Positivismo: algumas notas

 

 

Positivismo: algumas notas

Setembro de 2007

arthurlacerda@onda.com.br

 

            Em fins de agosto de 2007, respondi a algumas consultas de um estudante, acerca do Positivismo, que se debatia com a ausência de fontes corretas e compreensíveis. O que se segue, corresponde ao conteúdo das minhas respostas a ele, com algum desenvolvimento e com alguma ordem, no intuito de servir de fonte a quantos interessem-se pelo Positivismo.

           

           

            Definição         

 

            O Positivismo é a  doutrina criada pelo  francês Augusto Comte (1798-1857)  e cujos princípios correspondem:

                        a) ao entendimento, em filosofia,  de que o mundo funciona segundo leis naturais que lhe são inerentes, e não segundo a intervenção de seres sobrenaturais (Deus) nem de energias, espíritos ou forças igualmente sobrenaturais. As leis naturais correspondem à maneira regular e constante como os fenômenos domundo e do homem acontecem (fenômenos da mate´matica, da astronomia, da física, da química, da biologia, da sociologia e da psicologia, ou seja, os que se referem ao Mundo e ao Homem). Este entendimento corresponde ao "espírito positivo", à mentalidade da ciência, que observa os fatos e formula leis , que permitem prever os acontecimentos e intervir sobre eles. Daí a possibilidade de o ser humano atuar sobre o mundo em que vive.

            b) ao entendimento, em religião, de que  há um ser supremo, superior a cada indivíduo, a Humanidade, conjunto dos seres humanos benéficos de todos os tempos. O Pos. é uma religião; Comte criou a religião da Humanidade. Atençã que religião não é teologia; teologia é a explicação do mundo com base em um deus; religião todo sistema, conjunto de princípios intelectuais,d e inspirações afetvas e de critérios de atuação prática, que orienta as pessoas e as une entre si.  A religião da Humanidade é atéia e cultua osgrandes homens de todos os tempos, adota como critério da moral o altruísmo.

            c) ao entendimento, em moral,  de que o altruísmo, vale dizer, a bondade sob todas as suas formas é preferível ao egoísmo sob qualquer das suas expressões,

                        d) ao entendimento, em política, de que o Governo deve atuar sobre as coisas, e jamais sobre os pensamentos, ou seja, deve ocupar-se da administração da vida material de cada coletividade, sem interferir no que se relacione com as convicções das pessoas; e de que deve o Estado assumir a laicidade.

 

            Lei dos três estados

 

            Comte percebeu que a explicação dos fenômenos passa por três fases, ou seja, que o ser humano explica-os por três formas sucessivas. A esta seqüência, denominou lei dos três estados. Há, na verdade, três leis dos três estados, uma relativa à inteligência, outra, à atividade, a última, à afetividade, e das quais, a mais conhecida é a primeira, que exponho, com base no texto da primeira lição do Sistema de Filosofia Positiva, de Comte:

            “Estudando o desenvolvimento total da inteligência humana, em suas diversas esferas de atividade, desde o seu primeiro impulso mais simples, até os nossos dias, creio haver descoberto uma grande lei fundamental, à qual ele acha-se submetido por uma necessidade invariável, e que parece-me poder ser solidamente estabelecida, seja por provas racionais fornecidas pelo conhecimento da nossa organização, seja por verificações históricas que resultam de um exame atento do passado. Esta lei consiste em que cada uma

das nossas principais concepções, cada ramo dos nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados teóricos diferentes: o estado teológico ou fictício; o metafísico ou abstrato; o científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, pela sua natureza, emprega sucessivamente em cada uma das suas pesquisas, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiramente, o método teológico, em seguida, o metafísico e, por fim, o positivo. Daí, três tipos de filosofia, ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto dos fenômenos, que excluem-se mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda é unicamente destinada a servir de transição.

            No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente as suas pesquisas em direção à natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o impressionam, em uma palavra, em direção aos conhecimentos absolutos, representa os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais, mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.

