Não há língua brasileira.

 Não há língua brasileira. Não há. A sintaxe é a mesma, o léxico é o mesmo; adjetivos, substantivos, verbos, preposições são os mesmos, com algumas diferenças de uso que nem de longe bastam para afirmar-se a existência de outro idioma. Outro idioma é o chinês em relação ao português, o francês perante o alemão e assim por diante.

Entre Portugal e Brasil, de diferente, há algum vocabulário de origem africana e indígena, no Brasil; algum uso coloquial, como também o há em Portugal e em qualquer parte; localismos, gírias efêmeras. São discrepâncias insuladas e não diferenças estruturais, que tornassem irreconhecível o idioma usado em Portugal pelos brasileiros e vice-versa. Qualquer brasileiro lê e entende Saramago; qualquer português lê e entende Machado de Assis. É claro que os portugueses mal compreenderiam a gíria da favela carioca e os brasileiros mal compreenderiam a gíria do jovem português. Porém no meu tempo de estudante também havia certa gíria que meus pais mal compreenderiam;no entanto, ela passou, esqueceu-se, findou, e o idioma persiste.

Há diferenças de modo de usar o idioma, no Brasil e em Portugal, como as há entre estudantes (brasileiros ou portugueses) e a geração de seus avós, como as há entre gente do interior e gente das capitais, como as há entre o carioca do morro e o curitibano tradicional. Trata-se de estilos locais, geracionais e grupais de usar o mesmo idioma e não de idiomas diferentes. Afirmar-se a existência de estilo brasileiro é correto e verdadeiro; é surreal e exorbita de qualquer senso de proporções afirmar-se a de idioma brasileiro.

O movimento pela língua brasileira contém 2 elementos psicológicos: 1) o de lusofobia, a recusa do passado lusobrasileiro, o desprezo pela origem portuguesa destes país, povo e idioma. Marcar a independência idiomática (como preconiza a funesta obra de Marcos Bagno) é apenas a expressão doutoral de uma aversão entranhada em muitos brasileiros de longa data). 2) é a forma de legitimar o produto da ignorância, do desleixo, do desdém pela gramática. Toda a gente sabe o quão deficiente é o ensino no Brasil, do idioma; toda a gente sabe o quão pouco o brasileiro lê; toda a gente conhece o funesto aforismo de que se pode falar “de qualquer jeito”, mas “tem que escrever direitinho”. Esta mentalidade é a da permissividade e consagra o “direito” de rebaixar o uso do idioma. Tudo isto combinado, resulta em diferenças que não exprimem , por assim dizer, a evolução natural do idioma, praticada por quem o conhece minimamente, porém exprimem a degradação resultante do seu desconhecimento e de tratar-se o idioma como desvalor cultural. 

É um grande equívoco ventilar-se de língua brasileira, cujo efeito será o de consagrar mudanças originárias da incultura. 

Certo setor do movimento mental brasileiro está tentando reaver o cânone português e brasileiro, no esforço de reverter o distanciamento entre linguagem falada e gramática, entre uso coloquial e uso literário. Não conheço em pormenor o critério deste setor, porém tenho quase certeza de que ele recusa o conceito de língua brasileira.

Estudei em Portugal (Lisboa) e morei em Braga. Convivi com professores, com faxineiras, estudantes, comerciantes. O idioma é o mesmo. Não exageremos as diferenças. Há mais diferenças de vocabulário entre Porto Alegre e Curitiba e ninguém pratica o exagero de proclamar a existência do idioma gaúcho. Portugueses e brasileiros entendem-se, sim, no seu comum idioma, malgrado diferenças acessórias. O tal movimento pró-brasileiro acentua o acessório, o secundário, como se o principal inexistisse. Falta-lhe senso de realidade.

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