A favor do nudismo.

Yves S. Laurent.

Propaganda de perfume.

Vitrine.

Vitrine.

Campo de nudismo.
Campo de nudismo. Nudez natural, em público.
Na balada.

Grécia. 2014.

Embora o Brasil seja o país do Sol, do carnaval, das praias, o brasileiro não é liberal (ele pensa que o é, por falta de se comparar com os demais povos). Ele é careta, quadrado, antiquado, de mente fechada, bitolado, preconceituoso. O brasileiro é careta em relação ao corpo e à nudez; é gente de mente fechada e de cabeça muito complicada.   Não acredita nisto? Então, leia a seguir.

Sevilha.

Barcelona. 2014 ou 2015.

Rapaz nu VIII

Pedalada nua. Londres, 2013 ou 2014. Lê-se “Este sou eu, não você”: o corpo é meu e não seu. Cuide do seu, que do meu trato eu.

653

Alemanha. Mercado que concedeu bônus para os 100 primeiros fregueses seus que lhe comparecessem nus: apareceram inúmeros homens e mulheres.

Festival de Roskilde 2

Festival de Roskilde, Dinamarca. Corrida dos nus, que ocorre anualmente.

Pessoa pintada 48

Londres. Pedalada nua.

João Lenon e Yoko Ono 2.

João Lenon e Yoko Ono.

De costas.

Alegres

Passeio

Primeira passeata dos desvergonhados. Lille, 2013 ou 2014.

Museu Leopoldo Austria 2

Museu Leopoldo, Austria. Visita de nus, a exposição de nus.

Entre amigos 5

Pedalada nua. Londres, 2013 ou 2014.

Nu entre amigos.

Nu em casa.

Pessoa pintada 2.Mamas ao vento 1Mamas ao vento 2.Mamas ao vento 3.Nus em público.Pedalada nua IVNu no metrô.Na Espanha 4Nas comprasNu na FrançaPessoa pintada 20Mulheres  3  IINu de bicicleta.Três pessoas 2Pessoas 1. bis.GrupoNa lavanderia.Nus na praiaNus de bicicleta.

Banho no Japão.

Banho no Japão.

FKK

Revista nudista alemã.

 

 

A favor do nudismo.

23.VI.2014

Arthur Virmond de Lacerda Neto.

            Europeus e brasileiros.

            Se há uma diferença perceptível de mentalidade e de costumes entre os brasileiros e os europeus, é a da aceitação, dentre estes, da nudez, como naturalidade, e a sua recusa, da parte de muitos dos primeiros. Quando menos, na Europa há mais receptividade à nudez do que no Brasil, à conta da herança teológica, vale dizer, cristã, que marcadamente influenciou os costumes de conservadorismo, mais presentes entre nós do que na Europa. Eis porque, lá, o nudismo difundiu-se mais do que cá.

O que é naturismo.

Denominam-se de naturismo duas concepções, uma da medicina; outra, dos costumes. No aspecto médico, naturismo, naturoterapia ou medicina natural identifica as práticas profiláticas ou terapêuticas que empregam substâncias naturais, nula ou escassamente processadas industrialmente. No seu caráter holístico (Augusto Comte havê-la-ia adjetivado de “sintética”), ela entende que o corpo acha-se relacionado com a mente e com o ambiente, por modo a formarem conjunto, ao invés de entendê-los como realidades dissociadas uma das outras.

No aspecto dos costumes, naturismo indica a vida em harmonia com a natureza, mercê do desnudamento em comum, em praias, parques, campos, no escopo de favorecer-se o respeito por si próprio, por outrem e pelo ambiente. Segundo os naturistas, os trajes podem representar incômodo e a sua ausência propicia sensação de liberdade, seja no lar, seja em espaços públicos, a exemplo de praias, campos, parques, piscinas, fora de qualquer conotação sexual: a exposição do corpo, inclusivamente da genitália, das nádegas e das mamas, apenas estende a tais regiões o desnudamento que, normalmente, se admite em relação ao restante corpo. Da mesma forma como, fora dos ambientes naturistas, não se atribui inspiração erótica ao desnudamento do tórax, das coxas, dos braços, neles, a exposição das partes sexuais tampouco se conota com a sexualidade.

Na nudez naturista expõem-se as partes sexuais, sem sexualidade enquanto, em contrapartida, a mentalidade que leva ao encobrimento delas fundamenta-se precisamente na identificação, como por inerência, entre sexualidade e o que se encobre, e na necessidade de repressão sexual. Para o nudista, a nudez não é sexual; para o encobridor, é-o. Com isto, quem enfatiza a sexualidade não é o nudista, porém o encobridor.

 

Naturista. Nudista.

Naturista e nudista são equivalentes, para efeitos da prática da nudez e do contacto com a natureza. A Federação Naturista Internacional adotou, em 1974, definição do movimento, em que se emprega a locução “Naturismo (Nudismo)”. Por sua vez, o vigésimo nono Congresso Mundial de Naturismo, reunido em Valalta (Croácia), em 2004 estabeleceu a sinonímia das duas palavras, das quais os franceses preferiam “naturismo” porque houvesse, na França, conotação despectiva no termo “nudismo”, o que não se verifica no Brasil nem nos mais países. Assim, empregar-se nudista ou naturista pertence, indiferentemente, à preferência pessoal.

Sinônimo de naturismo e de nudismo (de etimologia latina) é gimnosofia (de etimologia grega), prática da nudez social mercê, sobretudo, de exercícios físicos e banhos de ar puro, água e luz.[1]

Uma corrente nudista chama-se de nudismo depilado, cujos partícipes rapam, sempre, os pelos pubianos e, nem sempre, os toráccicos.

 

Nudismo na Alemanha.

