LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL E EM PORTUGAL.

No Brasil é vulgar dizer-se, por exemplo: “não quero mais”, isto é, não quero doravante o que quis até agora; aí o advérbio “mais” não significa que a pessoa ainda quer, porém não em quantidade maior.

Em Portugal é vulgar construir-se “já não quero”, cujo sentido equivale ao de “não quero mais”, é igual ao dele.

Os exagerados do pretenso “idioma brasileiro” (que não há) apontam esta mínima particularidade como mais uma das diferenças alegadamente sem-número para justificar a existência do tal “idioma”. Todavia, eis que se me depara esta oração, em “A cidade e as serras”, de Eça de Queirós : “Não me encontrara mais com Jacinto”, ou seja, a construção pretendidamente brasileira ; se mais procurara, mais encontrara, desse tipo.

Já agora: orações como “se mais procurara, mais encontrara”, é casticíssima : vós a ledes em Camões e em Machado de Assis.

Tão vulgar entre brasileiros jovens é a exclamação-indagação: “Sério ?!”, como expressão de surpresa ; era presente na coloquialidade lisboeta aqui há cento vinte anos, como se nota nos diálogos de “O barão de Lavos” (diatribe anti-homossexualidade), de Abel Botelho.

Típica de portugueses é a repetição de monossílabos, dissílabos e ocasionalmente de palavras mais compridas:

— Sei, sei.

— Pode, pode.

— Estou, estou.

— Ai, que agüenta, agüenta.

— Olhe que não, olhe que não [Álvaro Cunhal].

Entre espanhóis:

— Vale, vale.

Entre jovens brasileiros é vulgar:

— Tchau, tchau. [Mui informal].

Portugueses sabem ser rapariga feminino de rapaz; brasileiros pensam ser sinônimo de prostituta.

Portugueses (I) amiúde respondem com “sim” e “não”; brasileiros (II) em geral, com o verbo:

(I)

— O Artur podes vir ?

— Sim.

(II) Ó Vasco, tu leste o livro ?

— Li-o.

Os portugueses falam baixamente ; os jovens brasileiros (sub-30 e até menos), também ; já brasileiros varões supra-40 são freqüentemente altifalantes, ao ponto da inconveniência.

Já se não fala em Portugal com a escorreição de até quinze e dez anos, até cinco : a elocução dos portugueses vem se abrasileirando de mais em mais, com a introdução de inúmeras palavras e expressões de uso tipicamente brasileiro (academia por ginásio, novela por telenovela e tantos outros, como se nota no Telejornal da RTP diariamente, na loqüela das telenovelas portuguesas e não apenas) ; com eles introduzem-se erros, solecismos, simplificações, até aqui inéditos na juventude portuguesa. Tanto pior para os portugueses e para a língua que nos é comum. Ao invés de melhorar cá, não melhora, e piora o que era ótimo e excelente.

Observadores superficiais, deambulistas (turistas) superficiais, passeiam em Lisboa por uns poucos de dias e concluem que “lá falam outra língua” porque estranham vocábulos como biberão, paragem, autocarro, elétrico, bica, cimbalino, sande, porém todos os mais (dezenas de centenas) não estranham e compreendem, pelo que a conclusão deveria ser a de que lá falam a mesma língua, com sinônimos, assim como os há, variegados, no próprio Brasil (há mais diferenças entre Porto Alegre e Salvador do que entre Lisboa e Brasil); muitos, contudo, têm predisposição a “reconhecer” a duplicidade de idiomas, à força de alguns pregoeiros nacionalistas e sociolingüistas recusarem a herança cultural portuguesa no Brasil, com especialidade a idiomática, presente inclusivamente em abundantes dos 254 mil brasileiros imigrantes em Portugal : não odeiam o Portugal presente nem os portugueses do presente, mas odeiam a formação portuguesa do Brasil e veem com ódio, lástima, vergonha sua, de brasileiros, matriz portuguesa, o que explica muito da propensão, tosca e tola, de afirmar-se a separação idiomática e de negar-se a gramática tradicional, de que é exemplar o célebre panfleto “Preconceito lingüístico”, que merece exame crítico e desconstrução (como o fiz em meu blogue, e pouco se lhe deram).

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