(Minha) Opinião de Positivista sobre o casamento homo.

 

 (Minha) Opinião de Positivista sobre o casamento homo.

22.V.2009

 

Arthur Virmond de Lacerda Neto

                                                                                                            “A superioridade    necessária da moral demonstrada sobre a    moral revelada resume-se, então, na substituição final do    amor de Deus pelo amor da Humanidade. Amar a Humanidade    constitui realmente toda a sã moral.” (Augusto Comte, Sistema   de Política Positiva, I, 356).

                        Criado por Augusto Comte (1798-1857), o Positivismo corresponde à doutrina segundo a qual todo conhecimento resulta da observação dos fatos, ou seja, da averiguação das realidades, e não da sua imaginação. Tal critério corresponde ao espírito da ciência e exclui a teologia, em que se admite a existência do sobrenatural.

De grande influência no Brasil, sobretudo ao tempo da instauração da república, na obra de A. Comte acha-se formulado o lema “Ordem e Progresso” e a demonstração da possibilidade e, mesmo, da necessidade de uma moral laica.

Moral laica significa um sistema de valores puramente humanos, de critérios inteiramente seculares de avaliação do comportamento das pessoas e de motivos igualmente terrenos de constituição dos costumes;  ela adota o ser humano, a sua natureza e os seus interesses, como critério do bom e do mal, do desejável e do censurável. Ela fundamenta-se na observação da natureza humana, das sociedades, da história.

A moral laica é diversa, na sua origem, da moral teológica e, em parte, a ela antagônica.

Moral teológica significa um conjunto de valores referidos a um ser sobrenatural, que se admite como  criador do mundo e do homem. Ela fundamenta-se na Bíblia, a que as religiões atribuem origem divina.

É da Bíblia que provém a condenação da homossexualidade e a homofobia, ambas produtos diretos do cristianismo, nas suas várias vertentes, sejam as seitas protestantes, seja o catolicismo.

Uma expressão da moral laica encontra-se Positivismo, segundo o qual deus inexiste, a Bíblia nada exprime de divino, a moralidade não deve provir dos textos bíblicos. Ao contrário, os padrões de comportamento humano devem basear-se em motivos humanos e nortear-se pelo altruísmo, pela generosidade em sentido amplo.

Sou adepto do Positivismo e da sua laicidade ética: considero desejável conhecer, amar e servir a Humanidade; reputo necessário o senso de deveres das pessoas entre si; procuro conhecer-me para melhorar-me; valorizo todas as formas de simpatia; cumpro com a minha palavra; respeito a verdade; enalteço as virtudes humanas; admiro os bons exemplos; apóio as inovações dos costumes que favoreçam o desenvolvimento dos bons sentimentos.

Para mais disto, repugnam-me as discriminações, porquanto conduzem a tratamento desigual pessoas que deveriam ser tratadas igual e respeitosamente, como é o caso da homofobia, discriminação especialmente odiosa, dado que a homossexualidade é inofensiva,  pertence à vida privada e o seu exercício, à liberdade individual.

No presente, em que o casamento homo vai sendo instituído em vários países do mundo e em que, no nosso, cogita-se da sua legalização, ele tornou-se tema sobre o qual os adeptos da moral teológica exprimem o seu escândalo e a sua repulsa, por meio de intolerância e de argumentos irracionais.

A moral laica, por outro lado, reconhece na homossexualidade um dado da natureza, uma forma de exercício da liberdade individual, a ausência de malefícios a outrem, a inexistência de censuras divinas. Os ateológicos e os humanistas em geral, de que os Positivistas correspondem a uma vertente, antagonizam a moral teológica e a sua anti-sexualidade; valorizam a moral laica, o que inclui a liberdade sexual, de que representam expressões a homossexualidade e o casamento homo.

A oposição ao casamento homo importa, antes de tudo, em privar-se incontáveis pessoas da legalização de uniões afetivas e da coabitação dos interessados. Tal oposição mantêm os casais homossexuais à margem da lei, sem qualquer utilidade social nem individual.

Em contrapartida, a adoção do casamento guei representará a obtenção de um tipo de realização pessoal, por parte de pessoas cujo ideal é exatamente igual à dos heterossexuais, com a diferença de que este ideal refere-se a homens e não a mulheres.

A moral teológica, de que são portadoras as religiões cristãs, opõe-se à felicidade de uma parcela da Humanidade; ela permite a felicidade à maneira como a concebe (casamento heterossexual) e a proíbe aos que a pretendem de forma diversa (casamento homossexual), no que se evidencia a sua intolerância, o que julgo imoral.

A moral laica, de são portadores os ateus, os céticos, os agnósticos, os Positivistas, não reconhece validade alguma na impugnação religiosa do casamento guei e a sua atitude tende a ser a de apoio ou de indiferença a ele, em todos os casos, a de ausência de censura.

Se outras razões não me houvesse para apoiar o casamento homossexual, haver-me-ia a da moral laica e, sobretudo, a da minha condição de Positivista, o que me equivale (a) a reconhecer a importância da afetividade na vida das pessoas e a da realização amorosa por meio do casamento, (b) a considerar moral a adoção de costumes que permitam a felicidade alheia e o desenvolvimento dos bons sentimentos, o que exprime uma forma de altruísmo, (c) a reputar imoral a proibição de costumes que os possibilitem, o que representa uma forma de egoísmo, (d) a atribuir ao casamento homo uma forma de felicidade significativa para uma considerável parcela da Humanidade, (e) a atribuir a vida afetiva à privacidade individual, em face da qual há, sobre todos, o dever do respeito e o da não interferência, (f) julgar a oposição ao casamento homo desrespeito à parcela homossexual da Humanidade e interferência  nos seus anseios, direta e negativa.

Também neste assunto, evidencia-se o caráter retrógrado das religiões cristãs, notadamente neo-pentecostais (para ater-me ao meio brasileiro), e a necessidade de renovação das mentalidades,  fora das superstições da teologia e dentro de espírito de liberdade e de fraternidade, dupla condição a que o Positivismo satisfaz.

Nota de 2016. Este artigo data de 2009, quando ainda era necessário persuadir os recalcitrantes do que considero óbvio, obviedade que o STF reconheceu, de certo modo, em 2011, ao equiparar as uniões estáveis homo às hetero, por analogia. Ainda falta modificar-se o Código Civil para que casamento passe a ser a união de duas pessoas e não a união de homem com mulher. A medida em que o tempo vai passando e as pessoas vão se acostumando com a realidade dos casamentos homo, é tendencial que a resistência contra ele se abrande até, em tese, desaparecer. Os seus antagonistas ainda são os velhos, os mais velhos, os evangélicos; os derradeiros antagonistas serão os evangélicos, os mais arcaicos e mais ignorantes da população brasileira, em diversos graus de arcaísmo e ignorância.

 

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