Na Alemanha, país por excelência do nudismo, ele é conhecido como “cultura do corpo livre”, expressão pela qual se traduz o vocábulo alemão Freikörperkultur (por abreviação, F.K.K.), denominação posterior à de cultura da nudez (Nacktkultur).

O primeiro grêmio da cultura do corpo livre surgiu em 1898, em Essen. Três anos antes, em 1895, fundara-se em Berlim o movimento juvenil Wandervögel (“ave migratória”), em que os jovens reuniam-se para efetuar longas caminhadas pedestres em florestas, com noites ao relento e banhos nus, em rios e lagos. Em 1914 havia vinte e cinco mil adeptos do Wandervögel, a que se combinaram os movimentos nudistas. Reprimido pelo governo nacional-socialista (nazista) em 1933, recrudesceu após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Atualmente, o movimento nudista alemão conta com cinqüenta mil adeptos e com parques de nudismo em Berlim, Munique, Hamburgo e Francoforte. Na Alemanha, é comum o desnudamento das pessoas, nos seus lares, e a ausência de vergonha de ser observado nu. Na Flórida, existem cerca de duzentos centros de bem estar (“resorts”) naturistas.

 

Nudismo na Europa.

Na Dinamarca, na Espanha, na Grécia, na Croácia, na Inglaterra, na Suécia, na Noruega, na Finlândia, na França (também no Japão), as pessoas não se escandalizam com a nudez; ao contrário, entendem-na com naturalidade. Nas praias, as mulheres andam de mamas ao vento, ou seja, descobrem os seios.

Na Suécia, pratica-se sauna em família, com desnudamento de todos e adota-se a cultura do corpo livre.

Segundo o Guia Mundial da Federação Naturista Internacional, na sua edição de 2005, em diversos países havia espaços naturistas, a saber: 170 na França; 141 na Alemanha; 122 nos EE.UU.AA.; 65 na Grã-Bretanha (em 1952 havia 33 campos nudistas); 57 na Holanda; 40 no Canadá; 30 na Austrália; 21 na Austria; 21 na Nova Zelândia; 19 na Croácia; 16 na Espanha; 12 na Suécia e 10 no Brasil.[2]

Conforme dados de 2009, havia, então, meio milhão de nudistas na Itália, 20 milhões na Europa e o dobro nos EE.UU.AA.; havia 230 praias nudistas na Espanha e, no conjunto europeu, 600 espaços de nudismo.

Na França, em 1950  havia menos de cinco espaços naturistas; em 2006, para mais dos espaços, existiam 150 grêmios de naturistas, indício de que em duas gerações, as mentalidades modificaram-se acentuadamente; 42% dos franceses praticam o nudismo em família[3].

Nos mesmos anos 50 do século 20, praticava-se, na Itália, o nudismo como atividade oculta e censurada, na ilha de Ponza e na praia de Focene. Em 1964 surgiu a União Naturista Italiana, a que se seguiu, em 1972, a Federação Naturista Italiana. Em 2000 a Corte de Cassação da Itália considerou, por acórdão, legal o nudismo nos lugares em que ele é consuetudinário, no território italiano.

O festival de Roskilde, cidade da Dinamarca, é evento musical juvenil que se realiza desde 1971; das suas atrações uma constitui-se da corrida dos nus, em que homens e mulheres inteiramente desnudados disputam uma corrida.

 

Pedalada nua.

Em várias cidades européias efetua-se a Pedalada Nua, passeio ciclístico cujos participantes, homens e mulheres de todas as idades, apresentam-se parcialmente vestidos (de genitália e mamas veladas) ou, na sua maioria, inteiramente nus ou, se tanto, calçados. Ela destina-se a enfatizar a necessidade de segurança no trânsito e a incutir nas pessoas atitude positiva em relação ao corpo. Dados os antecedentes de convívio nudista, em vários países europeus, compreende-se que as Pedaladas Nuas neles surgissem e persistissem, sem provocar escândalos; ao contrário, ao menos na Alemanha, na Inglaterra e nos países nórdicos (em que a nudez nas saunas é corrente) elas representam a exposição pública, em passeios ciclísticos, da nudez praticada por milhares de pessoas. Se não praticada, ao menos conhecida e consentida como costume.

A primeira Pedalada Nua ocorreu em 2004, nos Países Baixos, na Austrália, na Rússia e nos Estados Unidos da América. Também a houve na Espanha, na Polônia, na Austria, no Canadá, na Dinamarca, na França, em Israel, na República Tcheca, na Letônia e na Nova Zelândia.

Na França, na Espanha e na Inglaterra, os seus participantes, às dezenas, homens e mulheres, apresentam-se de genitália e mamas descobertas, sem nenhuma vergonha de exporem o seu corpo nas ruas e parques, em meio aos olhares dos curiosos e dos indiferentes. É livre fotografá-los e, realmente, populares e participantes fotografam o evento e a nudez com total liberdade. Há imagens de belos homens e de belas mulheres, em que se observam, distintamente, os respectivos corpos, por inteiro, de frente ou de costas. Alguns posam para os fotógrafos: ninguém se escandaliza com a nudez.

No Brasil, introduziu-se a Pedalada Nua em 2008, na cidade de São Paulo: a polícia deteve o único dos seus participantes que se manteve despido. De 2009 por diante, passou a realizar-se de noite, no intuito de evitarem-se novas detenções. Quanta diferença em relação às Pedaladas Nuas européias, que transcorrem com nudez integral, de dia, sem que polícia nenhuma interfira com ninguém! A intervenção policial e a adoção do horário noturno servem como índice das mentalidades, ainda antiquadas, no Brasil.

Em 2014, a Pedalada Nua repetiu-se em Porto Alegre, Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, com diversos graus de desnudamento dos seus partícipes, o que exprime, já, índice de acréscimo da liberdade de costumes e de abandono gradual da vergonha do corpo. Falta, contudo, muito, aos brasileiros, para igualarem-se aos europeus, na desinibição destes em relação ao seu corpo e na ausência de pejo quanto à nudez. Nos ginásios de musculação de Curitiba, os homens adentram a cabine do chuveiro de cuecas e assim vestidos dela retiram-se. Julgo completamente ridículo que, no vestiário masculino, os homens pejem-se a este ponto.

 

Nudismo no Brasil. Hostilidade ao nudismo.

Dora Vivacqua, de nome artístico Luz del Fuego, criou, na cidade do Rio de Janeiro, em 1949, o Partido Naturalista Brasileiro, grêmio pioneiro do nudismo no Brasil. Em 1954, fundou o Clube do Sol, na ilha do Sol (na baía da Guanabara), em que se praticava o desnudamento.

O conservadorismo dos brasileiros e a sua mentalidade acentuadamente condicionada pelo catolicismo dificultaram sensivelmente a aceitação da naturalidade da nudez e a instituição de praias nudistas, dificuldades experimentadas, dramaticamente, por Celso Rossi, no seu esforço obstinado pela adoção do nudismo na praia do Pinho, em Balneário Camboriú (Santa Catarina), o que narrou em Naturismo. A redescoberta do homem (editora Magister, Porto Alegre, 1993), livro que interessa a título de reminiscências pessoais e, especialmente, como testemunho da forma mental do brasileiro, nos anos 80 do século 20, em que o nudismo suscitou curiosidade em muitos pelo seu inusitado e a hostilidade dos reacionários. “Muitos naturistas têm sido perseguidos, prejudicados em suas atividades profissionais por causa dos preconceitos e pela ação direta ou indireta das patrulhas moralistas”, observa  Paulo Pereira[4], que acrescenta: “Precisamos entender que existem muitos, e até poderosos, inimigos do Nudismo e dos seus pioneiros. Há muitos mal resolvidos, invejosos, críticos de arraial e cronistas caipiras, que tentam posar de puristas, mas não passam de prisioneiros dos sofismas e da objetividade burra”.[5]

 

            Herança cristã.

A vergonha do corpo, a recusa da nudez, a necessidade de encobrir-se o corpo, notadamente a genitália e as mamas, inclusivamente nas praias, a associação entre nudez e sexualidade e entre esta e pecado, exprimem a herança cultural cristã que ainda permeia a sociedade brasileira, como conservadorismo de costumes e como critério axiológico em que o natural é motivo de vergonha, tão diferentemente da sabedoria laica, segundo a qual naturalia non turpia, o que é natural não envergonha, e humana non sunt turpia, o que é humano não envergonha. Não deve envergonhar, ao menos; na Europa, não envergonha.

Em décadas anteriores, constituíam tabus a sexualidade em geral e a homossexualidade em particular, com ignorância, homofobia e sofrimentos inúteis para incontáveis homens e mulheres. Tanto a sexualidade quanto a homossexualidade reprimiam-se, a primeira por meio de pudor excessivo, a segundo por repulsa generalizada.

Sem apresentar dramatismo equivalente, a recusa da nudez filia-se, também, à origem bíblica, mercê de inúmeras passagens em que o deus respectivo proíbe a observação da nudez alheia e em que se interpreta o Gênesis no sentido que de, após a expulsão do Paraíso, Adão e Eva passaram a vestir-se (embora os naturistas cristãos entendam diferentemente, no sentido de coonestar a nudez).

Do cristianismo católico, protestante ou evangélico advém a irracionalidade da vergonha do corpo e as respectivas mentalidade e costumes, que se perpetuam por imitação, por inércia, geração após geração, e que merecem reflexão no sentido de avaliar-se a sua justificabilidade, reflexão que os europeus, notadamente os alemães, efetuaram já por volta de 1850. Daí a liberdade de que desfrutam eles: liberdade sadia e mentalidade livre de preconceitos, tabus e pudores irracionais, exemplo para os brasileiros.

Pertence à mentalidade brasileira a aceitação, da parte de muitos, do desnudamento de homens, uns perante os outros, porém não perante mulheres e vice-versa: reputa-se normal e natural o homem despir-se perante outro (“O que um tem, o outro também tem”, afirma-se, em alusão ao pênis e ao escroto; “Homem na frente de homem não tem problema”), e imoral fazê-lo perante uma mulher ou vice-versa.

Em parte, representa abertura de mentalidades; por outro lado, na restrição ao desnudamento frente à mulher, prevalece o tabu. Por que o homem não pode se despir diante da mulher ou vice-versa? Porque excitar-se-ia? Porque teria ereção? Porque assediaria a mulher? Trata-se de pretextos, de racionalizações do pudor como vergonha do corpo e como associação entre desnudamento e imoralidade: é moralmente aceitável um homem despir-se diante de outro; não o é, diante de uma mulher. Prevalece, no segundo caso, a nudez como problema moral, como complicação desnecessária e artificial da vida humana. Como diz o vulgo, é “coisa de brasileiro”; coisa de povo preconceituoso e desinstruído, digo eu.

Malgrado a condição de país tropical do Brasil e a condição de países temperados ou mesmo frios, dos europeus, o naturismo surgiu nestes, propagou-se neles, muito mais e muito antes do que no primeiro, quando o clima quente do Brasil deveria estimular o desnudamento, o que se verificou, dentro de limites, na Europa fria: entre nós, muitos julgam imoral, indecente, atentatório à moral e aos bons costumes a exposição das mamas e da genitália, ao passo que na Europa, a exposição do corpo, sem exceções, constitui prática normal, em inúmeras praias, campos e parques públicos.

