Polícia léxica.

POLÍCIA LÉXICA.
Censuraram a palavra mulato, por, alegadamente, derivar de mula, e os pardos não quererem ser tratados por mulas, embora jamais “mulato” tivesse conotação depreciativa.

Agora, censuraram o agradecimento “obrigado”, porque expressava, antanho, obrigação de reciprocidade, de quem agradecia, perante quem recebia o agradecimento (“Estou obrigado, sinto-me obrigado a retribuir-lhe”). Querem que se diga “Grato”. Até me constou que, em curso de Direito, docente riscou a palavra “obrigado”, em texto do seu instruendo.

Disse instruendo, pois aluno fica proibido: aluno significa sem luz. Bem, em Curitiba, em que não faz sol, “aluno”, pode.

Aliás, Curitiba também não se pode usar: que pouca vergonha, um tabuísmo na primeira sílaba ! Que é que se vai dizer para uma criança, que pergunte o que é “cu” ?! Que seja, pois, Ritiba, porém não pronuncie “rritiba” nem “rritchiba”.

Proponho que se proíba a palavra “trabalho”: deriva de “tripalium”, nome de estaca em que se castigavam os escravos medievos. Chamar a alguém de trabalhador equivale a apodá-lo de “escravo castigado”. Logo, fica censurada tal indignidade.

Também proponho que se proíba a palavra “cristãos”: em primeiro, porque não há Cristo grande nem maior do que o original; em segundo, porque ele foi condenado e executado e é indigno nomearem-se os adeptos de uma religião com o nome de um condenado à morte. Arranjem-se lá como puderem, com outro nome.

Também fica anatematizado o verbo “branquear”: não se poderá dizer que, lavada, a roupa foi branqueada, pois tal verbo é racista

Melhor será dizer que a roupa está imaculada.

Porém imaculada também é palavra reprovável, devido à Imaculada Conceição: dado que a religião dela se apropriou, para exprimir “concebeu sem cópula”, devemos reservar tal adjetivo para as mulheres que engravidem sem haverem recebido sêmen.

Quanto ao indumento que se lavou e ficou branco, é melhor não o lavar. Enodoado, encardido, sujo, evitam-se problemas de polícia etimológica.

Mourejar é verbo duvidoso: vários mourejam, com gosto; outros, com pena. É duvidoso se é termo enaltecedor ou deprimente dos mouros. Esfalfar-se é melhor.

Não se dirá enegrecer, a menos que seja louvaminheiro: “Estás bonito, hein ?! Depois de uma semana a tomar sol, estás enegrecido e sensual !”. Neste caso, aceita-se, porém repugnará dizer que “O céu enegreceu antes da tempestade.”.

O próximo passo da polícia vocabular será o de examinar-se a etimologia dos nomes próprios e ostracizar os inconvenientes. Creio que Letícia, permanecerá: alegria; Artur, também: urso forte. Que dizer de Teófilo (amigo de deus) ? E de Luciano, escravo de Lúcio ?

Certo é que o correto é Miguel Ângelo e não Michelangelo e que os prenomes podem ser traduzidos e a sua tradução era tradicional, até no Brasil: Carlos Marx, Frederico Engels, Alexandre Pope, Luis Beethoven.

Já Maycon, Djheynny, Kéroulaynne, Daiana e quejandos, acho bem se erradiquem, em nome dos direitos humanos. Aliás, estas extravagâncias não seriam usadas se os respectivos pais tivessem um mínimo de sensatez, de gosto e não alimentassem complexo de inferioridade perante dos E U A.

As palavras têm acepções próprias, genuínas e corretas, que devem ser mantidas, a bem da correta expressão de quem as usa. Muitas cambiam de sentido, com o andar dos tempos; quanto mais raso o conhecimento do seu significado (ou: quanto mais ignorante o povo) tanto mais há variações de acepção. Outra coisa é policiarem-se as palavras, devido à sua etimologia ou ao seu uso primevo: porque tal palavra foi usada em tal sentido, séculos atrás, então, hoje, fica proibida; ou: porque tal palavra tem tal raiz, então, fica hoje censurada.

A primeira atitude (de se manter inalterada a acepção das vozes) é recomendável; a segunda (de se estigmatizar dados termos em razão da sua etimologia ou do seu emprego de que já ninguém se recorda) é estúpida.

 

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