Homossexualidade e cristianismo
4.IV.2004
Não ligueis nunca ao que o vulgo opina. O vulgo é toda esta multidão que vos rodeia[…]Observai-os e notareis que este vulgo não sabe nunca porque diz o que diz, não prova as suas opiniões, julga por paixão, não por razão. (José Ortega y Gasset, Para os meninos espanhóis).
A quem desejar elucidar-se quanto a homossexualidade, recomendo “Corydon”, de André Gide, e “Homossexualidade: uma história”, de Colin Spencer, de cujas leituras, altamente esclarecedoras, defluem três conclusões:
1ª- a homossexualidade corresponde a uma constante da história em todos os povos e, portanto, encarna uma realidade normal e natural;
2ª- qualquer entendimento diverso deste configura um preconceito propriamente dito, ou seja, um estigma instalado no sistema psicológico das pessoas, que as leva a valorá-la negativamente e a julgá-la depreciativamente, sem que elas hajam-na, minimamente que seja, examinado sob um ponto de vista histórico, biológico, social ou qualquer outro, que lhes permita apreciá-la com esclarecimento, ao invés de com as idéias preconcebidas em circulação na sociedade e que a generalidade das pessoas adota por imitação, sem que nem imitadores nem imitados entendam, a sério, o fenômeno em questão. Por dispensarem-se de se informar a respeito, de modo a capacitarem-se ao julgamento e à censura (ou a qualquer outro juízo), julgam e censuram o que desconhecem: o preconceito anti-homossexual equivale a uma forma de ignorância.
3ª- o preconceito anti-homossexual derivou da influência do cristianismo: desde a mais remota antigüidade e nos mais variados povos da Terra, considerou-se o homossexualismo como normal e natural, até que o cristianismo, com a sua obsessão anti-sexual, invertesse tal entendimento, que passou a prevalecer onde ele se instalou. Mesmo ele houve, em parte, de transigir com a homossexualidade, enquanto não a logrou demonizar de todo: até o século XVI efetuaram-se milhares de casamentos cristãos de homens com homens ( “Homossexualidade: uma história”, editora Record, São Paulo, 1999, página 88).
Quem duvidar destas conclusões, que leia aqueles livros.
Foi nefasto o cristianismo em matéria de sexualidade:
1º- porque a converteu em assunto proibido, vale dizer, tabu, o que, de conseqüência, manteve as pessoas na ignorância a respeito, quando, ao inverso, deve haver esclarecimento e informação;
2º- porque a degradou à condição de fonte por excelência do pecado, a negar uma realidade natural do ser humano, que pode e deve educar-se como função biológica e máxime dignificar-se como expressão da afetividade. Não admira que a igreja católica, integrada por celibatários jungidos à castidade, tão frisantemente associe a sexualidade com o pecado: privados (ao menos oficialmente) de vivê-la, pretendem os seus membros coibí-la no seu semelhante, quando seria perfeitamente normal que eles pudessem, oficialmente, dela desfrutar, o que certamente redundaria, de parte da igreja, em uma nova atitude, a de considerar a sexualidade como traço humano merecedor de apreço;
3º- porque a reprime, negando o inegável, ao invés de educar para o seu exercício;
4º- porque atribui ao matrimônio um desiderato unicamente reprodutor e não afetivo, pelo que, nele, marido e mulher rebaixam-se à condição de macho e fêmea destinados a fornicar legitimamente, ao invés de se votarem um ao outro, em uma união de sentimentos e de destinos;
5º- porque repele a contra-concepção artificial, o que induz as famílias à proliferação, e, desta arte, em geral, à depreciação das condições de existência material dos seus integrantes: tanto menos conforto quanto mais filhos.
Contra natura, anti-natural e censurável não é a sexualidade, porém sim a doutrina cristã a respeito dela, origem, ao longo dos séculos, de ignorâncias, infelicidades e preconceitos.