Não foi determinante, entre brasileiros e europeus, a temperatura, senão as mentalidades. Prevalecesse o clima, seriam nudistas antes os primeiros do que os segundos, o que os fatos desmentem. O que eles, contudo, demonstram, é a persistência, entre os brasileiros, de padrões de juízo moral de origem teológica, segundo os quais se reprova a nudez, se associa a exposição de certas das suas partes com indecência, o velamento destas mesmas partes com o pudor e a moralidade.

Não existissem a Bíblia, a insistência das igrejas na austeridade dos indumentos e a sinonímia, apregoada por elas, entre nudez e imoralidade, e os brasileiros teriam de há muito percebido o corpo como natural e dissociado a sua exposição de censuras morais. Teriam, aliás, adotado como critério de moralidade não o velamento do corpo e sim o comportamento das pessoas, vestidas ou despidas. Quando menos, subalternizariam o primeiro ao segundo.

No entanto, os valores cristãos inveteraram-se na sociedade brasileira a ponto de a crença, sincera ou não, em deus; a repressão da sexualidade, em geral, e da homossexualidade em especial; a recusa do divórcio e a conseqüente indissolubilidade do matrimônio (até 1977, na legislação); possivelmente, o machismo e, certamente, a vergonha do corpo, haverem constituído a forma mental dos brasileiros e os seus critérios de juízo moral.

Descrer em deus é tão legítimo quanto a atitude oposta: o ateísmo não desvaloriza o ateu, como o teísmo não valoriza o crente. O ser humano é dotado de entendimento, reflexão e liberdade intelectual, todos três inibidos pela crença em deus como pressuposto cultural.

A repressão da sexualidade, em geral, o que inclui a masturbação e a cópula por prazer, e da homossexualidade, em especial, nega aspectos inevitáveis e naturais do ser humano e causou infelicidades, neuroses e sentimentos de culpa desnecessários em milhares de pessoas, ao longo de séculos.

A recusa do divórcio jungia os casais a coabitações freqüentemente insuportáveis ou a manterem relações de simples aparência, com a negação da possibilidade de segundo e feliz casamento (antes da morte do primeiro cônjuge).

A desigualdade entre homem e mulher, a sujeição da mulher ao marido inferiorizaram as segundas, na legislação e nos costumes; mantiveram-nas, por décadas, ignorantes, submissas e excluídas de participarem de várias formas de atividade humana.

A vergonha do corpo e o pudor entendido como o seu ocultamento induziram os brasileiros a reações de repulsa e de censura inteiramente sem sentido, perante a exposição das mamas e do pênis, fosse, freqüentemente, no lar, fosse ao ar livre.

Nestes vários aspectos da formação cultural dos brasileiros, a doutrinação católica e protestante e evangélica incutiu-lhes motivos de sofrimento inútil e critérios axiológicos irracionais, diferentemente da Europa, mais instruída, mais esclarecida, mais laica, menos teológica, mais receptiva à liberdade de costumes. Eis porque os critérios de distinção do bom e do mal, do justo e do injusto, do certo e do errado, do censurável e do louvável devem dissociar-se dos textos bíblicos e de motivações inspiradas na alegada vontade divina e, ao revés, fundarem-se no senso de liberdade individual, de respeito pelo próximo, de utilidade humana.

Onde prevalece a mentalidade teológica, como no Brasil, cuja massa populacional apresenta nível de instrução raso, certos valores e os costumes que originam tendem a persistir. É imperioso instruir e elevar a condição intelectual das pessoas, em geral, caminho que trilhar no sentido do seu esclarecimento, da eliminação de arcaísmos mentais, de costumes intolerantes, de critérios humanos de juízo e comportamento. Instruir é laicizar: em relação à nudez e não só, a Europa instruída e laica acha-se gerações adiante do Brasil em que, aliás, a difusão das igrejas evangélicas representa fator poderoso de retrocesso das mentalidades e dos costumes, e de obscurantismo dos entendimentos.

A nudez é problemática para o teológico; não o é para o laico. Mesmo que se desvaneça a consciência da origem bíblica da vergonha do corpo, as pessoas, no Brasil, conservam, em alguma medida, a mentalidade que ela originou: pejam-se do seu corpo, hostilizam as praias de nudismo, inibem-se do olhar alheio por haverem sido ensinadas a comportarem-se desta forma, semelhantemente à heteronormatividade (mentalidade segundo a qual a heterossexualidade constitui a condição sexual por excelência, ou antes, a única forma correta e aceitável de sexualidade) e à exigência da virgindade pré-nupcial (desusada a décadas), que as pessoas mantinham como critério do certo por pura tradição que, recebida acriticamente, acriticamente transmitiam.

Em matéria de moral e de costumes, a herança bíblica introduziu proibições, prescrições, tabus, preconceitos, obscurantismos, irracionalidades, sofrimentos injustificáveis e inúteis. É falso, por isto, afirmar-se que “toda religião leva ao bem”, que “a finalidade da religião é o bem”, que a “religião prega o amor”. No capítulo da liberdade de costumes, as religiões inculcam o mal, a restrição, a proibição, a irracionalidade, o sofrimento inútil; pregam estupidezes.

 

Liberdade.

O condicionamento cultural que a religião transmitiu e transmite à sociedade brasileira, no sentido do pudor como vergonha da nudez, tolhe a liberdade individual: enquanto o ethos do alemão, do croata, do inglês, do espanhol, do sueco, do dinamarquês, de muitos norte-americanos, é o de que há liberdade individual de vestir-se e de abster-se de fazê-lo, o ethos do brasileiro corresponde à obrigação de vestir-se, quando menos, de ocultarem-se a genitália, as nádegas e as mamas.

