Tu e vós: riquezas de nosso idioma.

Pronomes.

OPORTUNA ENSINANÇA PELO USO DE:

“TU e VÓS

Há quem diga que não se deve ensinar ao aluno o emprego de TU e VÓS porque este desapareceu por completo do falar dos brasileiros e aquele usa-se em regiões geográficas delimitadas do território brasileiro, onde aliás é empregado com as formas verbais de VOCÊ: “tu sabe” por “tu sabes”. Argumentam contra o ensino de tais pronomes que o quadro pronominal do português brasileiro mudou e que ensinar TU e VÓS aos alunos é ensinar-lhes coisa inútil. É verdade que o quadro pronominal do português brasileiro mudou, isso é inegável. O que era assim:

eu
tu
ele/ela
nós
vós
eles/elas

Ficou assim, gostemos ou não:

eu
você ou tu
ele/ela
nós ou a gente
vocês
eles/elas

Essa mudança fez que o português do Brasil se tornasse uma língua que requer hoje muito mais o emprego do sujeito, uma vez que a terminação verbal já não é suficiente para deixar claro quem é o sujeito da oração. Outrora se distinguia “anda” de “andas”. Quer dizer, não havia necessidade de explicitar o sujeito.

Hoje, porém, ficou tudo igual: ANDA

“Ele anda, tu anda, você anda, a gente anda, etc.”

De modo que se sabe quem ANDA não pela terminação do verbo mas sim pelo sujeito que se lhe dá na oração. É por isso que se diz que o português, que outrora era uma língua mais morfológica, está tornando-se uma língua mais sintática, aproximando-se assim do inglês e do francês, por exemplo. Só a morfologia já não nos basta.

Isto posto, dizer que ensinar o emprego TU e VÓS é inútil é cair no utilitarismo; é achar que as pessoas devem estudar a língua portuguesa com fins meramente utilitaristas ou como um meio de ingressar no mercado de trabalho. Curiosamente esse discurso é adotado por engajados, que juram lutar contra o capitalismo, contra a coisificação do ser humano, etc. Há vários motivos não utilitaristas que justificam o aprendizado do TU e do VÓS. Dou-lhes pelo menos cinco:

1. Para conhecer a língua portuguesa e seus estágios evolutivos;
2. Para ler direito os nossos textos clássicos, todos escritos com TU e VÓS;
3. Para ler as traduções de textos clássicos, como a Bíblia, A Ilíada, A Odisseia, A Divina Comédia, etc., que só ficam bem traduzidos se forem usados neles o TU e o VÓS;
4. Para estudar outras línguas em que se usa normalmente o TU e o VÓS: o latim, o espanhol e o francês, por exemplo;
5. Para saber escrever com TU e VÓS; não quer dizer que devamos sair escrevendo textos com TU e VÓS: quer dizer que temos de ter a capacidade de escrever textos com TU e VÓS.

Não obstante esses cinco argumentos favoráveis ao aprendizado de TU e VÓS, ninguém deveria aprender TU e VÓS com alguma finalidade exterior. Devemos aprender TU e VÓS porque devemos aprender TU e VÓS, isto é, aprendê-los como um fim em si mesmos e não para algum fim exterior.

Quem estudou o Trivium conhece o exemplo da rosa e do carpinteiro:

“O carpinteiro aplaina a madeira.”
“A rosa floresce.”

No primeiro caso, a ação começa no agente (“o carpinteiro”) e passa para o objeto direto (“a madeira”); no segundo, a ação começa no agente (“a rosa”) e termina no agente (“a rosa”). Quer dizer, na primeira frase, a ação é praticada pelo agente, mas não tem como fim o agente; na segunda, a ação começa no agente e o seu fim é o próprio agente: a rosa floresce para si mesma. E, ao florescer para si mesma, embeleza o mundo. Eis aí uma bela metáfora sobre o aprendizado utilitário e sobre o aprendizado como um fim em si mesmo. Agora eu pergunto: por que devemos aprender TU e VÓS se não os usaremos na escola, nem na universidade nem no trabalho? E respondo: porque estudamos para florescer e não para aplainar madeira.

O emprego correto de TU e VÓS

Já sabemos que o TU desapareceu da fala da maioria dos brasileiros, sendo usado numa ou noutra região do país. Mesmo onde se emprega correntemente o TU, não se faz com as formas verbais que, em tese, lhe correspondem:

“Tu sabe”, em vez de “Tu sabes”.

Se o TU desapareceu da fala geral brasileira, o TE continua a ser muito usado, relacionado com VOCÊ:

“Rose, eu te amo. Estou te dizendo a verdade. Você sabe.”

Obedecendo à forma normativa de falar e escrever, essa construção fica assim:

“Rose, eu te amo. Estou-te dizendo a verdade. Tu (o) sabes.”

ou

“Rose, eu a amo. Estou-lhe dizendo a verdade. Você (o) sabe.”

