UM OLHAR.
21.8.2017.Estudei no Colégio Medianeira, em Curitiba, de 1974 a 1984. Cerca de 1990 ou mais, visitei-o e à sala em que tirei o terceiro ano do científico e em que aluno loiro percebeu-me e fitou-me com atenção.
Vida de estudante levei no Colégio Medianeira,
em que desfrutei de época prazenteira,
no amor aos estudos, com aplicação.
Era aluno compenetrado, e com satisfação.
Lá aprendi a língua portuguesa-
que amor lhe tenho, a tal beleza !
Ensinou-ma também um padre, Otaviano:
do que lhe aprendi, tudo uso no meu quotidiano:
variedade no vocabulário, exatidão nas conjugações,
escorreição na escrita, esmero nas preposições.
Ao longo de duas décadas, o colégio foi-me o viver:
a aulas assistir, para provas estudar, com colegas conviver.
Suscitou-me, em mim e em condiscípulos incontáveis,
da idade juvenil, lembranças várias e amáveis.
Anos volvidos, já findo o curso, saudades experimentei:
desejoso de lugares rever, lá tornei e por eles deambulei.
Trajava terno verde escuro e gonilha púrpura: ia enfatiotado
de modo formal, ao revés do trajo estudantil, informal e variado.
Demandei o recinto em que cursei, de todos os anos, o derradeiro:
do curso científico, era o terceiro.
Sala ampla, de todas a maior,
que ocupei em ano árduo, quase o pior.
Saudoso de quando ali estudei,
de cenas já pretéritas me recordei.
Na visita de nostalgia, dos alunos, notou-me a presença
um rapaz (ele só), que ali adquiria sabença.
Fitou-me, com olhos arregalados.
Da sala me retirei: ele seguiu-me com passos cadenciados.
Nele reparei: nossos olhares se cruzaram, silentes.
Mais caminhei e ainda nos miramos, persistentes.
Desci a escada, compenetrado:
ele quedou-se e sempre me olhava, estacionado.
Enxergou em mim, talvez, varão a preceito;
seria feliz, talvez, com alguém como eu feito.
Olhares que se cruzaram, não foram quaisquer:
foram os de quem quer;
ao menos, os de quem sentiu atração
e que, embora silentes, exprimiram confissão.
Sentiu ele o que senti eu;
pensou ele o que pensei eu;
atraiu-me ele e atrai-o eu.
Que me faltou, que lhe faltou, que nos faltou ?
Aproximarmo-nos e dizermo-nos: -Fala, cá estou !
Em que falhei, em que falhou, em que falhamos ?
Em que apenas nos olhamos e nada nos falamos !
Oh! lástima… Tornasse àquele momento
e haver-lhe-ia falado: ser-nos-ia ledo contentamento.
Seja varão ou varoa, rapaz ou rapariga,
não perca ocasião: dá-lhe palavra, flor ou cantiga.
Aproveita o momento, exprime-te com habilidade;
não te acanhes: poderás obter felicidade.
Tinha ele madeixas flavas e era, como Adônis, mancebo.
Era eu trintagenário e barbosa, porém não Febo.
Cor dos olhos seus, era verde e brilhante;
imagem daqueles instantes, é-me ainda constante.
Tempos aqueles, eram de preconceito, medo e repressão.
Fosse hoje, época de liberdade e de aceitação,
quisera que rapaz, se quisesse, me falasse.
Ouvi-lo-ia com atenção e interesse, face a face.
Por vezes, em uma mirada sustentada, em um olhar arregalado
se contém vidas em promessa e o futuro já imaginado;
ao menos o desejo de se aproximar, de conversa entabular,
de conhecer, falar, ouvir, sentir e até efabular:
com imaginação, fantasiam-se desejos e anseios;
com paixão, concebem-se entrega e enleios.
Reparou-me com persistência constante:
não no meu trajar, do seu destoante,
senão na pessoa que se lhe deparou.
Nele atentei, com pensamentos que me causou.
Se rapaz, contudo, fitou-me, não por atração,
fica-me o mistério do olhar que me lançou com sedução.
Ignoro-lhe morada, nome e profissão;
onde estiver, espero que leve vida feliz
e florida, com jacintos, narcizos e flores de lis.
O fecho, no derradeiro verso, refere as flores jacinto, narcizo e de lis. Na mitologia grega, o deus Apolo (também chamado de Febo) apaixonou-se por Jacinto, que morreu e cujo sangue, que lhe escorreu, transformou na flor jacinto. Narcizo apaixonou-se pela própria imagem: era homossexual. Permiti-me o galicismo em flor de lis, que em vernáculo diz-se lírio.