Duplo sujeito. Vulgaridades de redação. Mesóclise.

 

 

            Vício do duplo sujeito.  Vulgaridades de redação. Mesóclise.

Arthur Virmond de Lacerda Neto. 2019.

VÍCIO DO DUPLO SUJEITO.

Os jornalistas brasileiros, os autores de textos acadêmicos (monografias, dissertações, teses) e muitos de quantos redigem no Brasil, praticam o vício da duplicidade: repetem o sujeito e outros componentes da frase, como o complemento verbal ou o objeto. Usam, viciosamente, perífrases. Não sabem escrever sem ele, desaprenderam alternativas de construção de frases sem ele. São incapazes de usar os pronomes em lugar da repetição do sujeito ou de outros elementos da frase. Por exemplo: “OAB divulga lista de faculdades recomendadas pela entidade.” (vício de duplicidade do sujeito: OAB e entidade.). Logo, a OAB divulga lista de faculdades recomendadas por alguma entidade, que não se especifica. Mas o autor desta péssima frase quis dizer que a tal entidade é a própria OAB. Muito melhor é: “OAB divulga lista de faculdades que recomenda.”.
“Suspeita de matar o filho não aceitava homossexualidade do jovem” (vício de duplicidade do complemento verbal: filho e jovem.). Que jovem ?
Na frase, há “o filho” e “o jovem”. O filho é o jovem; o jovem era o filho, porém não se explicita que o filho fosse jovem: poderia ser criança, velho, maduro.
A redação contém o vício duplicidade do complemento verbal (objeto direto, ou seja, filho) que, na segunda oração, também é predicativo (jovem).
Agora sem a duplicidade: “Suspeita de matar o SEU filho não LHE aceitava a homossexualidade”. Isto é frase correta, perfeita, destituída de duplo sujeito.
Outra: ‘Produtores jogam tomate fora após queda do preço da fruta” (vício de duplicidade do complemento verbal: tomate e fruta.). Tomate e fruta são o mesmo; não são dois (tomate; fruta), mas um: a fruta é o tomate. É como escrever: produtores jogam tomate no lixo após queda do preço do tomate. Corretamente escrito: “Produtores jogam tomate fora após queda do preço deste”, em que o pronome demonstrativo (deste) indica o tomate e elide anfibologia relativa a quem corresponde ao preço, pois caso se redigisse “Produtores jogam
tomate fora após queda do seu preço”, o pronome “seu” virtualmente suscitaria a dúvida relativa a se o preço se refere ao preço ou aos produtores.
Em revistas, gazetas, telejornais, é correntia tal construção viciosa.
É vícioso escrever assim; é redundante escrever assim; não é “estilo jornalístico”, é mau estilo pois induz o leitor ao equívoco de entender dois sujeitos onde
há um só.
Na Gazeta do Povo, há tempos, o título era mais ou menos: “Cobra achada no Barigui; ofídio não é perigoso; vertebrado foi capturado; serpente foi levada embora”. (Vício da quadruplicidade do objeto). O leitor tem de saber que cobra é ofídio, que ofídio é vertebrado, que serpente é cobra.
Era muito melhor se o pedante (sim, pedante, porque isto de duplicidade é pedantismo) houvesse redatado: “Cobra achada no Barigui; não é perigosa, foi
capturada e levada embora.”.
Outro exemplo: Galileu escreveu livros, sendo importantes os do astrônomo. O leitor tem de adivinhar que o astrônomo é Galileu; não se pode esperar que adivinhe (duplicidade do sujeito). Perceba a diferença agora: Galileu, astrônomo, escreveu livros importantes. O astrônomo Galileu escreveu livros que são importantes. São importantes os livros do astrônomo Galileu.
Outro exemplo: “México se prepara para maior furacão da história do país”. Que país ? (Vício do duplo sujeito: México e país). Correto é: “México se prepara para maior furacão da sua história”. Excelente, corretíssimo, sem duplo sujeito.
Outro exemplo: “Segundo a assessoria de imprensa do Conselho Nacional do Ministério Público, o processo para apurar a conduta do promotor de Justiça foi arquivado. O Conselho teria considerado que os atos praticados pelo membro do MP […]”. O complemento verbal (objeto indireto) é “promotor de Justiça”; a seguir, é “membro do MP”. Não é suposto que o leitor saiba que promotor de Justiça é membro do MP.
Melhor é: “Segundo a assessoria de imprensa do Conselho Nacional do Ministério Público, o processo para apurar a conduta do promotor de Justiça foi arquivado. O Conselho teria que considerado que os atos praticados por ELE […]”.
