Os ignorantes do Brasil e o Positivismo

                                                           Os ignorantes do Brasil e o Positivismo

                                                                                     2004

                                                                                              Arthur Virmond de Lacerda Neto

                                                                                              arthurlacerda@onda.com.br

                        Leitor de Comte no original e na íntegra repetidas vezes, Alain abundava em razão: para conhecê-lo, é preciso lê-lo, lê-lo no original  e lê-lo por inteiro: os seis volumes do Sistema de Filosofia Política, os quatro do Sistema de Política Positiva (que inclui os opúsculos juvenis), o Catecismo Positivista, o Apelo aos Conservadores, o Discurso sobre o Espírito Positivo e a Síntese Subjetiva; ao todo, catorze volumes. E não basta percorrê-los: cumpre meditá-los, relê-los se preciso, e, sobretudo, desenvolver um esforço de meditação ao qual resiste, com freqüência, o estilo abstrato do autor. Para mais destas obras, filosóficas ou políticas, deve-se ler ainda a correspondência: mais oito alentados volumes.

                        Quem pretenda capacitar-se do Positivismo, deter-se-á, ainda, nas obras dos seus melhores explicadores, como Pedro Laffitte, Raimundo Teixeira Mendes, Luís Lagarrigue, Robinet e tantos outros, que, antes de discorrerem sobre o pensamento comteano, cumpriram a exigência óbvia de conhecerem-no diretamente na sua fonte.

                        É este conhecimento que falece a muitos intelectuais brasileiros e à maioria de quantos, não sendo intelectuais, são apenas ignorantes, que não se coíbem de pontificar sobre  obras que não leram, cujos volumes jamais manusearam. Falam do que ignoram ou do que apreenderam apenas superficialmente, repetindo, quantas vezes!, de segunda, terceira, quarta mãos o que encontram em autores que, eles próprios, repetem por sua vez a outrem ou que, se se abeberaram nos originais de A. Comte, condicionam, com a sua interpretação pessoal, a de  quantos tomam-nos por fonte. Não basta louvar os méritos de seja lá qual autor e macaqueá-lo (“Como dizia o saudoso Fulano de Tal”) ou macaqueá-lo sem lhe aludir: nada dispensa da leitura das obras de que se fala, sejam lá quais forem a obra e o autor correspondente. Somente dentro desta condição produz-se intelectualmente a sério.

                        Enquanto o exercício da inteligência limitar-se à repetição de terceiros,  enquanto a vida intelectual traduzir-se por abordar um autor sem o seu conhecimento direto, enquanto o ataque representar um desiderato e não um resultado, enquanto a ideologia balizar a cognição,  o resultado só pode ser o da ignorância sistematizada e o dos erros impondo-se à guisa de expressão dos fatos ou de interpretação perspicaz. Enquanto for assim, acerca de A. Comte e de qualquer outro autor, não contribuirá o Brasil em nada para a elevação da cultura intelectual: ao invés disso, fortalecerá o pedantismo como critério do conhecimento e da reflexão, vale dizer, para o aviltamento de ambos.

                        Enquanto for assim, os nossos intelectuais, os nossos professores, os nossos estudantes, os nossos leitores em geral, persistirão na convicção de que o Positivismo é o que ele, na verdade, não é; manter-se-ão na ilusão de certos lugares-comuns e de certas idéias superficiais, grosseiras, estúpidas, falsas ou tolas, que  sobre ele circulam no Brasil. Por exemplo: A. Comte ensandesceu ao final da sua vida; o Positivismo é uma ideologia de manutenção da “ordem” burguesa”; no Brasil, o liberalismo econômico aliou-se-lhe; o Positivismo fundamentou o nazismo (esta é dos que confundem o Positivismo com o juspositivismo); o Positivismo é fatalista; o Positivismo é autoritário; os positivistas impediram a fundação de universidades no Brasil, etc.

