O NOTÁVEL VERBO ALINHAR.

ALINHAR.

O verbo alinhar, tal como de presente vem correndo no Brasil, apresenta dous aspectos lingüisticamente interessantes:

1) Usam-no na acepção de concertar, ou seja, fazer concerto (pacto, aliança, ajuste) de partes, fazer algo com concerto dos envolvidos: reunião de alinhamento, alinhar o funcionamento do serviço (reunião de concertação/combinação, combinar/concertar o funcionamento do serviço).

Neste sentido, é corrente em Portugal a fórmula concertação social (entendimento dos decisores dos assuntos sociais, como governantes, políticos, sindicatos, associações profissionais). Equivale a alinhamento social.

No sentido de concertar usava-se já em fins do século XVI e inícios do seguinte, como neste lugar: “[…] juntamos soldados, trouxemos socorro, e alinhávamos todo o processo do cerco […]”, da lavra de Fernão Rodriguez Lobo Soropita, autor quinhentista (em: Selecta clássica, de João Ribeiro, p. 180).

Em tal acepção figura no Dicionário de Morais, de 1789: alinhar = concertar (concertar = fazer com concerto de partes alguma coisa. Concerto = pacto, aliança, ajuste), mas não figura no dicionário Aulete, de 1958, com sentido de concertar, tampouco em dicionários mais recentes (como Aurélio): o significado do século XVIII desapareceu por dilatado lapso e, subitamente, reviveu nos anos 2023 e 2024.

Eis, portanto, caso de arcaísmo quinhentista, de cuja acepção já não havia memória e que, subitamente, tornou a circular.

2) Tornou a circular… e copiosamente: tornou-se em verbo-ômnibus: serve para inúmeras ações (não somente a de concertar) e substitui vários outros verbos específicos.

Substitui: organizar, estabelecer, esclarecer, conhecer, instituir, determinar, dispor, reorganizar. Todos eles designam ações específicas; alinhar substitui-os por ação vaga e imprecisa: “alinhar”, nessas condições, é qualquer coisa, que não se sabe exatamente o que seja, semelhantemente a “coisar”.

Em sua acepção quinhentista (concertar, ajustar partes, combinarem entre si intervenientes) é de origem clássica e de uso castiço.

Em sua função de verbo-ômnibus, é novo vício de linguagem e novo empobrecimento na exatidão e, destarte, na qualidade da comunicação de quem o usa. Usá-lo, nessas condições, empobrece a comunicação, subtrai exatidão à ação que se quer referir.

Se quiser exprimir-se com elevação e exatidão, diga alinhar e alinhamento para significar concertar e concertação, combinar e combinação, ajustar e ajuste, mas a ele prefira verbos específicos de ações perfeitamente identificáveis, a exemplo de organizar, combinar, estabelecer, instituir, determinar, cogitar, preparar.

     É correto alinhar como dispor em linha, enfileirar.

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