O falo é indecente ?

                                                                Arthur Virmond de Lacerda Neto. 26.5.2022.

Esse desenho é insólito por seu tema, a mentula, parte do corpo raramente retratada na pintura, no desenho, na caricatura, notadamente no Brasil; com as mamas, é a parte do corpo que se estigmatiza, cuja exposição se reprova como (alegadamente) indecorosa, sexual, maliciosa, vergonhosa.

A sociedade ocidental, o que inclui particularmente a brasileira, envergonha-se das mamas e do falo, que passam por ser órgãos sexuais e por inapresentáveis; sua exposição é tida por indecente e por vergonhosa – são conceitos em que tudo está errado. As mamas não são órgãos sexuais, mas alimentares, graças aos quais a criança recebe alimento e sobrevive; o falo não é órgão sexual, inerentemente sexual, senão urinário, conquanto também seja reprodutor. Disse reprodutor, não sexual, porquanto sexual é, antes de tudo, o cérebro: é cerebralmente que sentimos interesse sexual, impulso sexual, atração sexual, que se manifestam corporalmente pela intumescência do bico do seio e do pênis. Na atividade sexual participam o cérebro, os olhos que veem, as mãos que tateiam, a boca que beija, lambe, suga; no entanto, não mantemos a boca permanentemente tapada nem as mãos enluvadas nem os olhos constantemente vendados nem decapitamos todos quantos têm cérebro. Nada disso passa por indecoroso nem sua exposição é estigmatizada. Por que estigmatizamos as mamas e o falo e, acessoriamente, as nádegas ?

Porque a tradição religiosa ocidental, isto é, cristã, assim o quer, como produto da lenda pueril de Adão e Eva no Paraíso. Em persa, Paraíso significa jardim; Adão, o primeiro homem; Eva, a primeira mulher. O Paraíso foi o primeiro campo nudista da Terra, e Adão e Eva os primeiros nudistas; o nudismo foi criado por Jeová, por ele querido e por ele instituído. Diante do criador, as mamas e o falo andavam expostos, sem pejo nem malícia: pejo, malícia, vergonha, encobrimento, são construções culturais dos homens, e sem sentido, e tolas.

Nas praias de nudismo, todo o corpo dos machos e das fêmeas andam descobertos, com igualdade entre suas regiões: nelas, tudo no corpo é igual, no sentido de não lhes haver partes indecorosas, inapresentáveis, de ocultação obrigatória. Nessas praias, orelhas, nariz, mãos, falo, bico do seio, joelhos, tudo é igual diante da ética, do decoro, do pudor, dos olhares alheios, das crianças deste país. A malícia não está no bico no seio nem no pinto, senão na mentalidade deformada dos pudicos.

Isso é naturalidade: tudo no corpo é natural e naturalmente apresentável; tudo nele é naturalmente indiferente e digno. Assim é em praias de nudismo e entre nudistas; na verdade, escusa sermos nudistas para assim entendermos: basta não nos haverem incutido a convicção de haver nos corpos regiões indecorosas; basta não mantermos a ideia de que neles alguma parte seja inapresentável por alguma razão; basta pensarmos no corpo humano sem preconceitos.

Entre romanos na antigüidade, entre japoneses da atualidade, na Coréia do Sul, as mamas são apenas as mamas, as nádegas apenas as nádegas, o falo apenas o falo: entre romanos o deus Priápo era-o do pinto ereto, de quem se punham estatuetas nos jardins das famílias tradicionais romanas; no Japão festeja-se o pênis intumescido em festivais; na Coréia do Sul há um parque  (é atração turística) dicado ao pênis com ereção. No Egito o faraó manstrupava-se no rio Nilo, como ritual da fertilidade; não casualmente, o cristianismo absteve-se de cristianizar Priápo (embora incorporasse outros deuses).

Somos ensinados a encobrir o pênis, ainda que com sunguinhas cada vez mais estreitas, e as mamas, ainda que com tirinhas que estrategicamente lhes velem o bico. Os costumes ensinam-nos a velar um e outras, sem que a maioria das pessoas se pergunte o porquê desse velamento e da vergonha de seu desvelamento; tal vergonha tornou-se-nos tal, de artificial que é, assim como em tempos a escravidão e a homofobia pareciam naturais pela habituação a eles. O hábito, o costume, a repetição “naturalizam” as criações culturais; podemos analisá-los, ponderar-lhes a razão ou a desrazão, desertar deles, substituí-los: podemos substituir a distinção das partes do corpo entre apresentáveis e indecorosas pela convicção de que no corpo humano tudo é igualmente decoroso e apresentável: eis a mensagem dessa gravura.

Também por isso, toda praia deve ser de nudismo facultativo: as associações, de origem cristã, presentes na sociedade brasileira, entre nudez e erotismo, nudez e indecorosidade, nudez e desrespeito, nudez e vergonha, nudez e malícia, são artificiais, tolas, dispensáveis. O corpo nu é apenas o corpo em seu estado natural, destituído dos atavios com que a civilização e o clima o recobrem; hemos de nos despir (passe o trocadilho) da convicção que vincula a nudez a valores negativos: negativa é essa própria convicção; positiva e sadia é a oposta, segundo a qual, em si, a nudez nada tem que a desabone.

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