Idioma achatado.

  Idioma achatado.

                                                                           Arthur Virmond de Lacerda Neto. 29.7.2018.

 

Há muitos anos noto a crescente degradação do idioma, no Brasil. Trinta anos atrás, a minha geração falava mal, porém sabia a flexão de número (singular e plural), os tempos verbais, os pronomes, coisas que já se perderam, em parte.

Piorou muito. Dá vergonha ouvir como certas pessoas falam; dá vergonha a mentalidade de desleixo com o idioma; dá vergonha as pessoas não saberem mais usar corretamente os tempos verbais, os pronomes, os verbos, as palavras, a mesóclise, os pronomes contraídos.

Há simplificações (com a transformação de verbos transitivos indiretos em diretos) que denotam não que “português é difícil” (não, não o é) porém sim que as pessoas não o aprenderam ou, se o aprenderam, usam-no com o menor esforço (critério da preguiça e da mediocridade).

Também não se trata, apenas, de riqueza de vocabulário: está em causa a sintaxe e a construção das frases: cometem-se solecismos inaceitáveis vinte ou trinta anos atrás; a construção frasal é primária. As crianças em Portugal falam melhor do que muitos adultos brasileiros, o que inclui o pessoal acadêmico que, supostamente sendo ou devendo ser letrado, amiúde exprime-se e escreve mal.

Chegamos a tal ponto graças, também, aos teóricos populistas segundo quem toda mudança é bem-vinda e segundo quem a gramática normativa é elitista e anacrônica; também graças aos professores de português que ensinaram aos seus alunos a sobrevalorizar a oralidade e a desdenhar da correção gramatical, como se a eficácia, a destreza, até a beleza da comunicação independesse da forma como se usa o idioma.

O resultado destes ideário e pedagogia é o de o brasileiro haver se tornado em povo relativamente emburrecido, e a incapacidade de incontáveis estudantes de inteligirem textos. O efeito funesto também se nota no pessoal acadêmico, em que mestres, doutores com doutorado e pós-doutores escrevem mal, praticam solecismos, manifestam carência de familiaridade com as formas elevadas de expressão no seu idioma. Escrevem por obrigação de ofício: vezes muitas, é quando revelam o seu despreparo, a sua carência de traquejo com o vernáculo, a ocorrência e até a recorrência dos vícios e defeitos em voga no momento.

Outro resultado consiste na epidemia de cacoetes, vícios e defeitos, como o estúpido vício da duplicidade, com exclusão dos pronomes cabíveis (“Aristóteles redigiu livros; são importantes os do grego”, em lugar de “Aristótoles redigiu livros; são eles importantes” ou “são importantes os seus livros”); o uso de palavras-ônibus (a exemplo do verbo ganhar: “Curitiba ganhou mais um restaurante”); o gerundismo (“Vamos estar escrevendo”); o apagamento da mesóclise (“Poder-se-á”, “Dí-lo-ei”); a supressão do pronome reflexo “se” (“Fulano apaixonou, separou, aposentou” em lugar de “apaixonou-se, separou-se, aposentou-se”); o emprego errado das preposições (“Ligue na central” em lugar de “Ligue para a central”); o desconhecimento da segunda pessoa do plural (“Vós sois”, “Fizestes”); o emprego errôneo dos tempos (“Vai querer ?” em lugar de “Quer ?”; “Aristóteles vai dizer” em lugar de “Aristóteles disse”, vezo corriqueiro no mal estilo acadêmico); a conjugação errada da segunda pessoa do singular (“Tu veio”, “Tu fez”); o primarismo das construções (“Os primeiros dias choveu.” em vez de “Nos primeiros dias choveu.”).

Ainda outro: a má qualidade da maioria das traduções brasileiras, dos últimos cerca de 40 anos. As portuguesas sempre são melhores: em Portugal valoriza-se saber bem o idioma, falá-lo com escorreição, escrever com clareza e propriedade, traduzir com esmero e vernaculidade.

Vide, a propósito, as observações de Otávio Pinheiro, na Folha de São Paulo, de 16.6.2018 (“Nunca se escreveu tanto, tão errado e se interpretou tão mal”) a que acederá por: https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2018/07/nunca-se-escreveu-tanto-tao-errado-e-se-interpretou-tao-mal.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb

 

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