“Foi mal.”.

 

 

“Foi mal.”.

                                               Arthur Virmond de Lacerda Neto.

9.8.2017.

Na convivência humana, há regras e fórmulas de urbanidade. Constituem regras de urbanidade as sujeições que cumprimos e que exprimem deferência, respeito, consideração, apreço, solidariedade por outrem. Elas exprimem-se por atos (como o de cumprimentar, despedir-se, agradecer, pedir desculpas) e por fórmulas, como “bom dia”, “até mais ver”, “por obséquio”, “não fiz por mal”, “recomendações”, “por favor”, “bem haja” (bem haja é sinônimo de obrigado).

Dentre as regras de urbanidade, uma determina-nos que, a todo ato ou dicção descortês, sigam-se pedidos de desculpas, comunicados por locuções como “queira desculpar-me”, “peço desculpas”, “desculpe-me” (“desculpa”, se o locutor tutear o interlocutor.).

O pedido de desculpas contém, implicitamente, o reconhecimento do erro que se cometeu; provavelmente exprime arrependimento e, certamente, destina-se a corrigir, moralmente, o mal feito. Quem pede desculpas espera que o pedido lhe seja aceitado e a culpa do mal, elidida.

Diferente de pedirem-se desculpas é a locução trivial entre jovens “Foi mal”: por ela, o ofensor limita-se a enunciar estado de coisas e sobre ele ajuizar. Ajuiza que a sua ação, omissão ou dicção foi indesejável, ofensiva, esquerda, e limita-se a tal juizo.

Reconhecer o caráter negativo da própria ação, perante o agravado não implica, explicita nem implicitamente, pedido de desculpas. Quem diz “foi mal”, confessa que procedeu indesejavelmente, porém não chega a desagravar o agravado. Tal fórmula contém auto-crítica e juízo acerca do próprio comportamento, contudo não se destina, também, a remediar o desazo.

Quem pede desculpas, constata fato, exerce auto-crítica, julga o próprio comportamento,  procura remediar o mal feito. Quem diz “foi mal” constata fato, exerce auto-crítica, julga o próprio comportamento e aí se detém: falta-lhe transcender a própria pessoa, sair do seu solipsismo e tentar desfazer a ofensa, perante o próprio ofendido.

Por isto, ao enunciar-se que “foi mal”, deve-se completar a averiguação com o que lhe é imprescindível, se se tratar de pessoa bem formada axiologicamente: deve-se pedir desculpas. Proferir “foi mal” não equivale a pedido de desculpas.

Não se alegue, em prol da locução “foi mal”, que ela contém, tacitamente, pedido de desculpas, que a intenção do seu autor é a de pedir desculpas, que no código lingüístico dos seus usuários ela equivale a desculpas, que o significado transcende o significante, que ela significa mais do que exprime; que, para mais do texto, o idioma se constitui com o contexto. Tudo isto são exegeses bastante criativas, apesar das quais as fórmulas explícitas de desculpas são completas, moral e semanticamente; “foi mal” é incompleto no seu valor moral e semântico e, por isto, inferior.

Mal vão os nossos costumes, se a mera constatação já basta para ofensor e ofendido, se ela coexiste (em uns) com o pedido de desculpas (praticado por outros) ou mesmo se se lhe substitui de todo: vale como sintoma de retrocesso no senso de gentileza e como avanço do egocentrismo, avanço e retrocesso que não se limitam ao aspecto semântico das fórmulas respectivas, porém que servem como medidores do estado das mentalidades. Eles indicam, no mínimo, afrouxamento do valor de convivência expresso pelas fórmulas de desculpas; revelam algum embrutecimento nas relações humanas.

Entre o bom e o menos bom; entre mais gentileza e respeito, e menos; entre o incompleto e o completo, diga, se quiser, “foi mal”: a seguir, peça desculpas, ou somente peça desculpas.

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