Estado laico, Positivismo e reacionarismo

ESTADO LAICO

Maio de 2008

                     Estado laico ou aconfessional  significa o Estado indiferente  aos cultos quaisquer:  ele não adota nenhuma religião, não oficializa nenhuma, não impõe nenhuma, no seu dogma, no seu culto e nas suas práticas; não discrimina nem proíbe nenhuma religião. Ele ocupa-se da administração das coisas e não interfere em questões de consciência, que pertencem à privacidade do indivíduo.

                                Ele é diferente do Estado ateu, que adota uma atitude em face das religiões, a de proibi-las, ou seja, ele torna ilegais as manifestações religiosas e interfere na liberdade de consciência das pessoas.
                               Estado confessional é o que adota uma atitude em face das religiões, a de impor uma delas, que oficializa: ele adota-a como credo oficial a que as pessoas estão obrigadas e que serve de critério de qualificação legal delas. Assim, os seus adeptos desfrutam da vida civil na sua plenitude, ao passo que os que não a professam sofrem limitações nos seus direitos civis e políticos.

                   No Brasil, o Estado tornou-se laico em 1890, graças à proclamação da república: enquanto a monarquia adotava oficialmente o catolicismo, como credo obrigatório e discriminava abertamente os acatólicos,  a república desligou-se do catolicismo sem adotar nenhuma religião como credo oficial, ou seja, o Estado passou a ser laico, sendo-lhe proibido (pela constituição)  beneficiar e  prejudicar qualquer confissão religiosa: tornou-se-lhes indiferente e passou a zelar exclusivamente pela administração material do país e não mais também pelo estado da consciência das pessoas. Tratou-se de um avanço no sentido da liberdade de pensamento, que resultou diretamente da influência do  Positivismo.

               Positivismo é a doutrina que o francês Augusto Comte (1798-1857) concebeu e cujos princípios fundamentais são estes:

a) o entendimento, em filosofia,  de que o mundo funciona segundo leis naturais que lhe são inerentes, e não segundo a intervenção de seres sobrenaturais (Deus) nem de energias, espíritos ou forças igualmente sobrenaturais,

b) o entendimento, em religião, de que  há um ser supremo, superior a cada um de nós, a Humanidade, conjunto dos seres humanos de todos os tempos,

c) o entendimento, em moral,  de que o altruísmo, vale dizer, a bondade sob todas as suas formas é preferível ao egoísmo sob qualquer das suas expressões,

d) o entendimento, em política, de que o Governo deve limitar-se a atuar sobre as coisas, e jamais sobre os pensamentos, ou seja, deve ocupar-se da administração da vida material de cada coletividade, sem interferir no que se relacione com as convicções das pessoas: não deve o Estado impor  nenhuma religião, tampouco os atos de culto correspondentes; em suma, o Estado deve ser laico, neutro em matéria de religião. O seu lema é “Ordem e Progresso”.

              O Positivismo é republicano: sê-lo significa optar por um regime político em que não há rei nem imperador, nem nobreza, nem privilégios decorrentes do nascimento da pessoa em certa família; significa adotar um regime político em que todos os esforços do governo visam ao bem-estar da coletividade, mediante a atividade pacífica, ou seja, extreme de qualquer violência.

                  Ser positivista equivale, ainda, a preferir-se uma república laica, ou seja, um Estado neutro em matéria de religião, que não oficializa nenhuma, não ensina nenhuma, não proíbe nenhuma, não prestigia nenhuma, não impede  os atos de culto de nenhuma nem os promove, sob forma de feriados oficiais, comemorações públicas, missas encomendadas etc..

            De marcante presença em vários países do mundo, inclusivamente no Brasil, em que influenciou o ensino, a literatura e a política, também graças à influência do Positivismo, o Brasil deixou de ser uma monarquia confessional, em que havia uma religião oficial (a católica) e converteu-se em uma república leiga; mercê diretamente desta influência, instaurou-se a separação entre o governo e a religião, com as  conseqüências da liberdade de consciência e  da laicidade do Estado; mercê desta influência, desde 1890 até 1931, os feriados nacionais brasileiros correspondiam a 1º de janeiro (comemoração da fraternidade universal), a 21 de abril, a 3 de maio (dia ao qual, então, se atribuía o descobrimento do Brasil), a 13 de maio (pela fraternidade dos brasileiros), a 14 de julho (em comemoração da República, da Liberdade e do povos americanos), a 7 de setembro, a 12 de outubro (descobrimento da América), a 2 de novembro (dia dos mortos) e a 15 de novembro.

              Cuidavam-se de datas cívicas, históricas, de fraternidade, e uma de natureza moral,  sem nenhuma de conotação religiosa: respeitava-se a neutralidade religiosa do Estado e celebravam-se efemérides da história pátria ou mundial, e  uma da vida social que, direta ou indiretamente, todos os brasileiros achavam-se capazes de celebrar, fora de qualquer favoritismo religioso.

                   Há, por outro lado, favoritismo religioso em relação ao catolicismo na adoção, como feriados nacionais, das datas do Natal, da Páscoa e do Corpo de Deus. Eles devem ser eliminados, o que até hoje não aconteceu, muito menos por devoção da suposta maioria católica dos brasileiros, do que pelo apego à folga que eles propiciam nos dias de trabalho.

                       Para o Positivismo, a laicidade do Estado encarna um princípio cardeal que deve reger os governos, pelo qual se assegura a liberdade de consciência, que caracteriza o regime republicano. República, no Positivismo, equivale a Estado laico, particular em que, como em outros vários aspectos, o Positivismo acha-se em antagonismo frontal e irrenconciliável com o chamado reacionarismo, corrente de pensamento de origem religiosa, especificamente católico-romana, que pretende que o Estado se torne confessional, ou seja, adote um religião, a católico apostólico romana, e que, contra a liberdade de pensamento e de religião, pretende impor o catolicismo romano à sociedade, em uma tentativa de medievalização da modernidade e de anulação da laicização, fenômeno pelo qual nas sociedades modernas a presença da teologia é cada vez menor.

            São expressões notáveis do pensamento reacionário a Opus Dei, de âmbito mundial, e a TFP, de âmbito nacional: representam elas, como doutrina e projeto de sociedade, o oposto ao que aspira o Positivismo, portador de ideais de liberdade espiritual, de laicidade, de humanismo.
                 Recomendo “A república positivista”, da minha autoria; “A sociologia de Augusto Comte”, de J. Lacroix e “A desinformação anti-positivista no Brasil”, da minha autoria, também;adquiríveis por www.estantevirtual.com.br .

    

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Uma resposta para Estado laico, Positivismo e reacionarismo

  1. João disse:

    Pois então, meu caro, os feriados católicos permanecem, e até mesmo no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil podemos ler que quem a protege é "Deus". Quanto tempo ainda vamos suportar a "Sombra deste Forasteiro"?

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