A chatice de “Tudo bem ?”.

Entre brasileiros tornou-se mesmice saudar pela interjeição “olá” anteposta à indagação “tudo bem?”.

Décadas atrás perguntava-se se estava tudo bem com amigos, conhecidos, parentes que encontrávamos; era indagação sincera e originava diálogo com algum grau de intimidade, em que um dos interlocutores dizia de sua vida pessoal, de seus problemas, de sua família. Com o tempo, à custa de repetir-se infindáveis vezes, tornou-se chavão convencional (já o era nos anos 1980), que se enuncia mecânica e insinceramente: quem pergunta “Tudo bem? ” não se interessa por saber se está tudo bem ou não com o interlocutor, de quem não espera resposta sincera, aliás, não espera nenhuma; quem a ouve não precisa de responder lhanamente; fá-lo com a repetição da pergunta (a), do pronome apenas (b), da fórmula, afirmativamente (c), ou não responde (d):

a)

— Tudo bem?

— Tudo bem ?

b)

— Tudo bem?

— Tudo.

c)

— Tudo bem ?

— Tudo bem.

d)

— Tudo bem ?

[O interlocutor entra no assunto que interessa].

Que sentido faz perguntar “Tudo bem ?”, nestas condições ? Nenhum. É bordão puramente convencional há já quarenta anos.

Pergunta que é, supõe-se-lhe resposta; não faz sentido pergunta cuja resposta verdadeira muitas vezes não se tenciona receber nem propiciar, até porque entre interrogador e interrogado nem sempre há liberdade ou intimidade para respostas pessoais, o que torna a pergunta porventura indiscreta. Reservemo-la para uso sincero, em que veramente desejamos saber se com o interlocutor está tudo bem, em que tal indagação exprima simpatia, fraternidade, empatia, amizade, por nos importarmos com seu bem-estar, e represente abertura para resposta sincera, consoante o momento, o local, os circunstantes, o grau de intimidade entre ambos, em lugar de representar fórmula pretendidamente simpática, porém meramente protocolar, pergunta para a qual não se deseja resposta sincera.

Sintoma do caráter amiúde puramente retórico desta pergunta é muitos julgarem que “é chato quando você pergunta se está tudo bem e a pessoa conta-lhe seus problemas”, porém a resposta, aí, é sincera e corresponde à interrogação; esta constitui frase vazia. A resposta, aí, é chata porque a interrogação, aí, é hipócrita. Chato é ouvir o chavão:

— Oi, tudo bem ?, e responder-lhe com o chavão igualmente besta:

— Tudo.

Conhecido meu cumprimenta assim: “Boa tarde, fulano; tudo, tudo… Estou lhe telefonando para [etc.]”: ele antecipa-se ao “Tudo bem ?”, cuja resposta (“Está tudo bem”) também antecipa, abreviadamente, o que inibe o interlocutor de expender a pergunta. De certeza, fartou-se de responder o mesmo incontáveis vezes.

Em dado restaurante, a caixeira enuncia para cada comensal dezenas de vezes por dia e centenas por semana: “Oi, tudo bem ?” ; em outros ambientes, o cumprimento é tão convencional que certos donos de lojas ou restaurantes dizem “Oi, tudo bem ?” para a mesma pessoa mais de uma vez em momentos diferentes.

Obviamente eles não se interessa pela situação pessoal de cada interlocutor nem dispõe de tempo para ouvir-lhes respostas, pois sua tarefa é a de atender aos comensais prestamente em lugar de deter-se com o que cada um porventura tenha para lhe responder.

Chega da chatice frívola de indagar-se “Tudo bem?” apenas protocolarmente.

A indagação pode apresentar variantes: “Como vai ?”, “Passou bem ?”, “Tudo em cima ?”, “Tudo nos conformes ?”, “A [sua] família vai bem ?”. Em qualquer delas, interrogação sincera pretende e autoriza resposta sincera; formulação protocolar resulta em resposta protocolar (sempre positiva); majoritariamente a indagação e a resposta são protocolares e insinceras.

Qualquer que seja a forma da pergunta, enunciemo-la sinceramente, animados de vero espírito de amizade, simpatia, fraternidade; evitemo-la como enunciação mecânica e vazia, não falsifiquemos o espírito cordial, acolhedor, simpático, do brasileiro com fórmulas meramente exteriores, proferidas da boca para fora: pergunte se está “tudo bem ?” se quiser ouvir resposta sincera; senão, não.

— Mas sem o “Tudo bem ?” não fica seco ?

— Com ele pode ficar falso. Prefere ser fingido e aparentar simpatia que não tem ?

— E se eu gosto da pessoa e quero saber se ela está bem ?

— Neste caso, pergunte para ouvir resposta sincera; senão, não.

A anteposição de “Olá” ao “tudo bem?” implica dois cumprimentos, ambos informais. Basta um. Certos apresentadores (da rede Globo, da Globo News e de outros noticiários e programas) querem ser simpáticos, engraçadinhos, e dizem: “Olá, boa noite para você”. Se eles se dirigem a quem os ouve e a quem cumprimentam, obviamente a saudação é “para você”; não seria “Olá, boa noite para você diferente de quem me vê e ouve”. Isto é prolixidade e até infantilidade; é defeito de comunicação e ruído em que os comunicadores deveriam tomar tento.

“Bons-dias”, “Boas-tardes”, “Boas-noites” são afirmações usáveis em qualquer contexto, entre quaisquer pessoas. Responde-se-lhes com a mesma fórmula, o que marca reciprocidade e bons modos, sem a pergunta nem a resposta vazias de “Tudo bem?”.

Em português castiço, empregamo-las no plural (bons-dias, boas-tardes, boas-noites), conquanto cada dia seja único. Em francês usa-se no singular: bom-dia, boa-tarde, boa-noite, pelo que enunciar assim constitui galicismo.

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