O LHE é um pronome da terceira pessoa. Com o emprego do pronome de tratamento VOCÊ para a segunda pessoa do discurso, o LHE refere-se também à segunda pessoa do discurso. A frase:

“Eu lhe disse.”

Pode significar:

“Eu disse a ele.” (terceira pessoa)
“Eu disse a ti/a você.” (segunda pessoa)

“Encontrei o Paulo e lhe [a ele] disse que vou à sua casa amanhã.”
“Paulo, eu lhe disse (a ti/a você) que vou à sua casa amanhã.”

O LHE só se relaciona com pronomes da terceira pessoa: você, ele, ela, seu, sua, si, consigo, etc. Mas pode, como se disse, referir-se à segunda pessoa.

O TE só se relaciona com pronomes da segunda pessoa: tu, te, tua, ti, contigo, etc. E sempre se refere à segunda pessoa.

Exemplos:

Terceira pessoa com LHE:

Encontrei o Paulo e disse-LHE que vou à SUA casa amanhã. ELE SABE que ando muito ocupado com o trabalho e com a faculdade, razão por que não pude ir à SUA casa ontem assistir à partida de futebol COM ELE e com a SUA família. Aliás, DISSE-LHE que avisasse os SEUS filhos que estou com saudade deles. Ontem O VI no supermercado carregando o Pedro CONSIGO, mas, como não havia lugar onde estacionar o meu carro, nem O chamei. Perguntei-LHE depois se estava tudo bem com a SUA esposa, a ANA. Ele me disse que sim. Eu DISSE-LHE: Quando (VOCÊ) PUDER, LIGUE-ME (VOCÊ). Dei-LHE um forte abraço e mandei outro aos SEUS.

Segunda pessoa com LHE:

“Paulo, eu disse-LHE que vou à SUA casa amanhã. VOCÊ SABE que ando muito ocupado com o trabalho e com a faculdade, razão por que não pude ir à SUA casa ontem assistir à partida de futebol COM VOCÊ e com a SUA família. Aliás, DIGA (VOCÊ) aos SEUS filhos que estou com saudade deles. Ontem O VI no supermercado carregando o Pedro CONSIGO, mas, como não havia lugar onde estacionar o meu carro, nem O chamei. Está tudo bem com a SUA esposa, a ANA? Espero que sim. Quando (VOCÊ) PUDER, LIGUE-ME (VOCÊ). Forte abraço a VOCÊ e aos SEUS.

Segunda pessoa com TU:

“Paulo, eu disse-TE que vou à TUA casa amanhã. TU SABES que ando muito ocupado com o trabalho e com a faculdade, razão por que não pude ir à TUA casa ontem assistir à partida de futebol CONTIGO e com a TUA família. Aliás, DIZ(E) (TU) aos TEUS filhos que estou com saudade deles. Ontem TE vi no supermercado carregando o Pedro CONTIGO, mas, como não havia lugar onde estacionar o meu carro, nem TE chamei. Está tudo bem com a TUA esposa, a ANA? Espero que sim. Quando (TU) PUDERES, LIGA-ME (TU). Forte abraço a TI e aos TEUS.

Segunda pessoa do plural com VÓS, que caiu em completo desuso entre os brasileiros:

“Paulo e Ana, eu disse-VOS que vou à VOSSA casa amanhã. VÓS SABEIS que ando muito ocupado com o trabalho e com a faculdade, razão por que não pude ir à VOSSA casa ontem assistir à partida de futebol CONVOSCO e com os VOSSOS filhos. Aliás, DIZEI (VÓS) aos VOSSOS filhos que estou com saudade deles. Ontem VOS vi no supermercado carregando o Pedro CONVOSCO, mas, como não havia lugar onde estacionar o meu carro, nem VOS chamei. Tudo bem com a VOSSA filha, a Marta? Espero que sim. Quando (VÓS) PUDERDES, LIGAI-ME (VÓS). Forte abraço a VÓS e aos VOSSOS.

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Note-se que, em linguagem cuidada, os pronomes e as formas verbais devem todos corresponder à forma com que se inicia o texto. Não se deve misturar as formas de TU com as de VOCÊ.”

Fonte: A Língua de Napoleão Mendes de Almeida, página do Facebook.

 

Dizer que não se deve ensinar, que é inútil ensinar o tu e o vós porque ninguém os usa é paradoxal: ensine, que os usarão. Certamente não os usarão se não os houverem aprendido. Enquanto não os ensinam, a capacidade de expressão das pessoas se empobrece e a de compreensão de textos e dos portugueses se limita. Contudo, ocasionalmente noto que no Facebook alguns usam o vós (ainda que não saibam conjugar nesta pessoa): possivelmente são brasileiros que regressaram de Portugal, onde aprenderam a usar o tu e o vós.

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