Tradução defeituosa de “Conservadorismo”.

Capa. Cons.Li, com interesse o livro “Conservadorismo”, de M. Oakeshott, publicado pela  Âyiné, traduzido por André Bezamat. Li-o com desprazer, devido aos defeitos da tradução, de vários tipos e recorrentes, afora algumas gralhas, de que revisão a sério teria expurgado o texto, obscuro em vários lugares, seja por sê-lo o original, seja porque o tradutor o compreendeu mal e, portanto, verteu-o mal, seja porque o tradutor é inábil no uso do português. Há inúmeras passagens abstrusas, até incompreensíveis, que custa inteligir.

O tradutor demonstrou limitações: cometeu erros de regência verbal, de sintaxe, usou anglicismos e vulgaridades, incorreu em vícios da coloquialidade.

Sintoma infalível da falta de leitura de bons autores brasileiros e portugueses, é errar, e reiteradamente, as preposições. Quem leu pouco, quem apreendeu mal a sintaxe, não sabe usar as preposições corretas e usa as que lhe vem à imaginação ou que ouviu o vulgo despreparado usar. Foi o caso, mais de vez. Da mesma forma, o uso estapafúrdio da partícula “se” em verbos que não são reflexivos: é erro que só um péssimo conhecedor do idioma comete.

Não usar a mesóclise é sinal de nivelamento por baixo (suspeito de que o tradutor sequer saiba que é mesóclise). A locução “ao fato de” é inglesa, é inglês puro, alheia ao bom vernáculo e, entre nós, prolixa e desnecessária.

Não serve de escusa para os defeitos de tradução alegar-se que:

1- o idioma muda e que a tradução reflete-lhe a mudança e seu estado atual. Em qualquer estado do idioma, há certo e errado, como há mudanças para melhor e para pior. Nem toda alteração é louvável, nem toda coloquialidade merece incorporação à literatura do tipo de “Conservadorismo” — ao contrário: é obrigação do tradutor e da editora, se querem primar pela qualidade, evitar vícios, erros, barbarismos, plebeísmos.

2- há idioma brasileiro, distinto do português de Portugal, e que a tradução deu-se conforme o “brasileiro” ou segundo a forma culta do Brasil. O idioma é o mesmo e a gramática também. Ainda que se invoque o pretendido “brasileiro”, há formas e usos inaceitáveis que não representam manifestações “brasileiras” e sim revelam a carência de familiaridade do tradutor com a fina-flor da literatura brasileira, o seu despreparo no uso da forma culta do idioma. Quer me parecer que o tradutor sabe ler em inglês, sabe mal verter para o português, carece de saber melhor o português.

Traduções brasileiras de Otávio Mendes Cajado, Sérgio Milliet, Breno Silveira, Mário Ferreira dos Santos, Nair de Lacerda e outros*(do inglês, do alemão, do francês) são escorreitas, limpas, elegantes, de qualidade. Igualmente as portuguesas.

Infelizmente, esta tradução soma-se ao acervo já considerável de traduções lamentáveis, que infestam o mercado editorial brasileiro, em desserviço ao leitor, que deseduca pelo mau exemplo. É mais um exemplo de que as traduções brasileiras dos últimos quarenta anos, máxime do inglês, são ruins. As portuguesas e espanholas soem ser melhores.

  • [Transcurei de citar Álvaro Cabral].
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