O espírito republicano

 

                                 O espírito republicano

 

 

                                   Arthur Virmond de Lacerda Neto.

                                                                       31.VIII.2010      

 

            Há 121 anos, o Brasil adotou o regime republicano, sob a inspiração dos valores do tratamento juridicamente igual em relação a todos os cidadãos; da ausência de privilégios e de distinções resultantes do nascimento; da laicização do Estado, com a abolição do caráter oficial cristianismo e a instauração das liberdades de crença e de descrença; da dedicação de todas as forças sociais ao serviço da comunidade; da moralidade na política e da fraternidade como critério das relações humanas.

           Tal foi o ideário, também, dos republicanos positivistas. Nem todos os republicanos eram positivistas; os que o eram, adotavam a moral positiva, segundo a qual a felicidade humana consiste no maior desenvolvimento possível dos bons sentimentos, dos de simpatia e de afetividade, fora de qualquer vinculação com o sobrenatural.

            Ao tempo da instauração da república, a sexualidade em geral correspondia a um tabu, ou seja, a um assunto proibido, tanto quanto a homossexualidade, tratada como doença e repudiada pela mentalidade que então prevalecia. Eis porque, na mudança de perspectivas e de instituições que representou o novo regime, em 1889, nada se incluiu relativamente aos costumes de família e à vida sexual, sequer mesmo a educação sexual. Neste sentido, os monárquicos e os republicanos de todos os matizes comungavam da mesma mentalidade conservadora e repressora. Seria exigir demasiado que estivessem, quaisquer deles, adiante do seu tempo, nisto, ao menos.

            Se, todavia, se proclamasse a república neste ano de 2010, quais seriam os ideais republicanos? Além dos presentes já em 1889, eles incluiriam, certamente, a liberdade de costumes, de afetividade e de sexualidade, em decorrência do princípio em que tanto insistiram os positivistas, de que a república sem liberdades não é república, e do princípio supremo, de que a república sem igualdade jurídica não é república.

            Vivemos em Estado republicano politicamente, porém não em termos de costumes, em que faltam a igualdade de todos, quanto ao matrimônio homossexual, e a igualdade, face ao desrespeito, ainda presente, pela condição sexual das pessoas. Nestes dois aspectos, a formação de muitos dos nossos compatriotas é antirepublicana fruto de que, entre nós e por décadas, a moralidade equivaleu à ausência de liberdade de costumes e à repressão sexual, por influência de certas passagens da Bíblia e do cristianismo, como formador das consciências, hoje acompanhado, na sua doutrina moral, pelas inúmeras seitas cristãs que despontaram no Brasil e que reúnem um grande contingente da população.

            Precisamos completar a instauração da república, com a adoção de uma mentalidade que lhe corresponda por inteiro. Republicanizar as mentalidades significa laicizar os costumes, ou seja, libertá-los dos seus conteúdos de origem teológica, presentes em particular nas restrições à vida sexual. Significa laicizar o Estado, ou seja, torná-lo neutro em relação aos credos religiosos, à fé e à sua ausência, o que implica, na prática, a remoção de todos crucifixos dos estabelecimentos governamentais e da frase “Deus seja louvado”, do papel-moeda. Significa, também, positivar a moral, ou seja, adotar como critério do bom o que favoreça a sociabilidade, a união entre as pessoas, o cultivo dos bons sentimentos, a dedicação de uns pelos outros, o que inclui os afetos de família em geral e, dentre eles, os conjugais e paternais, particular em que os nossos governantes vem demonstrando ausência de republicanismo, pelo desinteresse dos deputados federais e senadores por aprovarem o casamento homossexual com adoção de filhos, o que mantém uma parcela dos brasileiros fora da igualdade republicana: a existência do preconceito agrava-se com a inexistência de uma educação política necessária para que os nossos políticos se mantenham ao nível do regime sob o qual vivemos. “Sem liberdades não há verdadeira república”, dizia o positivista Teixeira Mendes. Nem sem liberdades, nem sem igualdades.

 

 

 

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