Comte, Marx, Gramsci, Ortega
13.IV.2007
O Curso de Filosofia Positiva, de Comte, sugere-me estas notas ligeiras:
1- Ao contrário do que dizem alguns esquerdistas, o Positivismo não é uma ideologia burguesa; ao contrário do que dizem certos marxistas, que do Positivismo não sabem nada, o P. não foi um aliado do liberalismo contra as classes despossuidoras. Comte reconheciia a existência de conflitos entre os trabalhadores e os empregadores, a necessidade da satisfação das aspirações trabalhistas, da regulação moral da riqueza, a necessidade de deveres morais dos ricos face aos pobres. Não há no P. um capitalismo desenfreado nem uma apologia do capital; há, ao contrário, uma crítica à cupidez dos ingleses e ao desenfreio do "sistema industrial" britânico do seu tempo, o mesmo em que Carlos Marx baseou-se para criticar o capitalismo.
A. Paim, anti-positivista muito querido dos liberais desta terra, criou o mito do "ciclo positivista-marxista", que jamais existiu (aliás, que um escrevedor se haja permitido, em um grosso livro de história do pensamento brasileiro, criar um ciclo de pensamento que só existe na fantasia dele, é surpreendente); isto porque o marxista Leônidas de Resende averigüou 16 afinidades entre Marx e Comte; daí, Paim "descobriu" que entre nós o positivismo e o marxismo aliaram-se, o que é o oposto do que alguns marxistas dizem: eles dizem que o P. aliou-se …ao liberalismo. Conclusão: certos direitistas e certos esquerdistas são igualmente mal informados sobre o P.
Há, sim, no P. , uma vocação em favor da distribuição da riqueza, da melhoria das condições de vida da generalidade da população, um combate à liberdade econômica absoluta, ao uso do capital sem nenhum critério mais que o egoísmo individual.
É uma verdade que os liberais e os marxistas são economicistas: o econômico é tudo. Para Comte, o econômico resulta do moral, ou seja, da mentalidade, da formação das pessoas.
2- Um dos males da nossa época, dizia Comte, é o espírito regulamentar, pelo qual tudo se pretende resolver pela lei, inclusivamente os problemas que dependem dos costumes, das opiniões e da formação dos homens, ou então, pela substituição dos homens, em que mudam as pessoas porém não as respectivas práticas políticas. O que importa, é mudar a mentalidade dos indivíduos. Exemplo do espírito regulamentar é o falecido Ulisses Guimarães, para quem uma nova constituição (a de 88) bastaria para resolver todos os problemas do país.
3- Antonio Gramsci apercebeu-se (por ler Comte?) de que, para obter-se a modificação das instituições, era preciso começar-se pela mudança dos pensamentos e dos costumes. Ora, essa mudança, em curso no Brasil, em sentido socialista, chama-se gramscismo. Comte apercebeu-se do caminho da renovação das instituições; Gramsci adotou-o no sentido socialista. Comte, para a mudança das instituições, pregava a necessidade da liberdade espiritual; Gramsci pregava a necessidade da persuasão das massas; os positivistas não fazem doutrinação subliminar; os gramscistas fazem-no, sistematicamente.
4- José Ortega y Gasset era positivista; sou eu quem o afirma. Ortega adota muitas vezes o ponto de vista do P. , notadamente em "A rebelião das massas". Muitos dos problemas apontados neste livro acham-se descritos na obra de Comte, que lhes aponta a solução. Em parte, Ortega repetiu Comte, no diagnóstico dos problemas, sem lhes indicar as soluções. Ortega não se referiu a Comte como sua fonte, como, aliás, raramente o fazia.
Porém Ortega criticou o Positivismo enquanto teoria do conhecimento: quer ele, quer Xavier Zubiri fizeram-no; ambos, nisto, simplesmente não entenderam Comte.