A homossexualidade.

A HOMOSSEXUALIDADE.

Casamento homo.

A HOMOSSEXUALIDADE.

Arthur Virmond de Lacerda Neto. 21.6.2020.

 

Até pretérito recente havia, no Brasil, intensa grita, da parte de evangélicos, adversa ao casamento homo e às expressões de afetividade e relação homo. Nas igrejas predicava-se homofobia, nos costumes ela ainda se manifestava, embora já menos e com timidez que, da parte de alguns, seria de conveniência, na percepção de que as mentalidades alteravam-se e já não se vilipendiava triunfantemente os homossexuais, como se perpetrava antes. Nas redes sociais havia intensas e acaloradas disputas, abundavam intervenções, postagens, filmagens, frases de efeito, polêmicas, esclarecimentos, informações, em que os homossexuais afirmavam-se como tal e combatiam o preconceito ambiente. Foi período em que a argumentação, a informação, o esclarecimento, a crítica desfizeram em poucos lustros vigências mentais vetustas de séculos.

As telenovelas colaboraram prolongadamente, com personagens e situações abertamente homossexuais, já distantes da “América”, exibida pela rede Globo cerca de 2007, em que o máximo de homossexualidade presente, compatível com a recusa ambiente, era o protagonista que deitava olhares a rapaz, de longe, e cuja mãe proclamou, no derradeiro capítulo, ser “gay” seu filho, orgulhosamente. Na altura, correspondeu a proclamação intimorata, ousada, antagônica ao estado mental do brasileiro médio. Depois, telenovela houve que retratou amor lésbico de senhoras sexagenárias.

A cinematografia também concorreu, com já dezenas de filmes, desde o tíbio “Barebrock Mountain”, antecedido (em 1994) pelo ainda mais tímido filme francês em que o máximo de revelação foi o rapaz que diz para si, em francês: “Je suis un p. d.” : “Sou pederasta”, e por outro, em que o protagonista comunica o número de seu telemóvel a rapaz, a quem liga e ele o atende.
Em 2011, o STF igualou a união estável homo à hetero, para todos os fins legais, com o que instaurou, por tabela, o casamento homo, de que se celebraram, de então por diante, centenas de uniões.

Casais, notadamente masculinos, que dantes inibiam-se, passaram a andar de mãos dadas e a exporem com crescente desinibição sua condição homo e sua afetividade, máxime nas classes média e alta, ao passo que na baixa resistia-se à aceitação dos novos costumes e da liberdade alheia, neste capítulo. Entre evangélicos principalmente e já bem menos entre católicos, prosseguiu a funesta condição de enrustido, em famílias e igrejas.

Em 2019, o pastor-prefeito do Rio de Janeiro intentou censurar literatura homo, ao que lhe reagiu exemplarmente o comunicador Felipe Neto, em iniciativa meritória a diversos títulos e que certamente escandalizou o público evangélico, precisamente perante o qual o pastor-prefeito intentava prestigiar-se, o que se lhe malogrou.

Quase simultaneamente, foram à falência as empresas do pastor-homofóbico Malafaia. Sinal dos tempos e da mudança de mentalidade até de seu público.

Na mesma altura, o ator pornográfico Alexandre Frota, atuante em cenas fortíssimas, foi eleito deputado federal em meio ao congresso mais conservador da história da república, e confessou-se ex-amante do pastor e então deputado federal homofóbico Marco Feliciano.

Nos meses anteriores à eleição de Bolsonaro, aventou-se, com receio, de sua homofobia e circularam suas declarações do respectivo teor.

Seja como for, nos últimos dois anos (e com a reserva de que minha percepção é limitada e nem a tudo observo) diminuiu drasticamente a defesa da condição e da liberdade homossexuais, não porque se lhes comprimissem as manifestações; ao revés: porque se alargou a liberdade ao ponto em que se tornou despiciendo pugnar-se por liberdade já constituída.

Pelo mundo ocidental em fora findou a heteronormatividade: a geração que conta hoje cerca de 20 anos, em geral não se declara heterossexual e no Brasil os ainda homofóbicos pertencem o grupo que ano após ano envelhece, situado em regra nas camadas pobres, em certos setores evangélicos, no interior do Brasil, na geração supra-50 e não mais (ou acentuadamente menos) nas capitais, entre o público em geral, nas gerações sub-35, no público estudado, nas gentes das classes média e alta.

