Idioma achatado.

        Há muitos anos noto a crescente degradação do idioma, no Brasil. Trinta anos atrás, minha geração falava mal, porém sabia flexão de número (singular e plural), tempos verbais, pronomes, coisas que já se perderam, em parte.          A língua no Brasil mudou para muito pior. Dá vergonha ouvir como certas pessoas falam, como falam muitos do povo, e artistas, e políticos, e gente estudada. Dá vergonha o espírito de desleixo com o idioma; dá vergonha as pessoas não saberem mais usar corretamente os tempos verbais, os pronomes, os verbos, as palavras, a mesóclise, os pronomes contraídos.

        Há simplificações (com a transformação de verbos transitivos indiretos em diretos) que denotam não que “português é difícil” (não, não o é) porém sim que as pessoas não o aprenderam ou, se o aprenderam, usam-no com o menor esforço (critério da preguiça e da mediocridade); por exemplo: procede ao > proceda o; devido ao > devido o.

         Mesóclise, sequer sabem que é, contudo incorporam todos os anglicismos que os maus sabedores de português inventam quando leem em inglês (investimento, alocar, evidência, massivo, força-tarefa, impacto, elusivo).

          Também não se trata, apenas, de riqueza de vocabulário: está em causa a sintaxe e a construção das frases: cometem-se solecismos inaceitáveis vinte ou trinta anos atrás; a construção frasal é primária. As crianças em Portugal falam melhor do que muitos adultos brasileiros, o que inclui o pessoal acadêmico que, supostamente sendo ou devendo ser letrado, amiúde exprime-se e escreve mal.

        Chegamos a tal ponto graças, também, aos teóricos populistas segundo quem toda mudança é bem-vinda e segundo quem a gramática normativa é elitista e anacrônica; também graças aos professores de português que ensinaram os seus alunos a sobrevalorizar a oralidade e a desdenhar da correção gramatical, como se a eficácia, a destreza, até a beleza da comunicação independesse da forma como se usa o idioma.

          O resultado destes ideário e pedagogia é o de o brasileiro haver se tornado em povo relativamente obtuso, e a incapacidade de incontáveis estudantes de inteligirem textos, efeito cuja presença também se nota no pessoal acadêmico, em que mestres, doutores com doutorado e pós-doutores escrevem mal, praticam solecismos, manifestam carência de familiaridade com as formas elevadas de expressão no seu idioma. Escrevem por obrigação de ofício :  é quando revelam seu despreparo, sua carência de traquejo com o vernáculo, a ocorrência e até a recorrência dos vícios e defeitos em voga. Nossos jovens doutores com 28 anos amiúde escrevem mal ; juristas são piores, pelo pedantismo de seu juridiguês.

         Outro resultado consiste na epidemia de cacoetes, vícios e defeitos, como o estúpido vício da duplicidade, com exclusão dos pronomes cabíveis (“Aristóteles redigiu livros; leia os do grego”, em lugar de “Aristótoles redigiu livros; leia-os”) ; o uso de palavras-ônibus (a exemplo do verbo ganhar: “Curitiba ganhou mais um restaurante”) ; o gerundismo (“Vamos estar escrevendo”) ; o apagamento da mesóclise (“Poder-se-á”, “Dí-lo-ei”); a supressão do pronome reflexo “se” (“Fulano apaixonou, separou, aposentou” em lugar de “apaixonou-se, separou-se, aposentou-se”) ; o emprego errado das preposições (“Ligue na central” em lugar de “Ligue para a central” ; “vaga que ele se candidatou”, “empresa que trabalha”) ; o desconhecimento da segunda pessoa do plural (“Vós sois”, “Fizestes”) ; o emprego errôneo dos tempos (“Vai querer ?” em lugar de “Quer ?”; “Aristóteles vai dizer” em lugar de “Aristóteles disse”, vezo corriqueiro no mau estilo acadêmico) ; a conjugação errada da segunda pessoa do singular (“Tu veio”, “Tu fez”) ; o primarismo das construções (“Os primeiros dias choveu”, “A gente acha que é bom para a gente”), a substituição de eu, ele, nós, pela reles locução “a gente”, a invasão de anglicismos, tudo agravado com o desdém da gramática e com a exaltação da mudança pela mudança pois as “línguas mudam” : também mudam para pior, cujo outro efeito é a má qualidade da maioria das traduções brasileiras, dos últimos cerca de 40 anos.

        As portuguesas sempre são melhores : em Portugal valoriza-se saber bem o idioma, falá-lo com escorreição, escrever com clareza e propriedade, traduzir com esmero e vernaculidade; contudo, a influência dos 300 mil brasileiros em Portugal e das telenovelas brasileiras há 50 anos, lá, vem introduzindo entre os portugueses os vícios, os solecismos, os empobrecimentos típicos da sub-instrução dos brasileiros (“Eu vi ele”, “Ele deu a ela”, “Ele se chama de Miguel”), para além de incontáveis expressões brasileiras (que não são erradas).

        Já não se fala em Portugal com o estilo português puro e sim abrasileiradamente, como tudo que a fala brasileira tem de típico (não sendo errado) e de errado (que é muito). Portugal é colônia  da escória lingüística dos brasileiros.

   Em tudo isto nota-se a mudança do idioma, de cujos recursos, de cujas exatidão, lógica, beleza, muito se perdeu. Ele mudou para pior ; é espécie de infantilização.

    Como em todos os assuntos no Brasil, sobre o idioma as pessoas muitas vezes  emitem opiniões sobre o que não sabem, e fazem-no com emoção, não com razão, motivo por que geralmente bostejam e raramente alguém diz o que se aproveite. A doutrinação da sociolingüística e o antiportuguesismo inveterado (em gíria dir-se-ia “estrutural”) contribuem fortemente para predispor as paixões contra a gramática e contra forma culta, cujo efeito é o de coonestar o baixo nível em idioma e convencer o ignorante de que sua ignorância é o estado normal de sua inteligência. A vaca já foi para o brejo.

    > > > > > > > >  Leia assiduamente Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio de Azevedo, José Saramago ; use o que aprendeu na escola ; consulte regularmente a gramática de Napoleão Mendes de Almeida ; procure alternativas aos vocábulos em voga ; consulte dicionários (porém desconfie dos eletrônicos e atualizados) fale com elevação, propriedade, riqueza ; entenda que as línguas mudam para pior e que a nossa é para quem usa sua inteligência.

   Há, porém, corrente de brasileiros que se vem opondo ao achatamento do idioma : os olavinhos (parte deles, pelo menos). Olavo de Carvalho percebeu tal fenômeno (mas eu e Marcos de Castro também e creio que antes dele), denunciou-o e tentou contrariá-lo. Ele teve milhares de alunos e de seguidores, cuja inspiração passou a ser, em parte, a de cultivar o idioma. Nota-se, por exemplo, que as páginas  eletrônicas das editoras “olavistas” e as de olavinhos são mais bem redigidas do que as do ambiente brasileiro em geral.

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