Pudor & pinto.

Pudor & pinto.

                                                           Arthur Virmond de Lacerda Neto. 29.XI.2020.

O corpo é natural e nele não há partes indecentes, nem a nudez é sinônimo de imoralidade, indecência, pecado. Os biquínis e as sungas são trapinhos tão diminutos que não fazem diferença. A diferença está na idéia boba de que a moral exige encobrir partes do corpo. Nas praias de nudismo pratica-se a dissociação entre nudez e indecência e a combinação entre nudez e naturalidade e liberdade.

            A ênfase na nudez como indecência foi instituída no concílio de Trento (séc. XVI), na contra-reforma, em que a igreja católica opôs-se ao protestantismo e elegeu dois inimigos: um, teológico: o luteranismo; outro, de costumes: a nudez. Até então e pelo menos nos 400 anos anteriores, via-se com naturalidade a nudez, inclusivamente em família.

            Depois, a persistente pregação do catolicismo convenceu as populações de que o pinto e as mamas são indecorosas. No Brasil, desde o início trataram de encobrir os índios e até hoje, em vestiários de ginásios, os machos adentram o cubículo do chuveiro de cuecas, que nele trocam e dele se retiram com elas. Parecem seminaristas em conventos.

            A mesma mentalidade pudica originou os tabuísmos para referir o pênis: não sendo decoroso chamá-lo por seu nome próprio (pênis, falo) inventam-se sucedâneos, como “bilau”, “microfone”, “bráulio” e outros, tudo para, em dadas situações, evitar-se proferir pênis ou falo. Nos anos 1950, livros de antropologia empregavam o nome latino “mentula”. Em tabuísmo usa-se “pau” e “cacete”; no século XVII dizia-se “porra”, que hodiernamente designa o esperma. Pinto é coloquial e não é tabuísmo. Criaram-se sucedâneos lingüísticos, metafóricos ou não, para exprimir-se o que não se julga (julgava) decoroso chamar por seu nome.

            Algumas pessoas sentem-se constrangidas ao nomear o falo, titubeiam, ponderam como referir-lhe, como se fossem proferir obscenidade; porventura alguma mulher idosa ou religiosa enrubesce. O pinto é apenas o pinto, como o nariz é apenas o nariz, e tem nome: falo, pênis, marzapo, mangalho (se avultado). Não havemos de ter pejo de nomeá-lo pelo seu nome, porém muitos brasileiros pejam-se de fazê-lo: é a vitória de séculos de inculcação cristã. É desnecessário, inatural e até infantil.

            Em Roma, o deus Priápo (filho de Afrodite e Dionísio) era representado de falo sobredimensionado e ereto, em esculturas que se punham nos jardins residenciais (à vista de mulheres e de crianças). Era deus da fertilidade e da abundância; propiciava o crescimento dos vegetais; era apotropaico: protegia pomares, hortas, searas. Também era marítimo: protegia portos e marinheiros. Poemas priápicos eram os que mencionavam Priápo e priapeus os que referiam o pinto.

            Os gregos da Antigüidade eram nudistas e disputavam as olimpíadas em nudez total. Assim foi até 382, quando o imperador cristão Teodósio proibiu-as.

            Segundo alguns, a nudez é feia, ou seja, há corpos feios, disformes, gordos e sei lá mais o quê. Quem não quer ser visto nu, não se dispa, mas o traje de banho pouco encobre e com ele ou sem ele, a feiúra fica exposta na mesma, assim como a beleza. Seja como for, a ética do nudismo não supõe a beleza dos corpos nem o nudismo se volta à exibição da plástica. Seu enfoque não é estético, mas ético, de normalidade e liberdade.

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