Outra: na Casa de Juscelino Kubitschek, lê-se, junto de pia: “Não toque na pia. A peça está frágil”. É como se houvesse pia e peça e a peça fosse diferente da pia. Melhor é: “Não toque na pia. Ela está frágil”, em que se entenderia, inequivocamente, que a pia está frágil.
Outra: “Ao longo do texto, o tradutor quis destacar palavras e expressões de Nietzsche, objetivando compreensão do texto do filósofo.”. Que filósofo ? É Nietzsche ? Sim, é-o; cuida-se de livro da sua autoria (repare: usei o pronome; evitei o duplo sujeito); logo, é óbvio, pelo contexto, que filósofo = Nietzsche. Escrevesse:
a) “Ao longo do texto, o tradutor quis destacar palavras e expressões de Nietzsche, objetivando-LHE a compreensão do texto.”;
b) “Ao longo do texto, o tradutor quis destacar palavras e expressões de Nietzsche, objetivando a compreensão do SEU texto.”.
A construção “a” é castiça e corretíssima; a “b” é corretíssima. O escrevinhador praticou a pior.
Outra: “Casal que recebeu apoio de Ivete processa cantora”. O casal recebeu apoio de Ivete; mas Ivete é a cantora. O autor desta péssima frase supõe que o leitor saiba que Ivete é cantora; não é suposto que o leitor o saiba, embora muitos o saibam. E se ele não souber? Neste caso, entenderá que Ivete é uma pessoa; cantora é outra; logo: o casal que recebeu apoio de Ivete processa outra pessoa. A forma correta é: “Casal que recebeu apoio da cantora Iveite processa-a.”.
Um título dizia: “Oração pelos irmãos mexicanos: furacão atingirá o país hoje”. Que país? Nesta frase, o seu redator está viciado ao ponto em que, no entendimento dele, o  complemento verbal (do México) acha-se oculto e como que presumido no adjetivo “mexicanos” (mexicanos = do México) e, sem que o haja enunciado, enunciou o complemento verbal (objeto direto), ou seja, “o país”, na segunda oração. Em suma: redigiu pessimamente.
Para evitar a repetição do sujeito, em lugar da sua repetição, use pronomes: eles existem para isto. Por exemplo: “Caracala governou Roma; Caracala foi importante”. Escreva: “Caracala governou Roma; ELE foi importante.”Evite: “Caracala governou Roma; o imperador foi importante”. Nesta péssima frase, Caracala = imperador, porém não se pode exigir que o leitor saiba que Caracala = imperador. O leitor desavisado pensará (com razão) que Caracala é um e que imperador, é outro.
Atente nisto: os pronomes ele, eles, ela, elas, destinam-se a evitar a repetição do sujeito. O uso de perífrases (rodeios de linguagem ou de substantivos) para referir-se ao sujeito constitui vício de duplicidade (do sujeito e não só).
            Repetir o sujeito não é necessariamente negativo; repeti-lo é aceitável. Para evitar repeti-lo, há pronomes: ele, ela, eles, elas, lhe, lha (sim: lhe +a), lho (lhe + o), lhos, lhas, seu, sua, seus, suas, cujo, cuja, cujas, cujos, dele, dela, deles, delas.
É inútil e redundante repetir o sujeito, contudo jornalistas, universitários e escrevinhadores em geral esmeram-se no vício do duplo sujeito e já desaprenderam a empregar os pronomes. Sequer sabem da existência de ele, eles, ela, elas ? É vício generalizado, no Brasil; suponha seja ensinado, por professores equivocados, para alunos ingênuos: professores ineptos e alunos crédulos, uns e outros destituídos de senso crítico e, presumo, de leitura de bons  autores, pelo menos de autores melhores do que os formam os tais ensinantes, nos tais instruendos.
O duplo sujeito é vicioso sempre, independentemente do gênero em que ocorre, quer se trate de texto técnico, jornalístico, literário ou sobre literatura, pois a clareza é qualidade de prezar-se em qualquer texto e a obscuridade não o é, em texto nenhum. No texto literário, ainda que se admita liberdade estética, a duplicidade induz à mesma situação a que induz em qualquer outro texto: a de sujeitar o leitor a adivinhar a correlação entre o sujeito e o seu duplo; ainda que o leitor seja afeito à matéria tratada e facilmente correlacione um com o outro, é virtude do bom texto a sua clareza e não a sua obscuridade . Os clássicos não usam a duplicidade, que é  invencionice brasileira dos tempos que correm
Segundo alguns, praticam a duplicidade para evitar-se a repetição do sujeito. Ora, para evitar-se a repetição do sujeito existem pronomes. Pronomes ! Ele, ela, eles, elas, seu, sua, seus, suas, dele, dela, deles, delas ! Eles existem ! Sim, existem e servem exatamente para evitar-se a repetição do sujeito ! Use-os ! Quem os usa, evita o duplo sujeito; cometê-lo importa supressão dos pronomes e involução lingüística.

