Cacoetes chatos e a fala coloquial.

“A política, ela é importante mas a ciência, ela também. Assim, o Brasil, ele deve atentar nas previsões, elas são valiosas. No Brasil, você tem um problema, ele é um problema que deve ser combatido aí mas você vê a dificuldade que a gente tem pois a gente no passado era mais atento e a gente agora é sensato.”

Não sabe falar sem o diabo do “ele”, “ela” INÚTEIS, sem “a gente”, sem “você tem” ?
“A política é importante mas a ciência também. Assim, o Brasil deve atentar nas previsões: são valiosas. No Brasil, há um problema que deve ser combatido mas vemos a dificuldade que temos pois no passado eramos mais atentos e agora somos sensatos.”

Eis a diferença entre o coloquial raso, reles, vicioso, e o português que não é necessariamente o do erudito, do intelectual, mas é o que vosso idioma vos oferece e de que a maioria se priva.
O coloquial pode sê-lo e ter qualidade, pode ser coloquial elevado em vez de coloquial raso: o primeiro exemplo é de coloquial raso, o segundo, de coloquial elevado. Quanto menos bem vós vos exprimirdes, quanto mais restrito vosso domínio do idioma, tanto mais estreita será vossa capacidade de pensar e de exprimir-vos.

Saber mal o idioma é emburrecedor e sabê-lo bem é libertador. Por isso é importante enaltecer a qualidade do idioma, seu conhecimento meticuloso e o uso de dicionários e de recursos como a mesóclise (dir-se-á, encontrar-nos-emos), as preposições corretas (cidade EM que nasci; pessoa COM QUEM me encontrei), as conjugações corretas, as segundas pessoas (“tu” e “vós”) as palavras devidas nos lugares que lhes são próprios.

Urge-nos criarmos novo espírito, anti-mediocridade lingüística, que não é pedantismo nem arrogância: é assumir o idioma como valor compartilhado por todos, de todas as classes e regiões do Brasil, como valor CÍVICO e de CULTURA, que merece ser conhecido e cultivado nas suas expressões superiores, com horror pelo vulgar, pelo reles, pelo medíocre.

Nada disto tem nada que ver com lusitanismos, com falar como os portugueses, com o português de Portugal. Essas alegações são propagadas pelos pregoeiros da mediocridade, do suposto idioma brasileiro, e pelos adeptos da sociolingüística e pelos ingênuos. As pessoas associam o exemplo do coloquial elevado à elocução dos portugueses porque realmente em Portugal a maioria fala com elevação, precisão, riqueza e elegância; usam léxico farto, preposições, mesóclise, pronomes contraídos, “tu” e “vós”, a começar pelas crianças e a continuar pelo comum do povo, pela arraia-miúda. Mas o idioma é o MESMO que se usa no Brasil, com diferenças secundárias.

O que diferencia principalmente brasileiros de portugueses é que lá se APRENDE o idioma a sério e USA-SE o que se aprendeu; cá, NÃO SE APRENDE e, portanto, NÃO SE USA O QUE NÃO SE SABE. Além disso, no Brasil vigora o preceito mediocrizante de que “pode falá de qualqué jeito mais (sic) tem quê escrevê direitinho”.

 

Há duas verdades:
1) o brasileiro falava e escrevia, em décadas transactas, muito melhor do que hoje, e traduzia com excelência. Comparado o brasileiro com o brasileiro, a qualidade de sua fala declinou, a qualidade de seu aprendizado do idioma decaiu, a qualidade de sua redação descendeu, a qualidade de sua tradução rebaixou-se.
2) o português em geral fala e escreve muito melhor do que o brasileiro médio hodierno. Não se trata de complexo de inferioridade, de cultivar a gramática portuguesa, de colonialismo cultural (increpações do gosto dos doutrinados pelas tolices da sociolingüística); ao invés: trata-se de observar o idioma em coletividade que nos serve de comparação. Pretender que mesóclise, pronomes contraídos, segundas pessoas são lusitanismos e que “a gente” é tão bom quanto os pronomes retos é sofisma destinado a coonestar a mediocridade e a adular a massa ignara. A sociolingüística é bajulação torpe, é exaltação da ignorância e consagração do espírito de mediocridade.

As comparações são valiosas pois nos permitem cotejarmos o que somos com o que não somos, com o que fomos (item 1) e com o que podemos ser (itens 1 e 2).

Essas verdades incomodam a muitos, a todos quantos só sabem dizer “a gente” e não se sentem mal com isto, a quantos desdenham da gramática e do cultivo de nosso idioma. Há verdades desconfortáveis.

Esta postagem não será muito compartilhada, receberá poucos “Gosto”, suscitará azedumes. É assim mesmo: quando um povo se rebaixa e acomoda-se a seu estado de inferioridade, quando se acostumou com a mediocridade, quando julga normal a ignorância e sequer percebe que nela está, e quando alguém lho [lho= lhe + o] diz, muitos reagem mal.

Se tu compreendeste, mostra que te elevas por sobre a mediocridade: compartilha.

 

“A GENTE” É CHATO, MUITO CHATO E CAFONA.
“A gente isto, a gente aquilo, a gente aqueloutro”.
Atenteis em quantas vezes as pessoas usam a expressão “a gente” na sua comunicação: muitas, demasiadas. Alguns usam-na como se fosse vírgula, repetidamente, desnecessariamente.
É vício, é cacoete, é chato ouvir em poucas frases e minutos, o raio de “a gente” 3, 4, 5, 6, vezes.
Pelo menos variassem e usassem NÓS. Nós somos, nós dizemos, nós faremos, nós estávamos.
“A gente” é chatice, é mais do mesmo.
NÓS é elegante, é distinto e não é chato.

 

Esse post foi publicado em "A gente"., Vício de linguagem, Vernáculo.. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário