“Testou positivo” não tem pé nem cabeça. “Mantenha distância social”. Que raio é isto ? “Lockdown” é “reclusão”.

“TESTOU POSITIVO” NÃO TEM PÉ NEM CABEÇA.
O verbo “testar” é anglicismo, de “to test”. Em português de qualidade, elegante, de bom gosto: experimentar.

Testar é experimentar; “positivo”, aí, quer dizer que o exame (o “teste”) detectou infecção, resultou positivo.

A locução “testou positivo” não tem pé nem cabeça.
“Fulano testou positivo” significa, literalmente, que fulano fez teste positivamente, de modo positivo, bom, desejável, correto, pois, aí, “positivo” não indica detecção da infecção e sim qualidade boa do teste que fulano fez.
“Fulano testou positivo” = fulano fez “teste” corretamente.

Não é isto que se quer dizer. Atenta em que por esta locução tu dizes uma coisa e exprimes outra, totalmente diversa. Ela é pessimamente construída e produto do desconhecimento do idioma e de descuido no seu uso. Ao fim e ao cabo, é exercício de desinteligência (vulgo burrice) e mais um anglicismo, mais uma tradução literal do inglês (“test positive”). Ela é tão burra quanto a fórmula “o que fecha e o que abre no feriado” (é: o que não abrirá e o que não abrirá no feriado).

Certas expressões têm sentido próprio, independentemente da acepção das palavras que as compõem, como “sem eira nem beira”, “a três por quatro”, “passou batido”. É o caso de “testou positivo”, que as pessoas compreendem e é útil. É claro que, como informação de utilidade pública, no estado de calamidade e emergência que vive a maioria dos países, a difusão de informação facilmente compreensível é valor superior ao rigor semântico desta expressão. Neste sentido, ela é valiosa e justificável; à parte, contudo, de sua utilidade, merece reflexão a maneira como usamos o idioma e até que ponto as traduções literais justificam-se ou não.

As pessoas não compreenderam o significado de “testou positivo” graças à acepção destas duas palavras; elas intuíram o significado desta locução, adivinharam-lhe o sentido. Compreenderam-na não por efeito da semântica e sim por efeito do contexto em que foi empregada.

Ninguém explicou para ninguém que é “testar positivo”, porém as pessoas intuíram que isto significa, adivinharam-lhe o sentido. É correto difundir informações importantes que se entende por intuição ? É correto propagar informação importante por imitação do inglês, em que ela faz sentido e que não faz ao ser traduzida literalmente ?

Em lugar de traduzir-se literalmente do inglês, em vez de imitar-se o inglês, de introduzir-se locução que faz sentido em inglês e que se adivinha em português, não é preferível nos expressarmos de modo compreensível em português pelo valor semântico de palavras que são nossas, que nos fazem sentido, que compreendemos quando empregadas com sintaxe nossa, que nos faz sentido, com recursos de nosso idioma, que nos fazem sentido ?

Podemos e devemos dizer “O exame de fulano foi positivo”, “O exame de fulano deu positivo” em lugar de “Fulano testou positivo”.

A construção “Who test positive”, que se traduz literalmente por “Quem testar positivo” pode e deve-se traduzir por “Quem cujo exame for positivo”. É díficil construir “Quem cujo” ? Não é. É correto e compreensível. Julgar que a imitação do inglês é preferível à boa construção do português por ser mais fácil ou porque a construção “Quem cujo” dificulta a compreensão da frase equivale a imputar às pessoas demasiada incapacidade intelectual (vulgo burrice).

Há mimese idiomática no meio brasileiro: basta que um primeiro descuidado introduza nova forma de dizer, errada ou imitante do inglês, que as pessoas atentam-lhe (as pessoas atentam no diferente) e põem-se a imitá-la, sem nenhum critério, sem avaliar se a novidade é inteligente ou parva. A mimese é natural e os idiomas existem e transformam-se também por meio dela, o que não justifica toda e qualquer imitação ou a imitação de toda e qualquer inovação. Pode-se imitar, pode-se inovar, desde que com critério e sabedoria, consoante a sintaxe e as formas do vernáculo. Devemos repudiar as inovações que desfiguram o vernáculo, como é o caso de “Quem testar positivo”. Também é o caso da preposição “por”, correta em inglês e errada em português, aplicada em verbos como “procurar”, “caçar”, “pesquisar”. Em inglês: “procuro por ele”, “caço pelo animal”, “pesquiso por vacina”. Em português: “procuro-o”, “caço o animal”, “pesquiso vacina”.

