castilhos aderiu-lhe, e não porque mais se aproximasse do ideário de Pombal, que nada tem que ver, absolutamente, com o castilhismo.

                Parece piada alguém tratar como doutrinas diversas o comtismo, o positivismo que ingressou na Escola Militar, a filosofia positivista; afirmar que o castilhismo transformou o comtismo em filosofia positivista e que tal “transformação” deveu-se à afinidade do castilhismo com a filosofia positivista.

             Parece piada, porém não o é: é  confusão e ignorância.

              2– O mesmo livro, na página 317, exprime: “Expressão máxima da Filosofia Positivista, foi a inserção dos dizeres “Ordem e Progresso” na bandeira nacional. Como bem esclarece Manoel Bonfim, a ordem destinava [sic: faltou o “se”: destinava-se] a combater tiranias, atacadas no regime de outrora. Com isso, concebia-se o dogma da autoridade, cultuando-se o prestígio da autoridade”.

              A inserção do lema Ordem e Progresso não correspondeu à  expressão máxima do Positivismo, e sim a um resultado da sua influência na organização da república brasileira. Ordem e progresso correspondem a conceitos que até hoje, os escritores brasileiros não entenderam, aliás, cujo conteúdo mesmo ignoram: a ordem significa as condições de existência das sociedades, os elementos que as compõe; o progresso significa estes mesmos elementosem atividade. Aordem corresponde à estática social, o progresso, à dinâmica social; trata-se de conceitos científicos, que Comte aplicou aos fenômenos sociais, que equivalem aos de anatomia e de fisiologia em biologia, aos de harmonia e de melodia em música e que se verificam no estudo de qualquer fenômeno, ao reconhecerem-se os elementos que o compõe e como eles atuam ao longo do tempo.

           A ordem, portanto, não se destina a combater tiranias, nem, em decorrência dela, concebia-se o dogma da autoridade, tampouco se cultuava o prestígio da autoridade. A ordem, da bandeira nacional, não corresponde aos poderes políticos constituídos, à autoridade governamental,  à obediência política.

            Parece piada que um livro profira tais asneiras. Porém não é piada: é ignorância.

                3- O mesmo livro, nas páginas 318 e 319, contém isto: “E quanto à ordem, também inserido [sic, por inserida] na bandeira nacional, ela só se mantinha mediante sucessiva decretação [sic, por sucessivas decretações] de estados de sítio e a intervenção nos estados considerados politicamente mais fracos”.

          Neste passo, a ordem, que no seu sentido verdadeiro indica as condições estáticas de existência das sociedades, de qualquer sociedade, figura, deturpadamente, como a imposição reiterada do estado de sítio e da intervenção de certos estados brasileiros sobre outros. Ou seja, o livro atribui à ordem um significado liberticida e de prepotência política, e converte-a em equivalente de opressão. Uma nota ao cabo da frase remete à fonte: o Curso de Introdução ao Pensamento Político Brasileiro, nas suas unidades V e VI, da autoria de Ricardo Vélez Rodriguez, relativas ao pensamento político do Positivismo.

              Já agora, não parece piada: é o resultado da desinformação e do anti-positivismo peculiar à fonteem questão. Assimé que, introduzida a falsidade em um livro, ela se propaga por imitação dos autores que dela se servem.

             4– O mesmo livro, na sua página 317, excerta Antonio Carlos Wolkmer e Manoel Bomfim. O primeiro refere-se ao “positivismo jurídico nacional”; o segundo, ao Positivismo e, nominalmente, a Augusto Comte. Trata, o primeiro, do normativismo de Kelsen e é explicito ao designa-lo por “positivismo jurídico”; o segundo, do Positivismo e é explícito ao nominar-lhe o criador.

             Ora, o autor do livro não apenas não os distingue, para esclarecimento do leitor, como cita Bonfim e Wolkmer um em seguida ao outro, o que confunde o leitor, que afinal, ou identifica o Positivismo com o normativismo, como se ambos correspondessem ao mesmo, ou apercebe-se de que o autor do livro incorreu nesta identificação, absolutamente equivocada.

