Arthur Virmond de Lacerda Neto. 1º.X.2020.
Não sou dos que odeia o passado brasileiro, condena a colonização que tivemos, vê nela a origem real ou imaginária dos males presentes, passados e futuros do Brasil; sou amigo de Portugal, de sua história, de seus homens, valores, literatura e cultura. Sou dos que estima o legado de Portugal para o Brasil e para o mundo porque lhe reconheço méritos, qualidades, contribuições, vultos; não vejo nele (como muitos brasileiros) somente misérias, mediocridade, exploração das colônias.
Neste sentido, sou lusófilo; não sou (ao contrário de muitos) lusófobo ou anti-português. Em relação ao idioma, não prego lusofilia, não emprego lusitanismos, não preconizo que falemos como os portugueses; preconizo que usemos os recursos do português, sentido em que mesóclise, pronomes contraídos, segundas pessoas e não só, são recursos mais usados lá do que cá, porque lá são ensinados, ao passo que aqui, não o são. Preconizar recursos do idioma que o português usa porque os aprende, e que os brasileiros não usam porque não aprendem, não é lusofilia, é amor ao idioma e a seus recursos, e desejar mais instrução para os brasileiros; no fundo, é patriotismo.
É criancice de muitos brasileiros dizer que mesóclise, pronomes contraídos (mo, lho, ma, ta etc), vós, vosso, são “lusitanismos”: são recursos que toda criança brasileira deveria aprender e que todo adulto brasileiro deveria saber usar, porque pertencem ao idioma do Brasil e dos brasileiros.
Se os brasileiros fossem lusófilos, aprenderiam, presumo, a reconhecer no idioma valor de civilização e de identidade cultural e não haveria (tantos) americanismos em curso; entenderiam o vernáculo como preciosidade que nos merece atenção, cultivo, prestigiamento. Orgulhar-nos-íamos dele, por sua riqueza, variedade, beleza, recursos léxicos. Devemos aprender com o exemplo dos portugueses. Há valores deles e dos lusófilos que nos faltam e cuja carência resulta no amesquinhamento e na estrangeirização do idioma, também porque os brasileiros recusam, tolamente, o passado luso-brasileiro, porque integra a (in)cultura nacional a recriminação infantil de Portugal pelos males que os brasileiros não quiseram ou não souberam remediar, e narrativa histórica maniqueísta, em que somente se ressaltam negatividades reais ou imaginárias. Professores, livros escolares, jornalistas, escrevedores e ingênuos repetem a mitologia em chavões de que nossa colonização foi a pior possível, de que isto foi colonizado por degredados, de que os bandeirantes eram facínoras, de que Portugal “roubou”-nos o ouro etc. Nossa história anda mal contada e o senso de muitos brasileiros, manipulado.
Dias atrás, cotejei os comunicadores portugueses com os brasileiros, em desfavor desses, o que não é lusofilia, mas apenas capacidade de observar diferenças e reconhecer as qualidades e os defeitos. Se prefiro os portugueses ? Certamente que sim: prefiro quem se exprime com propriedade de conteúdo e sabe o que diz, e diz com precisão, graça, desenvoltura, exuberância, segurança, sem cacoetes e ruídos (né ?, a gente, aí). Comparativamente, os programas informadores portugueses são superiores aos nossos. Nosso telejornalismo é de segunda e terceira linha; o português, de primeira; nossas entrefalas, ruins, nossos interrogadores, prolixos e inseguros. Neste ponto, a lusofilia não é premissa e sim resultado, e tanto pior para os brasileiros, com seu desdém, bem brasileiro, bem nacional, bem vergonhosamente nosso, pelo idioma.
Lusofobia é a tendência a incriminar Portugal e o passado luso-brasileiro, e a repudiá-lo. É vezo de abundantes brasileiros formados no espírito de acusação, de denúncia, de recusa da herança portuguesa, o que inclui o idioma e complexo de inferioridade. A americanização do idioma é produto idiomático (também) da lusofobia. Jamais o seria da lusofilia.
Prestigio e difundo, orgulhosamente, as belezas de meu idioma, e procuro retificar os erros de avaliação e de informação histórica que compõem a lusofobia; difundo informações geralmente sonegadas por livros escolares, professores, jornalistas, senso comum. A exposição do outro lado da moeda, de opiniões favoráveis ao passado luso-brasileiro, das averiguações abonadoras dele, deveria integrar o cabedal cultural dos brasileiros que, assim, seriam pelo menos mais bem informados, em lugar de serem convencidos de meias-verdades. É como se o anti-portuguesismo fosse o estado “normal” e correto da mente brasileira (de que é sintoma o deplorável livro 1808). É fenômeno entranhado no etos brasileiro, objeto de doutoramento em Braga na área de comunicação, em 2020 (de Carlos Fino, na Universidade do Minho).