Alguns brasileiros admitem o nudismo doméstico, integral; outros, em parte. Raros brasileiros admitiriam o desnudamento completo em público, com o à vontade e a liberdade presentes em vários pontos da Europa, dos E.U.A. e, quiçá, de alhures.

Como inovação dos anos recentes, despontaram as Pedaladas Nuas; como novidade de algumas décadas, surgiram praias de nudismo: as primeiras, como acontecimentos isolados, as segundas, como verdadeiros redutos. Ambos, sob forma de excepcionalidade, e não de normalidade: os costumes dos brasileiros tolhem-lhes a liberdade de estar nu, em termos, em casa e, notadamente, fora de casa.

Não faltará brasileiro (ao revés, eles sobejarão) que reaja com exclamações reveladoras da sua mentalidade, desde as mais toscas até as mais supostamente justificáveis: “Que imoralidade!”, “Que indecência!”, “Que absurdo!”, “O que vai se dizer para uma criança que vir um pelado na rua?”, “É um desrespeito às famílias e um perigo para as nossas crianças!”, “Que valores nós estamos transmitindo para os nossos jovens?”[6].

“Onde já se viu homem beijando homem?”; “Que absurdo, homem casar com homem!”. Mas existe em Portugal, na Espanha, na Holanda, na Bélgica, no Canadá, na Africa do Sul, na Argentina, em vários estados dos E.U.A..

Tardígrado em matéria de liberdades, o brasileiro exclamava assim; já exclama menos; a geração sub-25 já não exclama: adquirimos liberdades. Não gosta, não use; respeite quem gosta e não o julgue.

“Onde já se viu gente pelada na rua?”; “Que absurdo, alguém pelado na frente de todo o mundo!”. Mas existe na Espanha, na Dinamarca, na Inglaterra, na Alemanha, na Austrália, na França, nos E.U.A..

Não há imoralidade nenhuma na exposição de qualquer parte do corpo, seja onde for. O corpo não deve ser fonte de vergonha.

Não há influência perversa nenhuma sobre as crianças. Ao contrário, criança que se acostuma a observar a nudez dos seus pais e de terceiros desenvolve-se saudavelmente e será adulto livre de complexos de culpa, de vergonha, de inibições relativas ao seu corpo. A nudez não representa fonte de deseducação.

O que faz falta a certos brasileiros é a percepção da naturalidade do corpo e a dissociação da nudez em relação à sexualidade; é, também, a noção da nudez como liberdade.

É elemento da liberdade individual optar por vestir-se ou por não o fazer; por apresentar-se vestido ou despido, em público, ao menos, dentro de certos limites. Admite-se, sim, a nudez total, em público na Alemanha, na Austria, na Espanha, na França, em parte dos E.U.A., onde não constitui nem crime nem atentado ao pudor (como figura penal) nem indecência (como padrão moral) usufruir da liberdade a tal ponto.

Quem observa, na Espanha, na nos E.U.A., na Dinamarca, em Londres, na Alemanha, pessoas inteiramente nuas, em público, nas ruas, sob o olhar de alguns curiosos e com a indiferença dos mais, percebe que a nudez não escandaliza quem não foi ensinado a escandalizar-se com ela e que ela não molesta quem não foi ensinado a reputá-la daninha. Percebe mais: averigüa que nos países de nudez natural, a sua conseqüência exprime-se pela liberdade de se apresentar nu perante outrem. Naturalia non turpia, o natural não envergonha, e humana non sunt turpia, o que é humano não envergonha, diziam os antigos.

No Brasil, contudo, tal liberdade inexiste. Aqui, a liberdade individual acha-se tolhida pelo consenso, pelo tropo, pela “obviedade” de que todos devem apresentar-se vestidos em público, mesmo nas praias.

Assim como “obviamente” a heterossexualidade constituía o normal, o certo, a única via socialmente aprovada e, com o andar dos tempos perdeu a sua obviedade e, atualmente, a gente esclarecida aceita a homossexualidade, assim, analogamente, o vestir-se representa a obviedade cultural do brasileiro, porém não mais de muitos europeus, cuja mentalidade e cujos costumes acrescentaram-se em liberdade de ser e de estar.

A nudez própria não peja o europeu; a nudez alheia não o constrange; vê-la não o molesta: daí cenas, as mais variadas, como a corrida dos nus em Roskilde (Dinamarca), a de Meredith (na Austrália), pessoas nuas no metrô de Berlim, as pedaladas nuas em Londres, na Espanha; os jogadores da seleção croata no hotel em que se hospedaram em Salvador, na copa de 2014 (para escândalo de alguns brasileiros pudicos); rapazes que se deslocam, nus, pelas ruas, de bicicleta ou de tábua (“skateboard”); rapazes que se fazem fotografar nus, em grupos, em plena rua, outros, nus em viagens de ônibus; a exposição de nus, em varandas de edifícios, ao alcance dos olhares alheios. Nos E.U.A., malgrado a sua população seja, em considerável proporção (aliás, decrescente)  religiosa-careta, há, muito mais do que no Brasil, liberdade de nudez; admite-se o desnudamento integral em público em Nova Iorque e não só; há escolas nudistas na Califórnia: todos nus, rapazes, moças e professores; há cerca de 200 centros de bem-estar (“resorts”) nudistas. Por outro lado, entre os anos de 1930 e 1970, nas piscinas das Associações Cristãs de Moços (protestantes), os rapazes nadavam nus até que o encaretamento prevaleceu e impôs-lhes o encobrimento do pênis nas piscinas.

Na Alemanha, havia escolas nudistas em várias cidades, inspiradas no modelo do prof. Adolfo Koch. Mas o brasileiro ignora tudo isto; sequer ouviu dizer disto tudo: ele vive isolado dos costumes de liberdade.

