NÃO HÁ LÍNGUA BRASILEIRA.

Não há língua brasileira.

Não há língua brasileira: gramática, léxico e sintaxe coincidem no Brasil e em Portugal. Ressalvados vocábulos indígenas e africanos (no Brasil), regionalismos, gírias e plebeísmos (tudo muito minoritário), o léxico, ingente, é o mesmo no Brasil e em Portugal; adjetivos, substantivos, conjunções, pronomes, preposições, verbos, coincidem. Há diferenças de estilo habituais em um país e outro, que nem de longe bastam para afirmar-se a existência de idioma autônomo no Brasil. Outro idioma é o chinês em relação ao português, o francês perante o alemão e assim por diante, porém não o estilo brasileiro em face do dos portugueses.

O modo como se usa o idioma no Brasil, em relação a Portugal, distingue-se por incorreção freqüente (por ignorância e ou desleixo), pobreza léxica e de recursos, especialmente na fala coloquial, nas classes baixas e entre jovens. Em Portugal até as crianças exprimem-se com rigor gramatical, propriedade e graça, melhor do que incontáveis adultos brasileiros (até das classes instruídas) e do que jovens doutores.

Os vocabulares, são contrastes minoritários; os de estilo constituem variações estéticas do mesmo código expressivo; sotaques e entonações, há-os dissemelhantes entre Brasil e Portugal, assim como os há típicos e distintos no interior de ambos; discrepâncias gráficas, com o Acordo Ortográfico de 1990 ou sem ele, sempre foram mínimas. Nada disso é de tal monta que autorize, com senso de proporções e realismo, asserir-se a independência idiomática do Brasil.

Qualquer brasileiro lê e entende Vieira, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Saramago, Boaventura de Sousa Santos, Miguel Sousa Tavares; qualquer português lê e entende Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado, Olavo de Carvalho. Desde os anos 1980 há fluxo migratório de brasileiros para Portugal, que já lá deles conta cem miríades, atraídos pela reciprocidade de direitos entre ambos países, pela extensão de cidadania a luso-descendentes e pela igualdade idiomática, cuja única dificuldade (para brasilianos) está na rapidez com que falam os portugueses ou, por outra, no ritmo comparativamente lerdo com que falam os brasileiros em cotejo com eles (e com espanhóis, argentinos, uruguaios, paraguaios, mexicanos), o que exige dos primeiros alguns dez ou quinze dias de adaptação auditiva, transposta a qual outras não há.

Claro está que os portugueses mal compreenderiam a gíria juvenil brasileira e os brasileiros mal perceberiam a do jovem português, assim como a gíria do jovem brasileiro de 2021 difere da de seus pais. Nem por isto há dialeto brasileiro desta ou da anterior geração ou idioma brasileiro em contraste com o dos portugueses. Há socioletos, quer dizer, linguajar de certos grupos no interior do mesmo idioma; não é, todavia, no domínio deles que se invoca a pretendida língua brasileira.

O movimento em pró da língua brasileira contém 2 elementos psicológicos:

1) lusofobia, recusa do passado lusobrasileiro, desprezo da origem portuguesa destes país, povo e idioma. Marcar a independência idiomática (como preconiza o funesto panfleto político “Preconceito linguístico”, de Marcos Bagno) representa mais uma expressão doutoral de aversão entranhada em muitos brasileiros desde o período da independência do Brasil, que recrudesceu durante o governo do marechal Floriano Peixoto, que é cultivada nos compêndios escolares brasileiros de orientação marxista e por certa intelectualidade, avezada a inculpar terceiros pelos males de seu país e a isentar os (dirigentes) brasileiros por seus malogros na condução do Brasil, de 1822 a esta parte.

A literatura escolar brasileira insiste na acusação, na depreciação, no vilipêndio de homens, instituições, ações portuguesas, no intervalo de 1500 a 1822, o que somente faz excitar pejo das origens do Brasil e desapreço da herança portuguesa, que o idioma integra. Reivindicar o idioma brasileiro é forma, ainda que oblíqua, de muito brasileiro enjeitar sua origem, de que é envergonhado e de que desdenha.

Nesse domínio, a pretensão à “língua brasileira” integra o quadro mental do anti-portuguesismo presente no etos do brasileiro de senso comum.

2) É forma de coonestar os produtos da sub-instrução em idioma, da incúria na fala, do menoscabo da gramática.

 Toda a gente sabe o quão deficiente é o ensino da língua portuguesa no Brasil; toda a gente sabe o quão pouco o brasileiro lê; toda a gente conhece o funesto aforismo de que se pode falar “de qualquer jeito”, mas “tem de escrever direitinho”.

Tal mentalidade, permissiva, consagra a faculdade de rebaixar o modo como se usa o idioma e de cometerem-se solecismos a título de variantes e de “direitos lingüísticos”.

Tudo isto combinado resulta em diferenças que não exprimem uma qualquer evolução natural do idioma, em presença de quem o conheça a contento, mas implicam-lhe degradação originária de seu conhecimento aquém do desejável pela maioria da povoação e de tratarem-no como desvalor cultural.

Há notas próprias do português no Brasil: vocabulário de matriz africana e indígena, certo estilo de distribuir as palavras nas sentenças, mui menor acervo (do que em Portugal) de vocábulos circulantes, menos rigor gramatical em todas as classes sociais (máxime na oralidade), conhecimento apoucado e minguante de meios vários, incidência crescente de vícios de linguagem.

Há juízos típicos de certa cosmovisão de abundantes brasileiros: os de que as regras gramaticais provêm das classes dominantes e opressoras, de que elas prolongam a opressão do antigo colonizador, de que as variantes são equipolentes à forma culta, de que essa não é melhor nem preferível àquelas, de que a gramática prescritiva deve refusar certos recursos da (herança portuguesa) da língua e preceituá-la tal como ela existe no Brasil, com mudanças, e mudanças até adversas à gramática tradicional, de matriz portuguesa.

No crescente movimento conservador brasileiro, esforçam-se uns tantos de seus integrantes por freqüentar o cânone português e brasileiro e cultivar o idioma, o que tende a (parcialmente) reverter o distanciamento entre linguagem falada e gramática, entre usos coloquial e adloquial. Em tese, melhor do que o vulgo e do que seus oponentes, dominarão a língua portuguesa os olavinhos (ou olavêtas, mal-autointitulados olavettes), alunos, ouvintes e leitores de Olavo de Carvalho que (por mais criticável e criticado que seja nos diversos quadrantes de suas intervenções) acerta em cheio na valorização da língua portuguesa e no combate à equiparação das variantes à forma culta[1].

Em Portugal, professores, faxineiras, estudantes, comerciantes, donas de casa, “titulares” nobiliárquicos, comuns do povo, tudo fala com qualidade, no elevado nível geral de expressão dos portugueses.

Não exageremos as diferenças, de que menos as há entre Curitiba e Lisboa do que entre Porto Alegre e Curitiba ou Salvador. Ninguém se aventura à temeridade de proclamar nenhum pretendido idioma nem dialeto gaúcho nem curitibano nem soteropolitano.

Portugueses e brasileiros entendem-se em seu comum idioma, assinalado por diferenças acessórias, de estilo nacional. A causa pró-idioma brasileiro acentua o acessório, o secundário, o circunstancial, cuja importância exagera, como se o estrutural e duradouro fosse subalterno e não precípuo. Falta-lhe senso de realidade e de proporções.


[1] Quem come quem, de Olavo de Carvalho. (Não sou olavinho).

Esse post foi publicado em Não categorizado. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário