PORTUGAL: COLÔNIA LINGÜÍSTICA DO BRASIL.

PORTUGAL: COLÔNIA LINGÜÍSTICA DO BRASIL.

Portugal é colônia lingüística do Brasil, cujas expressões e palavras coloquiais aí grassam: tudo bem, dica, dar a volta por cima, bora, a gente, acho e sem-número de dizeres populares, bem como a alteração do sentido de palavras, a ausência das segundas pessoas, da mesóclise, dos pronomes contraídos, o desuso do pronome “vosso”. As telenovelas portuguesas são abrasileiradas há décadas, quer na agressividade verbal, na cólera, no destempero de suas personagens, quer na sua elocução (não no sotaque). Comunicadores falam à brasileira (Marques Mendes, Carlos Vaz Guedes, Ricardo Araújo Pereira) e parece-me que fazem questão de marcar seu abrasileiramento, pela repetição, várias vezes, dos recursos brasileiros (como o verbo achar e “a gente”). Por outro lado, é raríssima qualquer palavra tipicamente portuguesa no Brasil (“cimeira” até circula, ocasionalmente; “mais do mesmo” circula um pouco). Mesóclise, segundas pessoas, pronomes contraídos, passam por lusitanismos. I     Importante corrente lingüística preconiza a recusa da herança idiomática portuguesa, a inovação da gramática, a independência idiomática de Portugal, o desprezo da mesóclise, da ênclise etc. No Brasil, saber mal e falar mal o idioma é traço da identidade cultural, bem assim condenar a forma culta do idioma como pedantismo e lusitanismo.

            Ainda ontem (10.XII.2020) em telenovela da SIC, personagem feminina falava em tom colérico (o que é típico das telenovelas brasileiras, em que há ira, raiva, agressividade verbal) e com elocução brasileira de todo. Empregou, por exemplo, a palavra “aposta” em “fulano é nossa aposta” ou coisa por este estilo. Por que os redatores de telenovelas portuguesas, exibidas em Portugal, são brasileiros ou escrevem abrasileiradamente ?

Livros portugueses são abrasileirados, em suas edições brasileiras (salvo os de Saramago e de Miguel de Sousa Tavares).

            A edição juvenil da Ilíada e da Odisséia, de Frederico Lourenço, foi abrasileirada, com a supressão das segundas pessoas, de mesóclises, alteração de alguma sintaxe. O que seria leitura educadora para jovens e adultos brasileiros, é apenas mais da mesma mediocridade reinante no Brasil.

            Ao mesmo tempo, o livro de ensinança de latim do próprio Frederico Lourenço leva título abrasileirado: “Latim do zero”, em que “do zero” é como se diz no Brasil: comecei a estudar latim do zero, ou seja, sem dele nada saber.

            Vá lá que o idioma é o mesmo e o que se incorpora do Brasil, incorpora-se do mesmo idioma. Mas pergunto-me por que os portugueses gostam tanto dos brasileirismos, por que comunicadores fazem questão de dizer à brasileira, por que as telenovelas portuguesas são abrasileiradas ? A simpatia pelo Brasil vai a esse ponto ?

            É como praticam lusofonia ? Seja, mas praticá-la envolve falar à brasileira, como se estivessem no Brasil ?

            É claro que há liberdade de falarem assim; cada um é livre de adotar brasileirismos (ou não), máxime porque o idioma é o mesmo. Até certo ponto, a influência dá-se naturalmente, pela presença já antiga de 40 anos de telenovelas brasileiras e de brasileiros em Portugal. Mas por que as telenovelas portuguesas são redigidas provavelmente por brasileiros, com elocução brasileira ?

            Por que comunicadores e até o presidente da república falam à brasileira ? Julgam (os brasileiros dizem “acham”) que assim aproximam Portugal do Brasil ? Enganam-se. Julgam que assim granjearão ouvintes brasileiros ? Necessitam disto ?

            Enquanto a influência brasileira em Portugal é maciça, é ínfima a presença da fala portuguesa no Brasil: tirante os livros de Saramago e M. S. Tavares (acaso também outro), os mais são adaptados, ou seja, descaracterizados em sua construção original, com supressão das segundas pessoas, mesóclises, vocabulário. Enquanto os portugueses leem Jorge Amado tal como ele escreveu, os brasileiros não leem F. Lourenço tal como ele escreveu. Enquanto as telenovelas portuguesas são abrasileiradas há décadas, os dizeres portugueses no Brasil resumem-se a “mais do mesmo”, “cimeira” e mais uma ou duas expressões. João Pereira Coutinho e Ricardo Araújo Pereira escrevem na Folha de S. Paulo: à brasileira ?

            Isto tudo é lusofonia e aproximação cultural entre Brasil e Portugal no sentido limitado e unilateral da presença da fala brasileira em Portugal e da modificação da elocução portuguesa ao modo brasileiro. A pouco e pouco, a lusofonia vai se tornando em brasileirofonia, o que, aliás, presumivelmente fortalece a concepção, típica de certos meios brasileiros, de que a quantidade de usuários serve como padrão do idioma e que, portanto, o estilo brasileiro representa a língua portuguesa: os brasileiros são mais, os portugueses são menos e já falam à brasileira. Tal critério não leva em conta a profundidade do conhecimento do idioma, que até poucos anos distinguia os portugueses dos brasileiros: aqueles eram menos e melhores; estes são mais e piores (melhores e piores no conhecimento do idioma e no seu uso).

            A influência brasileira é deletéria, com sua pobreza de elocução quanto aos recursos do idioma.

            Até 10 ou 15 anos, era educativo os brasileiros freqüentarem Portugal e portugueses, para aprimorarem seu uso do idioma; já agora, não mais: a influência brasileira leva aos portugueses, além de locuções, vícios, empobrecimentos, alterações de sentido, supressão de recursos. Está na hora de os portugueses combaterem a influência brasileira no idioma.

“Achar” e “a gente” são brasileirismos no sentido de que no Brasil correm como vocábulos de uso comuníssimo, “achar” para exprimir julgar, entender que, pensar que. É típico de brasileiros “acharem”, em lugar de entenderem, pensarem, julgarem, avaliarem etc. “A gente” é brasileirismo no sentido de que já suprimiu os pronomes eu, tu, ele, nós, vós, eles, em todas as classes sociais. Até poucos anos, em Portugal usava-se pouco “achar” e “a gente”; agora, ouço repetidamente Luís Marques Mendes “achar” e R. Araújo Pereira usar “a gente” para referir-se sei lá a quem.

São brasileirismos não porque hajam sido criados no Brasil (não o foram) porém porque seu uso é tipicamente brasileiro e os portugueses já os usam como os brasileiros o fazem. “Tudo bem” compõe-se de duas palavras que não foram inventadas no Brasil e constitui locução de uso tipicamente brasileiro, que muitos portugueses usam como usam os brasileiros, como locução-ônibus em variadas circunstâncias. Evidentemente “dica” e “bora” são brasileirismos, ambos rascas, o primeiro antigo de 20 anos, o segundo mais rasca e fresco de cerca de um lustro.

Brasileirismo não é apenas palavra que se cria no Brasil (neologias, como bora e dica); é-o também o uso esmagador (como a gente, tudo bem, achar, questão) e a acepção (aposta, conceito).

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