Já estou a imaginar os religiosos-brasileiros-pudômanos horrorizados com tamanhas perversões de costumes, exclamando “aonde isto vai parar?!”. Vestidos com camisas de mangas compridas, calças compridas, sapatos fechados pretos; mulheres de saias, cabelos presos na nuca (em Curitiba é assim) e igrejeiros, viram o rosto diante de alguém nu, em nome dos seus princípios. Certamente transam no escuro, sentem vergonha da sua sexualidade e intenso sentimento de culpa a cada vez em que copulam ou em que os homens masturbam-se. É este tipo de mentalidade que você quer ???? Nem todos são assim, porém os há.  É este tipo de mentalidade que criou a pudibundaria que você introjetou,  que você pratica, que você transmite aos seus filhos e a que você foi acostumado.

No Brasil, recusa-se o monoquíni (mamas ao vento): é moralmente obrigatório que as mulheres velem, nas praias, as suas mamas; em certos ginásios de musculação, em Curitiba, no vestiário masculino, os chuveiros são isolados por paredes altas e mediante portas. Neles, a pudibundaria chega ao ponto em que os homens ingressam nas cabines dos chuveiros de cuecas e delas se retiram, também de cuecas. Ocultam a sua genitália mesmo no vestiário![7]

Alguns retiram-se da cabine com a genitália velada por uma toalha, por debaixo da qual vestem a cueca, sem a retirar; vestida a cueca, retiram a toalha. São incapazes de expor o seu falo e a sua bunda sequer para vestirem-se. É cena que recorda os seminários jesuítas e as escolas de freiras, para moças, do século 19, em que os alunos eram ensinados a vestirem-se mediante verdadeiros malabarismos, por modo a ocultar dos circunstantes a observação do seu corpo. Gente assim vive em 2014 com o ethos católico-medieval.

Em 2014, o padrão cultural dos brasileiros, notadamente jovens, enriqueceu-se com a liberdade de ser; não se lhe acrescentou, porém, a de estar, quero dizer, a liberdade da nudez. Trata-se de mais um passo no sentido da liberdade como valor e como norte.

Agora, preste bem atenção nisto: em Direito, só é proibido o que se acha formal e expressamente proibido. O que não se acha formal e expressamente proibido, é permitido. Não há, no direito brasileiro, proibição nenhuma de se andar nu na rua, nas praias ou em público. Não há tal proibição. A nudez não é proibida nem o maldito artigo 233 pune-a explicitamente.

Não há crime na nudez; existe a interpretação dos policiais e dos juízes de que ela constitui ato obsceno. Era assim na França, que, há anos, aboliu o crime de atentado ao pudor e substituiu-o pelo de exibição sexual. A nudez não constitui exibição sexual, não nos é proibida nem é crime. Com que autoridade o policial intervém para mandar a mulher cobrir as suas mamas ou o homem vestir sunga ?

Sigamos o exemplo europeu; desfrutemos do nosso clima; libertemo-nos de arcaísmos mentais e de rotinas.

 

O artigo 233 do Código Penal.

O artigo 233 do Código Penal comina detenção de três meses a um ano, ou multa, a quem “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”.

É obsceno o ato de conotação sexual, o comportamento cujo conteúdo seja de sexualidade, que se pratique em lugar de acesso às pessoas em geral (praças, ruas), em recinto a que as pessoas possam aceder ou em lugar em que o autor do ato possa ser observado por terceiros (uma janela, por exemplo).

Este artigo é característico da moralidade repressora da sexualidade. Ele pune a manifestação de sexualidade, visível por outrem. Não se trata de punir manifestações quaisquer, senão as de natureza sexual: o valor que se contém nesta norma é o da repressão da liberdade de manifestação especificamente dotada de conteúdo sexual. Não está em causa a liberdade, porém a censura à sexualidade.

A exposição do corpo, em público, não constitui ato obsceno. O corpo nu, exposto em lugar público, à vista de toda a gente, seja em praça, em parque público, na janela de casa, não passa disto mesmo: do corpo de alguém, destituído de trajes. A condição de nudez não atribui, por si só, conteúdo sexual ao corpo exposto. A exposição dos seios nas praias, por exemplo, não é ato de natureza sexual; é, apenas, ato de exposição de parte do corpo. A exposição da genitália ou das nádegas,nas praias ou em praça pública, não é ato de natureza sexual; é, apenas, ato de exposição de parte do corpo.

A associação entre seios, pênis, nádegas, por um lado, e sexualidade, por outro, é artificial. Não há relação de inerência entre os primeiros e a segunda. Os seios, o pênis e as nádegas não são necessariamente sexuais; a sua exposição não é necessariamente sexual.

O artigo 233 do Código Penal fundamenta-se em dois pressupostos, que não explicita, e em uma mentalidade; produz uma conseqüência.

Os pressupostos são os de que há relação de inerência entre certas partes do corpo e a sexualidade, e o de que a exposição delas é forçosamente sexual. Eles são falsos.

A mentalidade é a de que a sexualidade deve ser reprimida. Este artigo representa manifestação pontual de um ethos cultural anti-sexual, que permeava a sociedade brasileira em 1940, ao tempo da redação do Código Penal; ele exprime a mentalidade peculiar do cristianismo, é artigo característico de sociedades cristianizadas, que interiorizaram certos valores, certas proibições da religião dominante. Ele traduz, juridicamente, os preceitos bíblicos de que a nudez é indesejável. No fundo, é crime de origem teológica.

Setenta e quatro anos atrás, sexo era tabu, as proibições relativas à vida sexual eram acentuadas, o sentimento de culpa pelo exercício da sexualidade era arraigado em muitas pessoas.

