Os solecismos de Weintraub.

Os solecismos de Weintraub.

Arthur Virmond de Lacerda Neto. 25.I.2020.

O Ministro da Educação Abraham Weintraub comete cacografias primárias, exprime-se mal, constrói suas frases bisonhamente e é jovem. Sua qualidade idiomática foi merecidamente increpada em redes sociais, máxime pelos oponentes à administração que integra. Seu desempenho serve como amostra da progressiva degradação da qualidade com que o brasileiro médio (nas últimas décadas) exprime-se, redata e traduz (o que inclui abundantes de quantos, por dever de ofício, deveriam ser exímios no trato com o vernáculo), epifenômenos, por sua vez, da incúria com que se ministra a língua portuguesa nas escolas e do desdém que se lhe vota.

Até cerca de 1980, o brasileiro estudado aprendia a sério o vernáculo, assimilava-lhe as regras, usava-as, lia bons autores com que, já nas escolas, se deparava também por meio de antologias escolares. Por conseqüência, rareavam solecismos e havia riqueza léxica e escorreição, até na coloquialidade.

Em meados dos anos 1980, já se notavam deslizes nas traduções, mormente do inglês; de então a esta parte, eles acumularam-se e diversificaram-se.

Adotou-se o princípio de que se deve redigir bem; falar, que se falasse com liberdade, sem regra nem critério. Ao mesmo tempo, o predomínio (até a hegemonia) do dogma de que a gramática provém das classes superiores e opressoras e constitui forma de opressão, conduziu diretamente a menoscabá-la, em prol do popularesco. Sobre isto, as doutrinas da sociolingüística rebaixaram a norma culta a forma culta e, de modelo, a variante, parificada com as expressões incultas. Vai se difundindo a convicção de que a pedagogia anti-opressora provocou o rebaixamento duradouro dos estudantes brasileiros para os mais ínfimos níveis no concerto mundial.

Tudo isto convergiu para desvalorizar a norma culta, menoscabar o idioma como valor de civilização; também para que alunos aprendessem mal e ainda pior aplicassem o quanto houvessem aprendido (se é que aprendiam). De mais em mais, nota-se a simplificação, nas classes médias e letradas, do uso do português, com o desuso da mesóclise, dos pronomes contraídos, dos tempos verbais apropriados, de preposições nos verbos transitivos indiretos, bem como o apoucamento do vocabulário circulante, simultaneamente à invasão de americanismos; as traduções do inglês tornaram-se literais (e erradas) nas preposições e não somente nelas. Tende-se a saber menos o idioma e a usar o mais fácil, duplo critério da mediocridade, ao ponto em que nota típica do brasileiro passou a ser a de saber mal o vernáculo, escrevê-lo mal e fala-lo mal, características perceptíveis no cotejo entre a geração jovem e as já maduras e, máxime, ao se comparar o brasileiro letrado com o português letrado ou sub-instruído: à parte as naturais discrepâncias de entonação e alguns localismos, a diferença essencial acha-se no rigor com que portugueses sabem seu idioma e com que usam o que sabem.

Década após década de repugnância pela gramática, das doutrinas de Marcos Bagno, da pedagogia de Paulo Freire, de alguma lusofobia, mais a tolerância à mediocridade, resultaram em que, finalmente, o Brasil tem ministro mal instruído no vernáculo, o que lhe é pessoalmente vexatório, porém, infelizmente, sua desinstrução não é mais grave do que a da maioria dos jovens seus conterrâneos, inclusivamente doutores.

O alarido que se levantou em razão da cacografia de Weintraub e de suas falhas idiomáticas terá servido, pelo menos, para perceber-se quão feio e deselegante é estar abaixo do mínimo exigível de pessoa estudada, quer se trate de dignitário ou de popular. Se a dignidade do cargo exige de seu ocupante especial decoro, a escorreição idiomática representa forma de decoro que se deve esperar de qualquer pessoa, pertença a que lado pertencer na disputa política e ideológica. Ironicamente, é de supor que muitos de quantos lhe denunciaram os solecismos comunguem do desprezo pela norma culta.

A exposição das deficiências de língua portuguesa de quem deveria exibi-la corretamente suscitou certo sentimento de repúdio pelo despreparo nela e serviu para sensibilizar alguma seção do público em prol de justo cuidado com o idioma.

Graças ao advento dos novos conservadores, parte da mentalidade brasileira acha-se em rápida modificação em sentido divergente, até antagonista, ao da em que se deterioraram conhecimento do vernáculo e seu uso. Possivelmente alterar-se-á, em alguma medida, pró-vernáculo: mais decisivas do que as políticas governamentais, são as vigências sociais ou crenças (na expressão de Ortega y Gasset), as idéias consensuais. Faz-nos falta erradicarem-se as crenças de que a língua portuguesa é difícil e de que a gramática é opressora e contém ranço lusitano, e instalarem-se as de que nosso vernáculo contém beleza e riqueza, permite comunicação com qualidade superior, representa fator de qualificação pessoal e valor de civilização de que todo brasileiro pode comungar. Mais: o domínio pleno do idioma é veículo de acesso ao cânone do vernáculo, à compreensão e fruição da obra ímpar de superioridades como Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, José Saramago e tantos outros. Sua leitura assídua é insubstituível como aprendizado que, por sua vez, facilita o de outro idioma, contribui na prevenção de más traduções, educa o gosto, amplia o léxico, a destreza escrita e falada do leitor, bem assim seu horizonte mental.

 

 

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