Jesus era homo ?

 

Jesus era homossexual ?

Arthur Virmond de Lacerda Neto. 14.XII.2019.

Jesus era homossexual ? Talvez; possivelmente sim (supondo-se, para argumentar, que ele haja existido, o que é bastante contestável e contestado por vários investigadores).
A narrativa evangélica, acerca de Jesus, é romanceada em todos os seus aspectos, ressalvados alguns pormenores que permitem vislumbrar o que haja sido o Jesus da história.

Atenhamo-nos ao Jesus dos evangelhos: era homem, solteiro, acompanhado, habitualmente, apenas por 11 homens solteiros (há divergências neste particular, porém a versão canônica é a da solteirice. Pedro era casado); teve amizades femininas ocasionais. Entre ele e João havia amizade ternurenta. Jamais condenou a homossexualidade.

Sabe-se que os homossexuais puros, homo a 100%, são minoritários; sabe-se que os heterossexuais puros, heterossexuais a 100%, são minoritários. Entre ambos extremos, a maioria dos humanos têm algum grau de bissexualidade.

No domínio das probabilidades, é mais provável que ele fosse bissexual do que homo ou hetero puro; dado que vivia acolitado somente por homens e era solteiro, é mais provável que fosse homossexual.

Na Idade Média, falava-se, no meio clerical, abertamente, na homossexualidade real o presumida de Jesus. Havia até uma espécie de teologia homossexual. Vide o livro de João (John) Boswell: “Cristianismo, homossexualidade e intolerância”. Neste capítulo, os medievais foram muito mais sinceros e cristãos do que muitos de seus correligionários atuais.

Jesus pode ter sido homossexual ou bissexual. Aliás, Binet-Sanglet, na França, há cerca de já 100 anos, afirmou que era homossexual e não foi o único a dizê-lo.

A película da Porta dos Fundos não deveria indignar nenhum cristão, na medida em que expõe o que é bastante possível e presumível. Se tanto, os cristãos podem insurgir-se contra algum eventual aspecto evidentemente escarnecedor ou desprezador (no fundo) ou de mau-gosto (na forma), porém a mensagem do Jesus-homossexual é legitimamente conjecturável, assim como é legítimo, em arte apresentar-se a personagem (qualquer que seja) com alguma proporção de ficção. No caso, a ficção radica-se na apresentação da vida homoafetiva de Jesus, ausente dos evangelhos, porém conjecturalmente possível na sua vida.

Em arte, em romance, em poesia, em cinematografia, tudo é possível e nada nem ninguém é imune a representações artísticas, mais ou menos fictícias.

Teologicamente, a homofobia pertence ao Velho Testamento e não à pregação de Jesus, que jamais se opôs à homossexualidade. A indignação dos cristãos não se inspira na mensagem do seu herói, e sim no que ele não pregou, não anunciou, não proclamou.

Por mais que certos cristãos abominem a homossexualidade, cogitar da homossexualidade (possível ou presumida) de Jesus é perfeitamente cabível. Como humano e como homem, ele pode, sim, ter sido homossexual ou bissexual, e ter tido afetos masculinos e femininos, e ter sido passivo ou ativo com algum homem. Ele pode, quiçá, haver pertencido ao estrito grupo dos heterossexuais a 100% ou haver sido preponderantemente heterossexual, o que não se prova; o oposto tampouco se prova, porém se pode presumir, com algum fundamento: inexiste, nos evangelhos canônicos, passagens que lhe demonstrem, positivamente, a heterossexualidade; também inexistem lugares que lhe demonstrem, conclusivamente, a homossexualidade, porém do exame das circunstâncias da sua vida averiguam-se indícios neste sentido.

A sociedade judaica era homofóbica (mal que ela nos transmitiu e de que o cristianismo vai tardando em se livrar, embora radicalmente antagônico à pregação de Jesus, que jamais condenou os homossexuais nem a homossexualidade. Aliás, o cristianismo também coonestou a escravidão e criou o anti-semitismo).

A homofobia do meio judaico não impediu a existência de homossexuais, como, em geral, a homofobia não impede, em ninguém, em nenhuma sociedade, a condição, a atração homossexual; impede ou dificulta a revelação da homossexualidade, condição da pessoa, que se revela ou oculta consoante o meio; ela não é condição do meio: quer seja este homofóbico ou não, houve, há, haverá homossexuais.