            Parece piada, porém não o é: é um exemplo de que o pessoal jurídico, os professores e, por culpa deles, os alunos, confundem, grosseiramente, o Positivismo com o normativismo, impropriamente designado por positivismo jurídico, ou seja, duas doutrinas que entre si nada apresentam, absolutamente, em comum, salvo o nome,  que, na de Comte, corresponde à sua designação legítima, na de Kelsen, a uma alcunha imprópria. Certa vez, aluno de Direito, ouvi um professor de Filosofia afirmar que o positivismo ingressou no Brasil pela Escola Militar do Rio de Janeiro, na pessoa de Benjamin Constant: o positivismo jurídico, quis ele dizer!.

                  5– No “Manual de Sociologia”, de Delson Ferreira (Editora Atlas, S. Paulo, 2ª edição, de 2002), encontra-se esta asserção, relativa à lei dos três estados: “O último dos estados da Teoria da História comteana seria o positivo[…] Esse estágio encontraria sua expressão na sociedade capitalista moderna” (página 37).

                Não: segundo a lei dos três estados relacionada com a atividade, esta é militar conquistadora, depois, militar defensiva e, por fim, pacífica e industrial. Por industrial entenda-se o prevalecimento da ação da Humanidade sobre o meio em que ela existe, e não mais a expansão guerreira de certas populações sobre outras, ou a contenção de umas pelas outras.

            Indústria, em Comte, equivale à atividade do homem sobre o meio social e natural. Em momento algum, ele identificou o estado pacífico-industrial com o capitalismo do qual encarnou, ao contrário, um crítico no que ele continha, ao seu tempo, de desregrado e de negativo para os trabalhadores. Comte foi explícito em protestar a necessidade de se organizar moralmente a indústria, no interesse social, o que envolvia o atendimento das reivindicações proletárias, como foi explícito em censurar o egoísmo que regia o capitalismo do seu tempo.

           O “Manual” distorce o Positivismo,  em sentido marxista.

               6– O mesmo “Manual”, na página 39, afirma que o “positivismo aceitava como natural a ordem de dominação burguesa em processo de consolidação […] A liberdade era válida e aceita nesse contexto até o ponto em que não se tornasse ameaça o desafio à dominação burguesa, expressão final da ordem pública”. Tudo isto é mentira.

            Em momento nenhum, Comte reputou natural a dominação burguesa; em momento nenhum ele condicionou a liberdade às conveniências e aos interesses da burguesia; em momento nenhum ele considerou a “dominação burguesa” como a expressão final da ordem pública. Nenhuma destas três afirmações encontra-se no Positivismo, em que acham-se proposições opostas a elas, que correspondem a distorções tipicamente marxistas e que omitem, por ignorância ou por deliberação, os aspectos da doutrina que as desmentem.

             Ora, ao invés de justificar a “ordem burguesa”, o Positivismo contraria-a, na medida em que a) proclama a função social da propriedade, b) que subordina o capital a fins sociais, c) recomenda uma regulação moral do uso da riqueza, em que sobre os proprietários pesem deveres face à sociedade, d) reputa o possuidor como um mero depositário da riqueza, a ser empregada em benefício da coletividade, e) concebeu a responsabilidade social, atualmente em voga, f) julga um dos problemas magnos da modernidade, a incorporação social do proletariado. Nada disso visa a consolidar o papel econômico ou social da burguesia.

                 Ao invés de aceitar a liberdade enquanto conviesse à burguesia, o Positivismo consagra todas as liberdades, civis, políticas, de expressão, de opinião, de reunião, de associação, de crítica, de imprensa, de pensamento, como condições de existência social, independentemente da sua organização econômica e, desta arte, da dominação burguesa ou de quem seja. O Positivismo é uma doutrina de liberdades, e não de liberdades convenientes a certa classe social. Pretender em contrário,  é mentir: o “Manual” mente.

