Olavo de Carvalho.

Olavo de Carvalho não era o “guru” do bolsonarismo, porquanto o atual presidente não tem nem teve inspirador intelectual, fosse quem fosse.  O presidente aproveitou-se do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser idiota”, que expôs na mesa na altura de sua posse o que, tendo sido visto, criou a impressão de que Olavo era-lhe mentor mental. Sabe lá se o atual presidente de facto leu este livro, se o leu de todo, se o entendeu. Provavelmente não o leu, não o leu de todo, não o terá entendido.

   É coletânea de artigos, como sempre (ou quase) hiperbólicos, como era típico de Carvalho, de estilo facilmente reconhecível, sempre exagerado, apaixonado, mais próprio para seduzir do que para persuadir ; creio que lhe foi intencionalmente estratégico adotar semelhante estilo, como forma de causar espécie, de impressionar a pouco e pouco, em cada artigo. Escrevia bastante bem, com clareza, destreza, beleza, sentido em que se pode lê-lo como modelo de redação, ressalvadas suas hipérboles, cuja presença e cujo artificialismo são fastidiosos.

   Pouco significa que Olavo houvesse sugerido dois ministros, cousa de somenos na vida política : ministros nomeiam-se e demitem-se corriqueiramente e poucos são realmente importantes. 

    O óbito de Olavo de Carvalho não encerra o ciclo do bolsonarismo no sentido de que a tendência de apoio ao atual presidente é passional em certa medida, tem apelo popular, inspira-se na hostilidade à herança do PT, motivações independentes de ambos e que podem perdurar para além deles.

    A mor parte do quanto Olavo redigiu é efêmera : seus vários livros de coletâneas, ler-se-ão de mais em mais como documentos de época e não durarão muito mais do que esta época. São livros que asinha (depressa) antiguar-se-ão; perdurarão os poucos livros que escreveu de temas propriamente culturais (O futuro do pensamento brasileiro, Maquiavel, Aristóteles, O jardim das aflições; certamente não os de astrologia).

     Exerceu influência (os maus redatores dizem que teve “impacto”) principalmente ao suscitar alternativas mentais ao esquerdismo, na forma de modos de ver, interpretações da história,  informações sobre atualidades, bibliografia, cooptação de jovens, sentido em que formou olavinhos (tradução da boba palavra “olavettes”), seus sequazes. Foi cabeça de seita filosófica, chamada neo-conservadora, que redespontou nas últimas décadas graças a ele e que perdurará para além de seu desaparecimento, nas pessoas de incontáveis de seus alunos e, especialmente, discípulos. Iniciativas como a da fundação de editoras não marxistas (É Realizações, Abertura cultural e outras), a do Brasil Paralelo, decorrem de sua pregação e contribuíram e contribuem para formar pensamento rival do esquerdismo que foi hegemônico nos anos 1980 e 1990.

       Seu livro “O jardim das aflições” contém vários disparates acerca do Positivismo de Augusto Comte, que ele censurou e cujas obras não leu ; profliguei-o em “A desinformação anti-Positivista no Brasil”.

       Um mérito teve Olavo : denunciou a degradação da língua portuguesa falada e escrita, o ódio para com a gramática, as doutrinas do doutor Marcos Bágno ; enalteceu o valor da gramática, da norma culta, da alta cultura. Fazia falta alguém, dotado de audiência maciça, que encarecesse tais pontos, e bem o fez.

      Enalteceu a igreja católica e, destarte, a teologia, no que era retrógrado : as sociedades laicizam-se de mais em mais e desde o século XIII a teologia cristã é elemento alheio à modernidade ; melhor fora se apregoasse o humanismo laico. Seu cristianismo integrava-lhe o “conservadorismo”, com sinceridade ou, talvez, sem ela e apenas estrategicamente. Mas, enfim…

Olavo encareceu a norma culta e a obra de Gilberto Freyre, o que lhe considero meritório ; era dos raros que no Brasil escrevia (bastante) bem, mas cujo estilo padecia dos defeitos de suas reiteradas hipérboles (creio que como artifício para impressionar, o que lhe era estratégico) e declamações (ambas notam-se a cada passo em, por exemplo, “O mínimo”, na fase em que se dicava ao grande público).

As hipérboles dicavam-se, creio, a impressionar o leitor, que era o que ele desejava: em cada artigo, pelo exagero, sobrevalorizar-lhe as afirmações. Também produziu declamações, parágrafos inteiros ou períodos inteiros vazios, vanilóquios, creio que para ocupar espaço e ter o que publicar e justificar sua remuneração. Sem os exageros e as declamações, seus textos teriam um pouco menos volume e um pouco mais senso de proporções (pergunto-me se também um pouco mais de honestidade, sem insinuar que ele fosse desonesto). Tirante estes graves defeitos, é certo que sua redação era notável.

Sua fase militante implicou-lhe estilo eivado destas duas imperfeições. Sem elas seus artigos teriam produzido o efeito que produziram ? Ele não colimou ser filósofo ou analista social sereno : quis ser e foi ideólogo (isto é, fonte de idéias), quis exercer poder espiritual (no sentido de Augusto Comte) e de facto exerceu-o como raros no Brasil de seu (nosso) tempo, mercê de seu conteúdo, que revestiu de forma muito própria, com estilo porém facilmente imitável e imitado por alguns : era fácil mimetizar-lhe os exageros e atribuir a tudo “proporções colossais, sem paralelo na história da espécie humana, cujas conseqüências atingirão dimensões devastadoras” (o que aspei é exemplo de mimese de suas hipérboles).

      Em “O jardim das aflições” disse muita asneira sobre o Positivismo, que sabia de segunda mão e em que era ignorante e em que foi desinformador (profliguei-lhe os erros neste blogue, em “A desinformação anti-Positivista no Brasil” ; aqui publiquei “Como vejo Olavo de Carvalho”, das raras interpretações de seu papel fora das paixões que suscitou).

   Como vejo Olavo de Carvalho:

       https://arthurlacerda.wordpress.com/2018/12/04/como-vejo-olavo-de-carvalho/

Esse post foi publicado em Olavo de Carvalho.. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário