Porque o pessoal jurídico escreve rebuscadamente.

Certo pessoal jurídico emprega estilo inutilmente rebuscado e prolixo; alguns críticos acusam-no de ser esotérico de estudo, no alegado intuito oculto de impedir sua compreensão pelo freguês e pela demais gente, e constituir seu teor matéria reservada aos iniciados (bacharéis em direito). Não creio em segundas intenções nesse estilo; creio antes em defeito profissional.

            No lapso de pouco mais ou menos 1990 a 2010, no Brasil, a maioria dos quadros jurídicos brasileiros (advogados, juízes, desembargadores, promotores, doutrinadores) primaram por sua prosa castigada, artificial, rebuscada, abundante em metáforas desnecessárias (até ridículas), o que é diverso do emprego insubstituível do jargão jurídico. Ainda assim é, conquanto talvez menos do que vinte e trinta anos passados.

            Estilo rebuscado é estilo fastidioso, e o fastio constitui defeito. Para curar-se o escritor do rebuscamento, lerá a prosa de José Ortega y Gasset (no original espanhol preferentemente) e de Norberto Bobbio (se possível em italiano): são modelares na arte da exposição e da concatenação de idéias. Principie por “España invertebrada” (de Ortega); atente-lhe (quanto ao fundo) na lição relativa ao papel do escol como emissor de exemplos e norteie-se pelos prosadores exemplares, pelos expositores exemplares.

            O rebuscamento da prosa jurídica brasileira advém (se acerto em minha hipótese) de total incultura literária dos quadros jurídicos das décadas recentes: gerações de bacharéis, juízes, promotores, advogados, doutrinadores, pós-graduados, jamais leram um só livro do cânone da língua portuguesa: Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Lima Barreto, Raul Pompeia, José de Alencar, Vieira, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco, José Saramago e outros (se tanto leram à força dez livros, no todo, de alguns destes autores, por exigência do vestibular em raras universidades). Com mui raras exceções, jamais leram os clássicos da literatura universal, nem se interessaram por eles, tampouco por aqueles.

            Seu alheamento completo da literatura impede-os de perceberem que seja boa prosa; suas leituras, circunscritas a textos jurídicos, por sua vez já viciados em rebuscamentos, ensina-lhes, pelo exemplo, a reproduzirem prosa ruim como se fora modelar; outra não conhecem nem querem conhecer.

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