O valor de ler literatura anterior.

O VALOR DE LER LITERATURA ANTERIOR.

Cada época porta as suas marcas, as características dos usos então vigentes, no idioma e, de conseguinte, na literatura: em cada período, há formas típicas de construção frasal, certo vocabulário trivial, certos vocábulos incomuns, vícios, frases feitas.
O idioma é como segunda natureza das pessoas: nele estamos, nele existimos; incorporamo-lo. A maioria da gente nele está e nele existe por mimese: as pessoas falam como ouvem falarem, escrevem como os outros escrevem. Quanto mais desinstruído o sujeito, mais intensa a sua imitação e tanto mais tacanha a sua possibilidade de comunicar-se com estilo próprio, pelo uso autônomo, menos imitativo, dos recursos do idioma.
Há provincianismo lingüístico: é provinciano o sujeito que somente sabe falar como falam e escrever como fala (e como falam). Pode-se transcender o provincianismo, mediante a incorporação dos recursos do idioma, a começar pela riqueza léxica, que lhe permitirá escolher dentre várias opções em vez de estar aprisionado pela ignorância.
Outra forma consiste na leitura dos bons autores pretéritos, em que ao sujeito deparar-se-ão coloquialidades, idiotismos, construções típicas, vocábulos diversos dos a que se acha afeito.
Sói-se dizer que o idioma muda (no mais das vezes, alega-se tal para validar qualquer mudança e invalidar-se o critério de bom e mau, de certo e errado nas mudanças). É verdade. Graças ao registro literário do idioma em fases diversas, o leitor poderá descobrir a beleza do seu idioma com estilos de outros tempos, o que lhe traz por efeitos: 1) retirar-se do seu provincianismo, 2) alargar o seu horizonte de uso do idioma, 3) capacitar-se a usá-lo com mais liberdade, imaginação e riqueza, 4) reconhecer textos e autores provincianos.

Em relação ao item 4, há autores cuja loqüela é inteiramente “datada”, condicionada pelos automatismos do seu ambiente. É claro que toda loqüela é “datada”; alguns conseguem transcender o usual e usado e alcançam o que o idioma lhe permite também usar. É fácil de reconhecer a estreiteza estética do autor: ele escreve como a maioria fala, emprega chavões e metáforas do seu tempo, se o seu vocabulário limita-se aos termos trivialmente em circulação. É o autor de estilo trivial, que se não deve confundir com o coloquial: há trivial na academia, no meio jurídico, filosófico e assim por diante.
Como libertar-se das limitações do seu tempo ? Pela leitura dos bons autores do vernáculo (e, secundariamente, das boas traduções), o que inclui os pretéritos, os autores do passado, máxime os clássicos do seu idioma.

Leia Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Raul Pompéia, Adolfo Caminha, Lima Barreto, Euclides, Vieira, Saramago, Eça, Camilo; também ensaístas, historiadores, filósofos – em suma, prosistas em geral. Leia traduções brasileiras anteriores a 1980.

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