                         Nos cursos de sociologia, ciência política, filosofia, das universidades públicas, federais e estaduais, e privadas, ensinam-se as falsezas anti-positivistas e viciam-se gerações seguidas, inculcando-se-lhes aversão ao Positivismo, bem entendido, a um Positivismo falsificado, em que ao próprio termo positivismo imputam-se diferentes significados, frequentemente sem relação com a obra de A.Comte, o que aumenta a desinformação com a confusão semântica.

                        Enquanto for assim, todos eles prosseguirão ignorando temas de supina relevância filosófica, a exemplo do conceito de positividade, de previsão racional, de Humanidade, de síntese subjetiva, de filosofia primeira, de estática e dinâmica, da preponderância do sentimento, de governo republicano, de liberdade espiritual, da sociologia como totalidade do conhecimento, de educação integral que, estes e muitos outros, podem contribuir para alargar as dimensões da reflexão nacional, enriquecendo-as com temas inexplorados porque geralmente ignorados. Sequer o significado de ordem e progresso sabe-se corretamente, não obstante o dístico do pavilhão nacional!

                        Enquanto for assim, continuaremos como o país do mundo que, devendo ao Positivismo benefícios que negam somente os seus caluniadores e os mal informados, mostra-se  o mais ingrato face a ele; prosseguiremos encarnando o país que, dispondo de fartos materiais com que se aquilatar as suas aplicações à vida social, é  o em que o seu conhecimento equivale ao dos (maus) manuais escolares de filosofia. Enquanto for assim, cultivaremos as calúnias, a ignorância, a desinformação e a ideologia, porém não a verdade, a sabedoria e a justiça; persistiremos na mesquinharia da crítica fácil e na cultura da ignorância, ao invés de elevarmo-nos ao conhecimento da verdade pelo caminho árduo do esforço intelectual honesto.

                        O empenho de muitos em golpear o Positivismo, de boa-fé ou sem ela, por vezes obsessivamente, bem como a sua capacidade de suscitar adesões convictas e aplicações meritórias, equivalem ao reconhecimento de que ele oferece muito, muitíssimo, ao pensamento humano, de que porta uma mensagem riquíssima e aliciante: por isso desperta antagonismos tão vivos, ataques tão desesperados e a necessidade de adulterá-lo para ferí-lo. É a forma como os seus críticos reconhecem, sem o confessar, a sua profundidade filosófica, a sua envergadura intelectual, o seu valor no pensamento humano, o certeiro das suas demonstrações, o convincente das suas propostas. É forma, toda própria, como eles homenageiam-no.

                         Viva o Positivismo!                                          

                        Uma análise impiedosa das mais recentes inépcias proferidas no Brasil sobre (e contra) o Positivismo, acha-se em A desinformação anti-positivista no Brasil, da editora Vila do Príncipe, Curitiba, 2004, da minha autoria.

 

   Recomendo “A república positivista”, da minha autoria; “A sociologia de Augusto Comte”, de J. Lacroix e “A desinformação anti-positivista no Brasil”, da minha autoria, também;adquiríveis por www.estantevirtual.com.br .

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2 respostas para Os ignorantes do Brasil e o Positivismo

  1. João disse:

    Sim, meu caro, Arthur. Pretendo ler sua obra "A desinformação…" ocorre que não encontrei na livraria onde sempre compro meus livros. Por favor, me diga como posso adquirir um exemplar. Faz tempo que pensei em ler Comte, mas como leitor assíduo de Nietzsche, li que Comte é muito "altruísta" e portanto – muito cristão. Talvez sua obra me convença a ler todos estes 14 volumes tratando do positivismo, e abandone o meu confesso "pedantismo" no conhecimento. Um abraço.

  2. Ronan Ludmilla disse:

    Ludmilla Teixeira mendes…….defendo o positivismo tanto quanto meus avòs defendiam…gostei muito do artigo…enquanto aos livros João procura na estante virtual (cebo) estão sempre em ótimas condições….e sempre tem bastante coisa lá…….

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