            No estado metafísico, que é, no fundo, uma simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo e concebidas como capazes de engendrar todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em apontar, para cada um, a entidade correspondente.

            Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas,  renuncia a procurar a origem e a destinação do universo e a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para ater-se, unicamente, a descobrir, pelo uso bem combinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetivas, ou seja, as suas relações invariáveis de sucessão e de semelhança. A explicação dos fatos, reduzida, então, aos seus termos reais, é, de então por diante, a ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende, cada vez mais, a diminuir.”

 

 No estado metafísico, atribui-se a causa dos fenômenos a certos entes personificados, a substâncias (energia, éter, força cósmica) que atuariam como se fossem dotados de vontade. Ex.: a Natureza fez o homem com 2 olhos: a Natureza aqui, é uma abstração personificada, é como se fosse "alguém", que quer, que pensa e que atua, a sua atuação foi a de fabricar o ser humano com 2 olhos. Ex. : a Natureza é sábia: a Natureza é dotada de sabedoria, atributo humano, como se ela fosse uma pessoa humana.

    Na metafísica, não se explicam os fenômenos com base em deuses. Os deuses são seres sobrenaturais, dotados de vontade e de poderes de intervenção no mundo, eles têm os atributos do ser humano, embora sejam sobrehumanos; as entidades metafísicas não são mais seres como que humanos, são substâncias que se considera existir fora dos corpos. Assim ,  não há um corpo quente, há a entidade calor que se instala em um corpo e o torna quente.

     A metafísica é semelhante à teologia, porque ambas pesquisam o que causa os fenômenos e porque ambas atribuem-nos a causas exteriores aos corpos: os deuses e as entidades, estão fora dos corpos e atuam sobre eles.

 

 

               Absoluto e relativo

    

            A teologia e a metafísica são esforços intelectuais de compreensão do mundo, dos fenômenos, e do homem. Elas pesquisam a causa dos fenômenos independentemnte de qualquer condição a que eles estejam ligados.  Aquilo que existe por si próprio, independentemnte de qualuer relação com outras realidades, é algo absoluto. Absoluto:  ab+solutum= solto, independente, irrelacionado.

       Na ciência, na positividade, por observação, chega-se à conclusão de que tudo é relativo, de que cada acontecimento, no momento em que se verificou, achava-se condicionado a outros acontecimentos, dependia de certas condições para se manifestar. Esta cadeia de condições, essta série de dependências consistitui o relativo.  Relativo:relacionado com, ligado a.

 

 

 

Ordem e progresso

 

Conhecer o mundo como ele é, os fenômenos como eles acontecem, é adquriir a noção da ordem, da forma de organização das coisas.  A ordem existe em todos os tipos de fenõmenos, matemáticos, físicos, químicos, biológicos, sociológicos e psicológicos.  Estes fenômenos em ação, acontecendo de fato, corresponde ao progresso, ao seu movimento.

      Comte designou ordem e progresso aos fenômenos sociais, da sociologia, como equivalentes a estática e dinâmica. Todos os fenômenos apresentam estática, maneira de ser, e dînâmica, maneira de atuar.

 Do conhecimento deles, pode-se usá-los, pode-se produzi-los artificialmente, pode-se criar máquinas, aparelhos, medicamentos, terapias, o que cria a medicina, a engenharia, a terapêutica, etc.  Este uso corresponde á indústria, à ação modificadora do ser humano; nela, o homem aplica  o que sabe da estática, de modo dinâmico, ele,no caso da sociologia, usa a ordem para impelir o progresso.

 

            Empirismo

 

 

       O empirismo consiste na mera acumulação de fatos , na observação pura e simples, sem que eles sejam combinados em uma teoria,ou seja,em uma tentativa de explicar os fenômenos com base nestes fatos.

  O Positivismo condena o empirismo; o Pos. prega como métododa pesquisa científica a formulação de teorias, que permitem usar os fatos observados e direcionar novas observações.