            7– Na introdução ao excelente “Crenças e opiniões”, de Lauro Sodré, o introdutor, Geraldo Mártires Coelho, professor universitário, escreveu isto: “Tal era a concepção da Religião da Humanidade professada por Littré, contrária à dos positivistas ortodoxos”.

              Ora, Emílio Littré, discípulo de Comte no Sistema de Filosofia Positiva, dissentiu da religião da Humanidade, que, portanto, não professava e que rejeitou abertamente, fato sabidíssimo na história do Positivismo. A concepção da religião da Humanidade não era contrária à dos positivistas ortodoxos: era exatamente a que os tornava ortodoxos, porque eles aceitavam-na, fato obviíssimo no Positivismo.

            Novamente, parece piada que alguém escrevesse tais despautérios. Não é piada: é ignorância.

              8– Na mesma introdução, encontra-se esta passagem: “’[…] o Positivismo valorizava o organismo militar como parte necessária ao ordenamento da sociedade positiva […]”.

            O Positivismo jamais valorizou o organismo militar como parte necessária ao ordenamento da sociedade positiva. Ao invés disto, segundo Comte, o destino histórico dos exércitos, há séculos, vem sendo o de representarem elementos crescentemente alheios ao funcionamento das sociedades e portanto cada vez menos necessários; ele  afirmou a conveniência da extinção dos exércitos e o caráter anômalo das guerras, na civilização constitutivamente pacífica e industrial que é a da modernidade.

              O asserto em causa contraria diretamente o que de mais explícito  se contém no Positivismo. Que um lente universitário escrevesse-o, não é piada: é ignorância.

            9– Ainda a referida introdução,  contém o seguinte  período: “A sociologia comteana, tendo como cenário de observação e como laboratório de estudo a França, dominada pela poderosa burguesia da Monarquia de Julho, tenderá a espelhar, profundamente, o imobilismo e o controle impostos à sociedade pelas forças que controlavam o governo burguês e autoritário de Luis Felipe”.

           A sociologia comteana teve como cenário de observação a história inteira da Humanidade (a antigüidade, a idade média, a modernidade) e como fontes, livros e concepções anteriores ao regime de Luis Felipe, que não interferiu, em nada, na constituição dos capítulos do Sistema de Filosofia Positiva  e do Sistema de Política Positiva destinados à concepção da estática e da dinâmica sociais, que, assim, em nada espelham nem o imobilismo nem o controle impostos à sociedade pelo regime de julho.

          O leitor já sabe: é ignorância.

              10- Em “O Espírito das Revoluções”, de José Osvaldo de Meira Penna, lê-se “Auguste Comte, um neurótico nos limites da paranóia” (pg. 501).

                Ora, qualificar alguém como o fez aquele autor, corresponde a emitir um diagnóstico de natureza psiquiátrica, de extrema gravidade e que ninguém, sensatamente, permitir-se-ia formular se não fosse psiquiatra, médico ao menos, com base em fatos cuidadosamente averigüados. O autor em causa não é psiquiatra, nem ao menos médico; nas dezesseis páginas de  bibliografia do seu livro não figura nenhuma obra de Augusto Comte nem nenhuma biografia sua: ele, portanto, não exerceu um controle pessoal e direto nem sobre o pensamento de Comte, tampouco sobre a sua vida: conhece-as de segunda mão, por “ouvir dizer”, o que não o inibiu de emitir aquele conceito, demasiadamente grave para formular-se com a leviandade com que o fez.

           Já isto, não é ignorância: é calúnia, é chingamento reles.

              11- Em “Para compreender a ciência”(de várias autoras, Editora Espaço e Tempo, Rio de Janeiro, 1992), enuncia-se que o “ideário positivista esteve, e talvez ainda esteja, presente no Brasil: nas idéias  que pregam […] a necessidade dos militares como um poder moderador,’[…] nas idéias que, portanto, acabam por privilegiar a força sobre a lei. E acima de tudo, tais idéias estão representadas até hoje no lema da bandeira brasileira – Ordem e Progresso”.

