QUEREM PôR “AMOR” NA BANDEIRA.

QUEREM PôR “AMOR”  NA BANDEIRA.

  A ausência do substantivo amor na bandeira não é fruto de sua supressão em suposta divisa “amor, ordem e progresso”, nem a divisa “ordem e progresso” está incompleta : esta é binominal, sempre o foi, desde sua origem; ela sempre foi “ordem e progresso”, jamais foi “amor, ordem e progresso” no lema “Ordem e Progresso”.

     Augusto Comte propôs que no anverso das bandeiras se inscrevesse “Viver para outrem”, fórmula que exprime o amor ; com isto, as bandeiras positivistas teriam a inovação de apresentarem verso e anverso diferentes, e duas divisas.

     O acrescentamento de “amor” não viria a repor a originalidade do lema positivista, pois “ordem e progresso” é divisa autônoma da fórmula fundamental do Positivismo, a saber, “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim” ; ser autônomo significa que a primeira não é baseada na segunda, mas a segunda é desenvolvimento seu, o que a cronologia da presença de uma e de outra na obra de Comte evidencia.

      Há, pois, a divisa política “Ordem e Progresso”, a divisa moral “Viver para outrem”, a fórmula fundamental “O amor por princípio e a ordem por base ; o progresso por fim.”.

       Seja como for, não será má a inclusão de “amor” na bandeira ; ao inverso : ela manterá o binômio “ordem e progresso”, a que adicionará elemento afetivo, certamente relevante em todas as implicações morais e cívicas de que sua interpretação seja suscetível e (conquanto obliquamente) apropinquar-se-á da fórmula fundamental do Positivismo. Como positivista, recebo de bom grado o movimento de inclusão do “amor” que, afinal, é componente fulcral do Positivismo e da religião da Humanidade; é inspiração fraternal que é desejável reja nossas vidas, nossas relações humanas, nossa vida política. Como o próprio Positivismo preconiza, tenhamos o amor como princípio do comportamento pessoal de cada um, da atuação política dos governantes, da atividade cívica de todos. Por isto, conquanto heterodoxo em sua plástica, o trinômio “Amor, ordem e progresso” coaduna-se perfeitamente com o espírito de generosidade, de estabilidade e de aperfeiçoamento que exprime o lema “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”.

       O doutorando autor do artigo cometeu erros:  Augusto Comte não apoiou nenhuma ditadura do proletariado, tal como posteriormente Carlos Marx a concebeu. “Proletariado” em Comte nomeia a população em geral, não especificamente a gente pobre, os operários, os trabalhadores (o que com Marx passou a chamar-se proletariado); as sociedades européias de então eram monárquicas, caracterizadas pela existência de classe pobre, de burgueses e de aristocratas. O governo, para Comte, não seria exercido por chefes monárquicos nem pela nobreza e sim por elementos provenientes da massa geral do povo, isto é, do proletariado.

Artigo do doutorando Matheus Ichimaru, de 29 de novembro de 2021, na revista Cult, cuja ligação dou abaixo, ventila o tema e comete erros.

   Comte não apoiou nenhuma ditadura imperial e ainda menos o segundo império (de Napoleão III); ele apoiou a supressão do parlamento tagarela e intrigante que era o de então na França.

  Ao perceber que Luís Napoleão não seria o chefe que Augusto Comte supunha, entrou a combatê-lo, a desmerecer-lhe o regime e a augurar-lhe a cessação; um único senador francês votou contra a restauração do império : Narciso Vieillard,  adepto das vistas de Comte relativamente à política francesa e seu discípulo, o que se acha registrado na biografia de Comte, da autoria de José (Joseph) Lonchampt, publicada  em Paris e, traduzida com abundantes notas, no Rio de Janeiro; também na correspondência ativa de Comte, quase completa, em oito volumes e disponível da Casa de Augusto Comte. Teria sido fácil ao doutorando Matheus Ichimaru poupar-se destas asneiras, bem como da afirmaçaõ típica de senso comum não doutoral que imputa apetência autoritária ao positivismo.

   No vocabulário de Comte, “ditadura” é governo, não governo autoritário, não tirania, até porque ao tempo de Comte, “ditadura” não tinha a conotação de autoritarismo que veio a ter posteriormente e que nos tem.

  O  autor deste artigo incorre na interpretação tosca que imputa ao positivismo preferência autoritária baseada no vocábulo ditadura, sem lhe examinar o conteúdo no léxico de Comte, o que é realmente primário; meus livros “A república positivista” e “Herança do direito romano” elucidam tal ponto e desmistificam a interpretação de senso comum que imputa autoritarismo ao positivismo, bem assim a “História do positivismo no Brasil”, de Ivan Lins, e “O léxico de Augusto Comte”, de Ângelo Torres, dentre outros.

    Note-se neste artigo o emprego errôneo de “cena”, em “cena política” : quis dizer meio político, ambiente político; “cena”, da forma como o autor empregou este substantivo, é tradução errada do inglês “scene”.

A ligação do artigo em causa:

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