    "|Os fatos,sozinhos,não constituem a ciência, embora eles formem-lhe os fundamentos necessários e o materiais indispensáveis. Para todo espírito filosófico, a ciência consiste essencialmente na sistematização real, mas completa e exata possível, dos fenômenos observados, conforme certas leis gerais irrecusavelmente constatadas" (Comte, Curso, II, 466).

  As pesquisas científicas que o Pos. preconiza devem afastar-se do empirismo pois a ciência , em todos as suas áreas, compõe-se de leis e não de fatos, leis que permitem a prvisão racional dos acontecimentos, em que, dado A, então B, ao passo que o empirismo limita-se a constatar A e B, sem os relacionar entre si. (Comte , Curso,VI,600).

    O empirismo corresponde ao conhecimento que se adquire e que, porém não se usa; por ele, o ser humano acha-se em estado de idiotia, em que há excesso de objetividade e passividade mental, ou seja, todo o ´resultado da atividade de conhecimento do ser humano, compreende apenas uma acumulação de dados, sem nenhuma atividade de pensamento e de reflexão.

    Quando a reflexão acontece no sentido de relacionar os fatos entre si, por meio de uma teoria, e se ela permite formular uma relação constante entre todos os fatos de um mesmo tipo, então há ciência, ou seja, a formulação de leis naturais.

   A caracteristica da ciência é a previsão, ela permite saber como dado fenômeno se comporta e permite, portanto, atuar em conformidade com o conhecimento do que é e do que será. Comte dizia: saber para prever, a fim de prover, ou seja, conhecer os fenõmenos, saber como eles acontecem, para prever o que se pode fazer com base neste conhecimento, para se tomarem as atitudes que interessem em cada caso.

  Ex.: sabe-se que a inflamação do apêndice pode levar à morte; sabe-se que a adminstração de penicilina debela a inflamação e salva o paciente. Assim, o médico, sabedor disso, prevê que se tratar o doente, ele salvar-se-á; o médico provê-lhe a terapia: receita-lhe penicilina, que atua no organismo e o paciente cura-se.

   Saber para prever= conhecer os fenômenos para prever-se o comportamento de cada um;;   a fim de prover= prevê-se no intuito de usar a previsão conforme os interesses humanos.

    Também é correto dizer-se que empirismo é o que provém da experiência; neste sentido, o Pos. é empirismo, pois considera que todo conhecimento provém da experiência, porém não dela, apenas, e sim dela e também do exercício da atividade mental de reflexão, de combinação do que se apreendeu pelos sentidos.

            A este propósito, traduzo uma passagem do resumo do Sistema de Filosofia Positiva, de Henriqueta Martineau:

            “A este grande obstáculo ao emprego da observação, é necessário reunir a influência nociva do empirismo que esforçam-se por impor às observações sociais aqueles que, em nome da imparcialidade, desejariam proibir o uso de uma teoria qualquer. Nenhum dogma lógico seria mais radicalmente contrário ao espírito da filosofia positiva ou ao caráter especial que ela deve apresentar no estudo dos fenômenos sociais. Nenhuma observação real é possível, mesmo em relação aos  fenômenos mais simples, enquanto ela não for, primeiramente dirigida e, por fim, interpretada, por uma teoria, qualquer que seja […]. A filosofia positiva não dispensa desta obrigação; ao contrário, ela estende-a e a satisfaz cada vez mais, a medida em que ela multiplica e aperfeiçoa as relações entre os fenômenos. Disto resulta que, cientificamente, toda observação isolada, empírica, é vã e mesmo radicalmente incerta; que a ciência não pode empregar senão aquelas que se ligam, ao menos hipoteticamente, a uma lei qualquer; que é uma tal ligação que constitui a principal diferença entre as observações dos cientistas e as do vulgo, que abarcam os mesmos fatos, porém sob pontos de vista diferentes, e que as observações conduzidas por via empírica servem, no máximo, a título de materiais provisórios e exigem uma indispensável revisão ulterior. […] Nenhum fato social teria significado científico sem ser imediatamente aproximado de algum outro fato social; isolado, é apenas uma simples anedota, sem nenhum uso racional” (Páginas 106 e seguintes). 

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