            É absolutamente falso que o Positivismo pregue a necessidade dos militares como poder moderador, que privilegie a força sobre a lei e que a tais idéias correspondam o lema do pavilhão nacional.

            Ao contrário disto, Comte é explícito e abundante em frisar que o poder moderador  deve ser moral e caber à opinião pública, cuja liberdade de expressão o Estado deve respeitar escrupulosamente, como garantia da ordem, sem conferir a mais mínima função às forças armadas,  em que reconhece um significado cada vez mais secundário no funcionamento das sociedades modernas. Da mesma forma, não existe, em nenhuma formulação positivista, a priorização da força sobre a lei, bem como os conceitos de ordem e de progresso não equivalem, absolutamente, nem à necessidade dos militares como poder moderador, nem ao prevalecimento da força sobre a lei.

           Isto não é piada: é mentira e distorção.

          12- Por último, porém não por fim, que seria fácil estender esta amostragem, em “Cartas. Nísia Floresta e Auguste Comte” (Editora Mulheres, Florianópolis, 2002), a anotadora, Constância Lima Duarte, expendeu, na página 78, ao referir-se ao conceito positivista de Humanidade, informa que ela “é formada apenas de homens, uma vez que as mulheres são consideradas seres inferiores”.

           Ora, a definição de Augusto Comte, da Humanidade é a de  “conjunto contínuo dos seres convergentes”, sem distinção entre homens e mulheres e sem a exclusão destas, definição que se encontra mais desenvolvida no Catecismo Positivista, como o “conjunto dos seres humanos, passados, futuros e presentes”, sem distinção entre homens e mulheres e sem a exclusão destas, que, ao contrário, reputa o “representante mais perfeito” da Humanidade (Catecismo, edição do Apostolado Positivista do Brasil, pg. 120), a representar-se, plasticamente, por uma mulher de trinta anos, com o seu filho aos braços (idem, pg. 145).

            Talvez a anotadora esteja acostumada com certos discursos presidenciais em que se distinguem “brasileiros e brasileiras”, ou com certos livros em inglês, em que se emprega a fórmula “she/he”, para evidenciar-se que o autor refere-se aos homens e às mulheres também, inovação norte-americana própria de tempos recentes e que inexistia na França de Comte, em cujas obras inexiste a exclusividade masculina que se lhe imputa.

          Isto não é piada: é ignorância, muita, e cretinice, muita. Por esta e por outras, aconselho à Editora Mulheres que recolha urgentemente a tiragem do livro em causa, que a destrua e que o republique, sem as suas péssimas introdução e notas.

          Conclusões científicas, ou seja, fundamentadas na observação dos fatos: para, no Brasil, escrever-se acerca do Positivismo e de Augusto Comte, basta uma de duas condições, de fácil compreensão e pronto atendimento:

 1-ª   desconhecer-se um e outro, que estudá-los, a sério, é muito trabalhoso,  ou

 2ª-  conhecê-los porcamente, que mais não é preciso.

          Atendida qualquer uma destas exigências,   ambas  ao alcance de todo indivíduo, notadamente dos que se dedicam à vida intelectual, a pessoa achar-se-á inteiramente capacitada para deitar falação em aulas e para publicar livros, artigos, notas, introduções, prefácios, cursos, ensaios e mais textos que enriquecerão o cabedal brasileiro de lixo impresso.

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Uma resposta para Porrada nos criticadores do Positivismo de Augusto Comte.

  1. Iara Teixeira De Queiroz disse:

    Eu, leiga e curiosa… sinceramente surpresa com tudo isso. Complicado se debruçar e aprofundar por diversos motivos, um deles é tempo. Não poder acreditar no que lemos, não é novidade. Mas, aos que defendem algo, costuma-se dar uma credibilidade porque acreditamos que estes se debruçaram a estudar, perquisar e esmiuçar para tirar suas conclusões.
    O caso então, não é o que se lê, mas como se interpreta>

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