 

Por isto, a homofobia do meio judaico é perfeitamente compatível com que os 12 fossem, virtualmente, homossexuais. A solteirice de Jesus, conquanto não decisiva, pode ser reveladora; também seu gesto enternecido em relação a João. Certas atitudes são sintomáticas, são típicas: esta seria uma, especialmente no meio homofóbico em que eles viviam.

É conjecturável que certos homens, cientes, em segredo ou por rumores, da homossexualidade de Jesus, abandonassem, de fato, suas mulheres para segui-lo, não somente porque ele dissesse (metafórica ou denotativamente) “abandonem tudo e sigam-me”, como porque se sentiriam à vontade como sequazes homossexuais de um homossexual, e constituiriam grupo cujos integrantes não se hostilizariam entre si. Outros homossexuais agregar-se-lhes-iam por igual motivo, por sentirem-se seguros em restrito bando homossexual, em sociedade homofóbica: semelhantemente ao que se passou em países (de matriz cristã-homofóbica) como o Brasil e os EUA nas últimas décadas, em que os homossexuais reuniam-se em estabelecimentos de convívio próprios (como bares e discotecas) e compunham círculos de amigos, alguns judeus veados de antanho ter-se-iam agrupado à volta do fanchono Jesus.

A quantidade de uma dúzia, atribuída aos apóstolos, é provavelmente fictícia; ela pertencia ao imaginário da Antigüidade, como quantidade prestigiosa. Não terá sido, exatamente, de uma dúzia o número de seus asseclas diretos. Quantos fossem, precisamente, é irrelevante, porém é interessante que ele tivesse (se teve) grupo que lhe foi fiel. O que ele lhes oferecia, ao ponto em que o acompanharam fielmente ? Oferecia-lhes, possivelmente, ausência de homofobia, aceitação, companheiros de condição (homoafetiva), sexualidade que exerceriam entre si e amor. Os 13 seriam bando de (12 ou menos) veados.

Faz sentido conjecturá-lo. Não é despautério. Despautério é pensar que não houvesse homossexuais entre judeus e que eles, por uma forma ou outra, não se reconhecessem e não convivessem e não praticassem sexo entre si. Até no arcaico Brasil, de décadas atrás, quando a hostilidade social homofóbica era muito intensa e cruel, havia alguns, raros, que externavam sua homossexualidade; havia (ainda os há) botequins, saunas, discotecas, freqüentados preponderante ou exclusivamente por homossexuais; há círculos amisostos homossexuais. Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és.

Por que Jesus preconizava o amor, antes de tudo, como valor soberano ? Possivelmente, também, porque, na sua (hipotética) condição de homossexual, padecia com a rejeição ambiente, com o desamor de seus contemporâneos. Em vez de impugnar a homofobia, procurou contorná-la com pregação amorosa, originária, aliás, de sua formação budista.

Por que Paulo de Tarso perseguiu Jesus e, depois, alterou totalmente sua orientação ? Possivelmente porque, como vários intérpretes argumentam, Paulo fosse homossexual que não se aceitava como tal e, como é típico, odiava os que sabidamente o fossem (fenômeno averiguável no meio brasileiro, o que permite suspeitar de certas figuras públicas da política e da teologia). Se, de fato, Jesus o fosse, Paulo, homossexual enrustido, odiava em Jesus o que recusava em si, até cessar a sua egodistonia: quando aceitou sua homossexualidade, cessou de odiar Jesus e, em vez de nele enxergar o símbolo do que odiava, passou a considerá-lo como símbolo do que também ele, Paulo, era, e como destemido representante de parcela marginalizada da sociedade. Eis porque, dentre vários pretensos messias e chefes de movimentos nacionalistas anti-romanos, Paulo terá escolhido Jesus: por causa da afinidade tão íntima, tão secreta, tão homoafetiva entre um e outro.

Muitos homo das sociedades cristãs contemporâneas vivem vidas duplas: casados com varoas, freqüentam prostitutos ou saunas homo (já não é assim, entre jovens). Talvez os 12 abandonassem suas vidas falsas (como maridos de varoas) e passassem a viver com desafogo, junto de seu cabecilha, que não os discriminaria por homossexualidade. Daí, possivelmente, o caráter de bando marginal e a pregação revolucionária de Jesus. Também é possível que ao longo dos séculos e no curso das edições que os evangelhos sofreram, os cristãos homofóbicos hajam-nos expurgado de trechos pró-homo; daí a sua ausência nos textos que nos chegaram, com exceção do gesto de Jesus em relação a João. Um gesto apenas pouco ou nada significa, porém um gesto apenas pode servir de indício de realidades que só se exprimiam na intimidade e que desinteressava aos autores dos evangelhos divulgar.