Um primeiro jornalista imitante do inglês (deve ser dos que são fluentes em inglês sem serem excelentes ou ótimos em português) pôs em circulação este monstrengo; colegas seus leram em inglês ou já em português; nenhum deles teve o mais mínimo zelo pela qualidade da locução, que todos passaram a repetir cegamente.

Os jornalistas, os “proficientes em inglês” (doutores com doutorado) têm obrigação de serem ótimos, excelentes, em português, de saberem traduzir sem imitar, de encontrar soluções racionais e inteligentes em português; devem entender que traduzir não é imitar, que o que faz sentido em inglês não o faz necessariamente em português; que imitar o inglês em português introduz monstrengos semânticos.

Outra: “força-tarefa”. Pense por um minuto se isto faz sentido. Não, não faz. “Grupo de trabalho” faz.

 

“MANTENHA DISTÂNCIA SOCIAL”. Que raio de expressão burra é esta ?

A fórmula “mantenha distância social” ou apenas seus sintagmas “distância social” são ruins.
Social é relativo a sociedade. Mantenha distância social = mantenha distância relativa à sociedade.

Por ela quer-se dizer “mantenha distância de pessoas”, expressão melhor, pois especifica a que se aplica a distância: às pessoas. Esta não é errada, porém é vaga: podemos manter distância desta pessoa mas não daquela; dos inimigos mas não dos amigos, podemos ser arbitrários ou aleatórios na acepção das pessoas.

No caso da recomendação na pandemia, não se nos recomenda distância qualquer, distância arbitrária, aleatória ou descriteriosa na escolha do afastamento ou das pessoas. Ao invés: é distância deputada especificamente a evitar a propagação do vírus; que se deve instituir genericamente de cada pessoa em relação a todas e na medida mínima de três passos (um metro). Esta distância tem destinação precisa, aplicação precisa, medida precisa.

Ela não é apenas social nem apenas de pessoas: é muito mais do que isto: é profilática. “Mantenha distância profilática”, é expressão incomparavelmente melhor do que as duas precedentes, pois especifica motivação, destinação, aplicação e medida.

Distância social é vaga; distância de pessoas é vaga: que distância ? De quantos metros? Meio metro ? Um ? Cinco ? Cem ? De quem perante quem ? Por quê ? Para quê ?

Distância profilática é a que mantém pessoas afastadas entre si, em afastamento apto a premunir o contágio.

Diga: DISTÂNCIA PROFILÁTICA. Mantenha distância profilática.

Que nossos políticos, homens públicos e jornalistas não hajam veiculado a palavra profilático e a expressão “distância profilática” mostra sua pobreza léxica. Não serve de objeção dizer que o povo é burro e entenderia “profilático”, como se “social”, aí, fosse mais eficaz e … profilático.

Distância social mantém-se dos desafetos e inimigos, porém não necessariamente das pessoas quaisquer, para prevenir-se a disseminação do vírus, ao passo que “distância profilática” especifica tratar-se de distância com o fito próprio de evitar o contágio.

Preferir “profilático” a “social” é forma de inteligência lingüística e de acribologia (apropriado emprego das palavras, consoante seu significado).

 

“LOCKDOWN” = RECLUSÃO. RECLUSÃO.

Você não precisa dizer “lóquedáun” só porque o locutor do noticiário em inglês fala no idioma dele ou porque você leu assim em inlgês.

Seu idioma é português e não inglês, certo ? Em português existe a palavra “RECLUSÃO”, que você conhece e pode usar. Correto ?

Você é pesquisador, pós-doutor e não sabe traduzir com qualidade ? É fluente em inglês (seu segundo idioma) e deficiente em português (seu primeiro idioma) e dá mau exemplo.
Então, seja inteligente e faça a escolha inteligente.
Também há: confinamento, insulamento, isolamento (galicismo).

Agasta-me que o sujeito invoque seu currículo com pós-doutorado e ouvi-lo dizer “a gente”, não usar preposições, dizer “lóquedáun” e não saber traduzir esta coisa.

Pós-doutor que não traduz e com qualidade, é pós-doutor que deixa a desejar. Sua primeira obrigação é usar com qualidade seu idioma.

 

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