A língua muda: tolice dos tolos.

Estultice clássica dos brasileiros, quanto ao idioma: a de que ele muda e que, portanto, as inovações ficam justificadas sem mais critério. Isto de que a língua muda é cacoete mental, é vício de pensamento, automatismo que os tolos repetem mecanicamente sem saber o que dizem. O idioma muda, porém há mudanças para pior, frutos da ignorância, da preguiça, da falta de leitura, do ódio da gramática, da sociolingüística.
Se reparo que “Curitiba é a cidade que nasci” é frase absurda porque ninguém nasce cidade, o tolo responde-me que “a língua muda”, em lugar de aprender a função das preposições.


Se observo que “vosso” e “vós” são usáveis, o tolo replica-me que “a língua mudou”, porém não se interessa por aprender essas formas.

Sim, a língua muda para pior quanto mais raso o nível do povo e quanto mais ele acredite, com fé “religiosa” que toda mudança vale porque a língua muda. É petição de princípio, círculo vicioso.


Para mudar a língua para pior basta sabê-la mal, superficialmente, adotar vícios e cacoetes, usá-la mal, arrogantemente epigramar: “A língua muda!” e consagrar os erros, vícios, impropriedades, que o vulgo põe em circulação.

O tolo mudancista (todo mudancista é tolo) não percebe que o idioma antes de tudo é produto da CONSERVAÇÃO, que ele se perpetua porque mantém seus elementos, que é graças a não mudar que ao longo de gerações seus usuários aprendem-no e usam-no.
As mudanças ocorrem lentamente, ao sabor de várias circunstâncias e podem decorrer para melhor e para pior. Os pregoeiros da mudança, no Brasil, enaltecem-na porém jamais encarecem o cultivo do idioma: não insistem em instruir o povo, em incrementar a leitura dos bons autores, em aprender a gramática. Antes de qualquer cretino pretender inovar o idioma, deve tê-lo aprendido e freqüentado a fundo, para deter critério com que avalie a oportunidade e a vantagem da mudança. Quando não, será apenas um tolo cuja petulância, cuja ignorância, só contribuem para deteriorar o que é produto secular de gerações e patrimônio coletivo.

Antes de qualquer pseudo-sábio alegar que a língua muda, deve ter lido atentamente literatura de 300 e mais anos do português para perceber o que é mudar, deve conhecê-lo suficientemente em seus recursos, vocabulário e sintaxe para avaliar da qualidade da mudança. Para tal, é desnecessário ser gramático, porém é imperioso ser instruído no idioma, condição sem a qual o mudancista será mais do mesmo: mais um leviano que repete tolice e a quem falece, de todo, noção do próprio primarismo, seja conselheiro de editoras, seja revisor de textos, seja professor-doutor, seja estudante de Letras, jornalista ou apenas homem inculto que repete esse lugar-comum para justificar a ignorância e a falta de cultivo do idioma própria e alheia, e a outra puerilidade, a do “idioma brasileiro”, que se alimenta do mudancismo. Desconfie de toda afirmação de “independência lingüística”, de toda pretensão a “idioma brasileiro”, a começar pelo panfleto político que é o livro “Preconceito lingüístico” (que confutei neste blogue).

Quando alguém enaltece a mudança, recomenda-a, valoriza-a, pode estar certo de que melhor do que lhe dar ouvidos, é desconfiar do que ele diz, duvidar do valor de sua pregação e ler muito Machado de Assis, muito Aluísio de Azevedo, só ler tradutores brasileiros de até 1980, consultar gramáticas de Napoleão Mendes de Almeida e Domingos Pascoal Cegalla.

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