No Brasil, integra o argumentário anti-homofobia a ausência de homofobia na pregação de Jesus. É natural que os homossexuais a invoquem, em seu favor; é natural que cristãos homo o façam; é natural que cristãos (homo ou não) realmente cristãos o façam; é até natural que não cristãos o façam, polemicamente, perante cristãos. Além de natural, como argumento, trata-se de argumento verdadeiro.

O que não é natural, ou, pelo menos, é discutível, é que cristãos sobreponham o velho testamento ao novo e anteponham o odiento do Levítico e de outros lugares, à pregação amorosa de seu herói. É consensual que, em geral, todo homofóbico é homossexual enrustido, que condena em outrem o que recusa em si, ou que aparenta condenar para melhor ocultar o que realmente é. Nesta dinâmica psicológica, certos lugares bíblicos são altamente usáveis (e, certamente, usados) por cristãos que, com eles, constituem instrumentos de defesa para sua egodistonia e até para suas vidas duplas: praticam o oposto do que pregam ou pregam para convencer a si próprios ou para ocultar de outrem o que eles são.

O cristianismo não transcende a moralidade vigente em cada época, não antecipa a que, em cada período, será vindoura. Ao revés: ele adapta-se à que passa a viger, modifica-se e aceita a que se torna preponderante. Ele não foi e não seria abolicionista enquanto a sociedade laica não o fosse. Hoje é consensual a recusa da escravidão, motivo por que também a igreja a recusa. Hoje, é minguante a homofobia e vai sendo consensual a aceitação da homossexualidade (no sentido de ausência de preconceito e de hostilidade): a igreja católica já emite sinais de que vai incorporando, lentamente, a moralidade do grande público.

No Brasil, as igrejas evangélicas ainda são focos de homofobia. À medida, porém, em que o tempo transcorra e ela mingue (como vai minguando) e cesse (como cessará), os cabecilhas respectivos perceberão a inutilidade de bradar contra o que, velozmente, entranha-se nos costumes. Sem necessariamente reconsiderarem doutrina, cambiarão de ênfase; sua pregação valorizará outros aspectos da vida e da teologia, e preterirão a grita homofóbica. Algumas igrejas já cambiaram de doutrina, aceitam casais homo e até os casam: é atitude que, possivelmente, achar-se-á difundida em décadas vindouras.

Todas as acima, ainda que hipotéticas, são ponderações perfeitamente plausíveis. Certos setores da cristandade, ortodoxos e conservadores, certamente exaltam-se na sua indignação, com a hipotética homossexualidade do seu herói, mais do que os cristãos abertos à humanidade dele.

A insurreição de muitos cristãos quanto à possível homossexualidade de Jesus pode ser interpretada consoante o que já se sabe, há tempos: quanto mais enrustido é a pessoa, com tanto mais veêmencia ataca os homossexuais. E certamente eu enunciei o que muitos pensam e não se encorajam a dizer. Desfiz o que para muitos cristãos provavelmente é tabu e que qualquer pessoa percebe (embora deva haver cristãos sinceramente convencidos da heterossexualidade de Jesus).  Nas sociedades de matriz cristã, em que o casamento é obrigatório pelos costumes (originários, em parte, do cristianismo), ser solteiro é suspeito. Entre brasileiros são tradicionais certas perguntas heteronormativas, que transmitem, implicitamente, a expectativa de que todo macho deve desposar fêmea: “E as namoradas ?”; “Por que não se casou ainda ?”; “Quando é que se vai casar ?”; “Chegou aos 33 anos solteiro… é suspeito”.

No âmbito desta mentalidade, terão sido inúmeros os cristãos que, animados pelo mesmíssimo critério com que avaliavam a privacidade dos seus concidadãos e até a julgavam, presumiram quanto a Jesus o mesmo que presumiriam de seus concidadãos machos, adultos e solteiros: que é veado.

Se realmente Jesus foi homossexual, não teve a hipocrisia de muitos de seus seguidores brasileiros, que se casaram e casam para “dar uma satisfação aos pais, aos amigos, à família e à sociedade”, e vivem infelizes e, muitas vezes, vidas duplas.

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