Porém 2014 não é mais 1940. Entrementes, a sociedade mudou, os costumes e as mentalidades adquiriram liberdade. Advieram, em força, a liberdade sexual, o controle de natalidade, a contracepção; incrementou-se a sexualidade pré-conjugal, descriminou-se o adultério, legalizou-se o divórcio; introduziu-se a educação sexual nas escolas, abandonou-se o tabu da virgindade feminina, instituiu-se o casamento homossexual, sexo deixou de ser tabu.

Os tempos são outros. A obscenidade de 2014 não é mais, não pode ser a de 1940. O que ofendia o pudor público em 1940 não o ofende mais.

A exposição das mamas, nas praias, nos parques públicos; a exposição da genitália e das nádegas nas praias e nos parques públicos; a nudez integral em público não escandaliza como escandalizava a geração dos nossos avós e bisavós.

Não é mais compatível com o estado das mentalidades dos brasileiros, com o advento da liberdade de costumes reputarem-se obscenos atos que não o são, que as pessoas não consideram mais como tal.

É claro que sempre haverá os pudicos, os de sensibilidade exacerbada, os intolerantes, os mal-resolvidos: para estes, toda nudez é sexual e deve ser castigada. São os extremistas da moral e, freqüentemente, falsos moralistas.

Tudo isto já perceberam os europeus há décadas. Eis porque, na Europa, as Pedaladas Nuas realizam-se de dia,com ciclistas inteiramente pelados; eis porque, em Nova Iorque, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha, quem o desejar, é livre de circular pelas cidades em nudez total. E as pessoas fazem-no.

Se uma mulher expõe as mamas nas praias, não pratica ato obsceno nenhum. Se, em uma praia qualquer, um banhista despe o calção ou a sunga, não pratica ato obsceno nenhum. Se alguém perambula nu pela cidade, não pratica ato obsceno nenhum.

O entendimento dos juristas deve acompanhar a evolução dos paradigmas culturais: o conceito doutrinário e jurisprudencial do que seja ato obsceno deve corresponder ao nosso tempo, em que a repressão sexual abrandou-se consideravelmente e em que o caráter de tabu da  sexualidade pertence ao passado.
Não faz sentido o policial intervir sobre a estrangeira que andou de mamas ao vento em uma praia da cidade do Rio de Janeiro, para que ela as cobrisse . Não faz sentido a polícia deter o sujeito que, em Jaraguá do Sul, perambulou nu. Isto são atitudes arcaicas, retrógradas; são obscenidades em sentido conotativo, pois ofendem a liberdade individual e a de costumes de 2014.

A conseqüência da aplicação do artigo 233 do C.C., aplicado como o fez a polícia de Jaraguá, é a da limitação da liberdade do cidadão. Não é país de costumes livres o em que se detém quem expõe as mamas ou a genitália, nas praias, ou quem anda nu pelas ruas. O que está em causa é a liberdade individual, a de não se vestir, a de estar-se pelado onde se queira. É liberdade que o brasileiro ainda não concebe, que ainda não lhe ingressou no horizonte existencial; é liberdade cuja existência ele ignora ou, se tanto, de cuja existência sabe na Europa e nos E.U.A. Por que ela não poderia surgir no Brasil?

Pode. Ela pode surgir entre nós, se houver opinião pública que se manifeste a respeito, que propague o princípio da naturalidade da nudez, que antagonize a sua repressão, que enalteça o direito à nudez, que a dissocie da sexualidade, que lhe remova o estigma da obscenidade. Opinião pública esclarecida e interveniente.

(Não culpo a polícia: ela apenas serve de veículo do arcaísmo da mentalidade do brasileiro).

Na Alemanha, na Inglaterra, em Nova Iorque, a moral e a lei admitem a nudez total em público: constitui direito de cidadania não se vestir e apresentar-se desnudo na rua, nas lojas, nos mercados, no metrô. Não me crê? Há fotografias disto.

Se você julga que o sujeito que perambulou nu em Jaraguá mereceu ser detido, é  porque julga que ele cometeu ato obsceno. Se considera assim, é porque concorda com que o pênis e as nádegas são indecentes. Agora, responda-me: se for homem: o seu falo é indecente? Se for mulher: as suas mamas são indecentes? Se sim, então, o seu corpo é, em parte, indecente e deve ser oculto. Agora, responda-me novamente: o seu corpo, em parte, é, de fato, indecente ou trata-se de preconceito que você interiorizou ?      Não apenas  não fazem sentido a culpabilização da nudez, a vergonha do corpo, a repressão da liberdade individual, o inculcamento de preconceito contra o corpo, como não faz sentido que a lei, no caso, o Código Penal, no seu artigo 233, exprima valores e conceitos teológicos, nomeadamente cristãos, especificamente dogma extraído da Bíblia. Esta, livro sagrado para os fiéis dos credos que o admitem como tal, não pode fornecer critérios para quantos não partilham deles, não pode justificar a repressão das liberdades das pessoas quaisquer. É imperioso divorciar o religioso do civil, o teológico do laico, o pecado do crime.

Nenhum valor humano, nenhum critério laico, nenhum interesse terreno, nenhum motivo natural justifica a demonização do corpo, a associação artificial entre a nudez e a sexualidade, a punição da sua exposição.

As mentalidades, no ocidente, e sobretudo nas décadas recentes, vem se aproximando das liberdades individuais e de costumes, da aceitação das variações humanas; vem se afastando dos tabus, dos obscurantismos, dos preconceitos. Falta, ainda, aos brasileiros, dar um passo adiante e descobrir a naturalidade da nudez, sem restrições, sem pudores artificiais, sem pejos preconceituosos.

Cabe ao pessoal jurídico atuar como agentes de transformação e combater o artigo 233 do Código Penal, na sua exegese e na sua redação, mesmo na sua existência. Sirva-nos a Europa de exemplo.

 

 

 

Evolução.