Quanto a esses e aos católicos, prognostiquei já lá vão cerca de 15 anos: quando os costumes houverem ultrapassado a resistência homofóbica, quando as pessoas aceitarem a condição homo (e também a bissexual) com naturalidade, as igrejas (que não se antecipam à moral média, senão acompanham-na) sem alterar seus dogmas, modificarão seus discurso, doutrina e práticas. Confirmou-se: na maior comunidade homossexual da Terra (o Vaticano), seu chefe adotou novo discurso, já agora de acolhimento; por sua vez, em geral, os evangélicos cessaram de insistir no pânico moral da homossexualidade: perceberam a inutilidade de fazê-lo, porquanto o ambiente se tornava depressa amistoso à homossexualidade e ao casamento homo. Os cabecilhas da religião perceberam ser inútil exortar em oposição a costumes emergentes em todos os países da Terra. Esta predicação calou-se.

Ainda ocasionalmente alguém se pronuncia a respeito da homofobia (mais do que suspeita) do presidente da república; inúmeros verberaram as declarações espantosas da ministra Damares Alves — fora isto, de raro em raro noto a antiga atitude de combate pró-liberdade, pró-aceitação: são já escusadas e ainda bem. Correlatamente, é findante o medo, o receio do juízo alheio, a reação impiedosa de pais e lamurienta de mães, o enxotamento sumário de filhos, de casa, pelos respectivos genitores, violências morais e materiais dantes corriqueiras e aceitadas com naturalidade.

No interior, no Brasil profundo, as mentalidades são relativamente arcaicas, contudo também lá as pessoas pertencem ao meio social geral que é o brasileiro e, ainda que retardatariamente em relação às capitais e cidades grandes, alinham-se na tendência nacional e mundial.

Quem viveu os tempos de 10, 15, 20 e mais anos e coteja-os com 2020 reconhece novo modo de ver as sexualidades própria e alheia, o preço inefável da liberdade, o conforto impagável de não ser rechaçado e de ser visto com simpatia e acolhimento ou indiferença quanto à sua homossexualidade, o que não é compaixão nem caridade: é respeito, é civilidade, é esclarecimento, é ingressarem todos na mesma humanidade, antanho dividida (pelo cristianismo) em humanos e em desumanizados e agora reunida na mesma grei, mercê de valores e critérios sem sobrenatural, puramente humanos, fundados na liberdade e na naturalidade de condição que, afinal, é inofensiva e só traz contentamento aos próprios quando pode ser exercida sem constrangimentos. É (grosso modo) a condição de 20% dos homens da humanidade (mais homossexuais) e também a de 40% (bissexuais em variegados graus).
Enfim, voltamos a dizer como disse o homossexual Plínio, em Roma: “Por que calar nossos amores ?”. E Orfeu, viúvo de mulher, foi ser feliz no amor dos rapazes. E Apolo amava Jacinto. E Zeus tomou-se de amores pelo belo Ganimedes. E Aquiles amava Pátroclo. E Hércules, Iolaus. E o imperador Adriano, Antínoo. E como eles, incontáveis pessoas ao longo da história. Houve-os, há-os, havê-los-á: é constância da história, das espécies animais e do homem. Onde houver humanidade, haverá homossexualidade e é bem poderem todos estar bem com a sua e com a alheia. O contrário não se justifica.

 

Em tempo:

1) o livro “Armário do Vaticano” ou “Sodoma” (já no Brasil), de Frederico (Fréderic) Martel é vasta invesigação sobre a homossexualidade triunfante e atuante no Vaticano. Bento XVI tem amante, tem-no há décadas.

2) A homofobia amiúde é sinal de homossexualidade em quem a pratica: o sujeito odeia em outrem o que odeia em si ou cria aparência de heterossexualidade para dissimular sua homossexualidade. Sinal disto é a abundância de referências pejorativas na cultura brasileira: “usar cinto branco é coisa de gay“, “tal camisa é meio gay“, isto e aquilo (seja lá o que for) são coisas gay. A existência deste bordão revela o entranhamento da homofobia e a necessidade de muitos homossexuais posturarem de heteros para se premunirem da suspeita alheia. Esse tipo de manifestação vale por confissão.

3) Deve haver pastores sinceramente crentes em que a Bíblia reprova a homossexualidade, porém certo é haver sido erroneamente traduzida. Traduções atuais já evitam o adjetivo “abominação” imputado à homossexualidade. “Abominação”, não: contra-cultural, no sentido de oposto à cultura, aos costumes judaicos de 3 mil anos pretéritos. Aliás… oposto ou tão presente que foi preciso explicitamente censurá-lo ?

A homossexualidade.

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