Antonio Botto
Arthur Virmond de Lacerda Neto.
17.I.2014.
Antonio Tomás Botto nasceu em Abrantes (Portugal), em 1897 e morreu na cidae do Rio de Janeiro, em 1959. Em 1908, mudou-se, acompanhando a sua família, para Lisboa, onde trabalhou em livrarias, o que lhe permitiu conviver com personalidades da vida literária portuguesa.
Também trabalhou como funcionário público (escriturário), de que foi demitido em 1942, pelas increpações seguintes:
“a) ter desacatado uma ordem verbal de transferência dada pelo primeiro oficial investido ao tempo em funções de director, por impedimento do efectivo;
- b) não manter na repartição a devida compostura e aprumo, dirigindo galanteios e frases de sentido equívoco a um seu colega, denunciando tendências condenadas pela moral social;
- c) fazer versos e recitá-los durante as horas regulamentares do funcionamento da repartição, prejudicando assim não só o rendimento dos serviços mas a sua própria disciplina interna.”
De então por diante, subsistiu mediante a colaboração como articulista, colunista e crítico literário em gazetas e revistas, dentre as quais a Contemporânea e a Revista Municipal. Para lá de extensa produção poética, publicou “Os Contos de António Botto” e “O Livro das Crianças“, exitosa coleção de contos para crianças (que seria oficialmente aprovada como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book).
Padecia de sífilis, que se agravou para o grau terciário e que ele recusava-se a tratar, ao mesmo tempo em que o seu prestígio literário esmorecia. Porque notoriamente homossexual, tornou-se objeto de troças que se dizia ao adentrar livrarias, cafés e teatros.
Emigrou para o Brasil em 1947, para esquivar-se aos maus tratos homofóbicos de que era objeto. Angariou fundos para a viagem mediante recitais de poesia, de êxito de público e de crítica (elogiaram-no, dentre outros, Aquilino Ribeiro, expoente da alta cultura portuguesa e que jaz no Panteão Nacional de Portugal).
Viveu em São Paulo em 1951, ano em que migrou para o Rio de Janeiro. No Brasil, sustentava-se graças à colaboração em gazetas brasileiras e portuguesas, em programas de rádio e por meio de récitas de poesia.
Morreu atropelado em 1959, já reduzido à miséria; deixou viúva. Em 1966 os seus restos foram trasladados para Lisboa; em 1989 o seu espólio foi doado à Biblioteca Nacional de Portugal.
Em 2012, estreou a curta-metragem “O Segredo Segundo António Botto” em que se sugere relação amorosa entre António Botto e Fernando Pessoa.
Notabilizou-se pelo livro de poesia intitulado Canções, de fundo abertamente homoafetivo e que suscitou a hostilidade dos meios católicos da altura. O conjunto da sua obra poética exprime, de modo assinalável, a sua homoafetividade e representa, provavelmente, “o mais distinto conjunto de poesia homoerótica da língua portuguesa”.
Antonio Botto foi conversador brilhante e inteligente, malgrado dicaz; sabia ser amigo, bem assim maligno com quem lhe fosse desafeto, o que lhe custou variadas inimizades.
Freqüentava os bairros boémios de Lisboa e as suas docas marítimas, em que desfrutava da companhia dos marujos.
A publicação das suas Canções originou o escândalo designado de Literatura de Sodoma: Fernando Pessoa publicou-lhe uma recensão, na revista Contemporânea, de julho de 1922 (“Antonio Botto e o Ideal Estético em Portugal”), a que se seguiu a publicação de Sodoma Divinizada, de Raul Leal. No ano seguinte, Judite Teixeira publicou os seus livros de poemas, de temática também lésbica.
Os meios conservadores reagiram com hostilidade: a Federação Acadêmica de Lisboa, representada por Pedro Teotônio Pereira denunciou, em gazeta, em fevereiro de 1923, a “vergonhosíssima desmoralização, que sob os mais repugnantes aspectos, alastra constantemente”. Em março, as edições de Canções, de Sodoma Divinizada e de Decadência foram apreendidas e queimadas por ordem do governador civil de Lisboa.
Raul Leal volta à polémica, por meio do panfleto Uma Lição de Moral aos Estudantes de Lisboa e o Descaramento da Igreja Católica. Foi espancado, após o que se absteve de colaborar na imprensa.
Da poesia de António Botto, disse Fernando Pessoa, no prefácio do seu livro Motivos de Beleza (1923):
“A elegância espontânea do seu pensamento, a dolência latente de sua emoção asseguram-lhe facilmente, conjugando-se, a mestria nesta espécie de lirismo […] Distingue-se pela simplicidade perversa e pela preocupação estética destituída de preocupações. Foge da complicação com o mesmo ardor com que se esconde da intenção directa. É em verdade singular que se seja simples para dizer exactamente outra coisa, e se vá buscar as palavras mais naturais para por meio delas ter entendimentos secretos.
Certo é que o que António Botto escreve, em verso ou em prosa, há que ser lido sempre com a intenção posta em o que não está lá escrito.”
Antonio Botto publicou os seguintes livros poéticos: Trovas (1917), Cantigas de Saudade (1918), Cantares (1919), Canções do Sul (1920), Canções (várias edições, revistas e acrescentadas pelo autor, entre 1921 e 1932), Motivos de Beleza (1923), Curiosidades Estéticas (1924), Pequenas Esculturas (1925), Olimpíadas (1927), Dandismo (1928), Ciúme (1934), Baionetas da Morte (1936), A Vida Que te Dei (1938), Sonetos (1938), O Livro do Povo (1944), Ódio e Amor (1947), Fátima – Poema do Mundo (1955), Ainda Não se Escreveu (1959).
Como livros de ficção, produziu: António (1933), Isto Sucedeu Assim (1940), Os Contos de António Botto (1942; literatura infantil), Ele Que Diga Se Eu Minto (1945).
Redigiu, em 1933, a peça dramatúrgica Alfama.
A câmara municipal de Abrantes concede o Prêmio Antonio Botto a autores de literatura infantil, em que se galardoaram Antonio Mota (em 1996), Manuel Alegre (em 1997); Maria de Lourdes Tavares Soares e Manuela Bacelar (em 1998).
Malgrado o conservadorismo de costumes existente em vida de Antonio Botto, as mentalidades evoluiram em Portugal, que se tornou dos países pioneiros em matéria de liberdade de costumes, ao instituir o casamente homoafetivo, em 2010.
Em jeito de amostra, eis dois poemas de Canções:
(Primeiro)
Foi n’uma tarde de Julho.
Conversávamos a mêdo,
—Receios de trahir
Um tristissimo segrêdo.
Sim, duvidávamos ambos:
Elle não sabia bem
Que o amava loucamente
Como nunca amei ninguem.
E eu não acreditava
Que era por mim que o seu olhar
De lagrimas se toldava…
Mas, a duvida perdeu-se;
Fallou alto o coração!
—E as nossas taças
Foram erguidas
Com infinita perturbação!
Os nossos braços
Formaram laços.
E, aos beijos, ébrios, tombámos;
—Cheios d’amôr e de vinho!
(Uma suplica soáva:)
«Agora… morre commigo,
Meu amôr, meu amôr… devagarinho!…»
(Segundo)
Anda, vem… ¿por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
¿Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha,-rosa de lume!
Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n’um beijo.
Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne,-meu amôr!
E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
—Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado…
Anda, vem… dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;
Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!