 

Que inovação de costumes corresponde à laicidade e à naturalidade do corpo? As já existentes na Europa: campos de nudismo, centros de bem estar nudistas e a nudez, por inteiro, nas praias. Aliás, pouco falta para o terceiro elemento, no Brasil, porém sobeja moralismo que censura a exposição das mamas femininas.

Ao invés de haver praias de nudismo, como trechos de areal reservados exclusivamente aos despidos, todas as praias brasileiras deveriam admitir a nudez de quem quisesse despir-se. É como tudo: não gosta? Não use, porém não impeça os demais de usarem. E depois de que usar, perceberá que passou a gostar…

A ninguém ocorreu, no Brasil, ainda, a iniciativa de abrir campos e centros de bem estar (“resorts”) nudistas (destes, há cerca de duzentos na Flórida): piscinas, desporto, convivência, jogos, ambiente familiar. Os empresários brasileiros são, ainda, suficientemente tíbios ou tacanhos para inibirem-se da tentativa a que, suponho, aderiria a classe média, financeiramente capaz e de mente aberta.

Quando é que os brasileiros deixarão de ser bitolados? Quando é que as brasileiras andarão de mamas ao vento nas praias ? Quando é que os brasileiros poderão desfrutar da liberdade de se despirem inteiramente nas praias? Quando é que os brasileiros desfrutarão da liberdade de nudez em público? Quando é que se criará o primeiro campo de nudismo ou o primeiro centro de bem estar (“resort”) nudista no Brasil tropical ?

 

Diretrizes Normativas do Naturismo Brasileiro[8]

 1-       O naturista deve integrar-se no seio da natureza, visando o aprimoramento do corpo e do espírito, sempre sem preconceito de classe social, de raça, de idade, de religião, de nacionalidade, de orientação política, de preferência sexual ou de estado civil.

2-      A prática nudista, principal fundamento doutrinário do Naturismo, deve priorizar a família como base de uma melhor integração social, que busque uma boa qualidade de vida e de educação, inclusive de crianças e jovens.

3-      O naturista deve sempre reagir, com serenidade, contra todas as formas exacerbadas de artificialismo.

4-      A boa prática naturista começa, sobretudo, na mente, pois é mais importante desnudar-se psicologicamente do que simplesmente despir-se.

5-      Ser naturista é ser despido, antes de tudo, de violência; é ser fraterno sem ser promíscuo.

6-      O naturista deve ser solícito, mas respeitando sempre a privacidade do companheiro (a) nas áreas restritas.

7-      O naturista deve estimular com discrição, a iniciação dos novatos, difundindo, sempre que possível, as normas e fundamentos do Naturismo.

8-      O naturista deve utilizar instrumentos ou aparelhos sonoros que não perturbem a tranqüilidade alheia.

9-      O bom naturista não deve deixar lixo de qualquer espécie, nas áreas comuns (ou fora dos locais adequados) nem satisfazer necessidades fisiológicas nas áreas públicas.

10-   O naturista não deve praticar atos de caráter sexual explícito nas áreas públicas, nem agir de forma desrespeitosa com quer que seja.

11-    É proibido filmar, fotografar ou gravar, por qualquer método, ou em qualquer distância, os demais naturistas, sem consentimento prévio.

12-   É proibido entrar nas áreas naturistas portando bebidas alcoólicas ou drogas que causem dependência física ou psicológica.

13-   É proibido trazer animais para as áreas públicas.

14-   O naturista não deve praticar jogos fora das áreas demarcadas.

15-   Os menores de dezoito anos só podem freqüentar espaços naturistas quando rigorosamente acompanhados pelos pais ou responsáveis.

16-   O Naturismo não é mero modismo, mas sim uma consciente opção de vida, o que faz os naturistas responsáveis pelo bom exemplo na convivência com os companheiros e com a sociedade em geral.

Galerias de fotografias em

http://nakedriders.tumblr.com/

http://publiclynude.tumblr.com/

Leituras:

https://arthurlacerda.wordpress.com/2014/01/25/nudez-e-vergonha-do-corpo/  (Nudez e vergonha do corpo, da minha autoria, com fotografias).

http://www.fbrn.com.br/?page=downloads

http://www.dw.de/com-7-milh%C3%B5es-de-adeptos-nudismo-%C3%A9-pr%C3%A1tica-tradicional-na-alemanha/a-5707351

 

http://www.fbrn.com.br/?page=downloads&document=edson_medeiros__nudoterapia_em_tempo_integral.pdf

http://peladista.blogspot.com.br/2011/08/criancas-no-naturismo.html

 

  1. C. Bologne. História do pudor.

Celso Rossi. Naturismo.

Paulo Pereira. Corpos nus. Verdade natural

Arnoldo Piratininga. Viagem ao país da gente nua.

Arnoldo Piratininga. Vamos praticar o nú?

Alexander Neill. Liberdade sem medo.

 

[1] Jean Deste, Le nudism, 1961, citado por Paulo Pereira, Corpus nus, Rio de Janeiro, 1966.

[2] Segundo Paulo Pereira, em Corpus nus (terceira edição, p.118).

[3] Segundo Paulo Pereira, em Corpus nus (terceira edição, p. 56), sem indicação da data da pesquisa.

[4] Corpos nus, terceira edição, p. 54.

[5] Corpus nus, terceira edição, p. 251.

[6] Se soubessem usar o pronome na primeira pessoa do plural: atualmente, os brasileiros desaprenderam todos os pronomes, que substituem pela expressão “a gente”. “A gente” sou eu, és tu, somos nós, são eles. Também assim se empobrece o idioma.

[7] É comportamento que considero especialmente sem sentido. Ele serve como índice da interiorização da vergonha do corpo.

[8] Corpos nus, terceira edição, p. 175-6.

 

  

 

 

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