Alguns redatores esmeram-se em multiplicar as perífrases. Pensam que fazê-lo é escrever bem. Não; é escrever mal.
E haja pachorra para, todos os dias, ter de ler e reler certos textos e títulos para perceber se há duplo sujeito ou se há dois sujeitos.

É vício, verbosidade inútil; é pobreza de qualidade do texto, é texto mal escrito, porcaria, carência de senso estético e de eficácia na comunicação, que já grassa entre outros escritores e não apenas entre jornalistas. Universitários, juristas, professores, sociólogos, autores de artigos acadêmicos, desafeitos à leitura, mal enfronhados nos bons escritores do idioma repetem o vício do duplo sujeito em monografias, dissertações, teses, artigos, livros, em que o duplo torna-se triplo, quádruplo, quíntuplo. O autor não percebe o grotesco da sua redação e, certamente, acredita praticar bom estilo. Ilude-se.

É inútil e redundante repetir o sujeito, contudo jornalistas, universitários e escrevinhadores em geral esmeram-se no vício do duplo sujeito e já desaprenderam a empregar os pronomes. Sequer sabem da existência de ele, eles, ela, elas ? É vício generalizado, no Brasil; suponha seja ensinado, por professores equivocados, para alunos ingênuos: professores ineptos e alunos crédulos, uns e outros destituídos de senso crítico e, presumo, de leitura de bons autores, pelo menos de autores melhores do que os formam os tais ensinantes, nos tais instruendos.

O duplo sujeito é vicioso sempre, independentemente do gênero em que ocorre, quer se trate de texto técnico, jornalístico, literário ou sobre literatura, pois a clareza é qualidade de prezar-se em qualquer texto e a obscuridade não o é, em texto nenhum. No texto literário, ainda que se admita liberdade estética, a duplicidade induz à mesma situação a que induz em qualquer outro texto: a de sujeitar o leitor a adivinhar a correlação entre o sujeito e o seu duplo; ainda que o leitor seja afeito à matéria tratada e facilmente correlacione um com o outro, é virtude do bom texto a sua clareza e não a sua obscuridade . Os clássicos não usam a duplicidade, que é invencionice brasileira dos tempos que correm.

Evitar palavras (cujos sinônimos procure no dicionário) pode ser esteticamente valioso; já evitar a repetição dos nomes não é vantajoso e resulta na duplicidade do sujeito. Escrever várias vezes o nome não torna o texto desagradável; nada há de desagradável nesta repetição. Ao invés: ela evita confusões e permite ao leitor identificar, sem dúvidas, de quem ou de que se trata. (Os clássicos não usam duplo sujeito; repetiam os nomes. Os clássicos são desagradáveis ?).

VULGARIDADES DE REDAÇÃO.

Há vulgaridades de redação, ou seja, locuções e expressões corretas e de uso correto, que se tornam vulgaridades devido ao excesso do seu uso, ao seu uso como expressões-ônibus ou palavras-ônibus. São corriqueiras em textos também acadêmicos; formam até uma espécie de gíria; denotam ausência de estilo próprio, ou seja, de autonomia estética: as vulgaridades existem por imitação: alguém usa dada palavra, repete-a (ou não); a palavra soa a nova, a diferente, talvez a elegante; outros passam a repeti-la.
Algumas vulgaridades tornam-se em cacoetes: o escrevinhador já não sabe escrever sem elas. Por exemplo:
1) O macabro, prolixo, feio, redundante e ambíguo VÍCIO DA DUPLICIDADE. É urgente os escrevinhadores brasileiros convencerem-se de que quem o comete, escreve MAL. Por
exemplo: “Augusto Comte, criador do Positivismo, escreveu livros; são bons os livros do francês”.           Agora, sem o vício: “Augusto Comte, criador do Positivismo, escreveu
livros, que são bons.”.
Outro: “A UFPr tem vários professores que lecionam na entidade com 20 horas.”. Sem o vício: “A UFPr tem vários professores que nela lecionam com 20 horas.”.
2) Vício de “algo”: “Ler é algo bom”. Sem a vulgaridade: “Ler é bom.”.
3) Vício de “registro”: “Tenho registro fotográfico” por “Tenho fotografia”; “O contraste entre imagens e texto esclarecem aspectos. Nestes registros, há boas
informações.”.
4) Vício de “projeto”: “Fulano lançou um livro; é o seu primeiro projeto”.
5) Vício de “todo um”: “No Brasil há todo um contexto de crise.”.
6) Vício de “bem claro”: “Deixei bem claro o que pretendo”.
7) Vício de “a gente”: “A gente quer.”
8) Vício de “o que”: “Possuo muitos livros. O que me alegra.” Forma correta: “Possuo muitos livros, o que me alegra”. Não se pode separar um elemento da frase, do
outro, no caso.
9) Vício de “possuir”: “Possuo dor-de-cabeça”, “O brasileiro possui virtudes”, por “Tenho dor-de-cabeça”, “O brasileiro tem virtudes.”.
10) Vício de “ganhar” (é o campeão, em artigos, livros e na Gazeta do Povo): “Curitiba ganha mais um restaurante”, “Fulano ganha respeito”, “Tal partido tem ganhado
eleitores”. [Vulgaridades plebéias: “Fulana ganhou nenê”; “A aluna ganhou um ponto do professor”. As mulheres não ganham bebês: elas concebem.].
Em país em que rara gente lê, em que se sabe mal o vernáculo, os vícios propagam-se e as vulgaridades trivializam-se e manifestam-se, também, no alto pessoal acadêmico: há mestres, doutores, pós-doutores, professores-doutores e professores-pós-doutores que os escrevem: este pessoal redige por obrigação funcional e, parte dele, sem haver adquirido familiaridade com os bons escritores do idioma ou, pelo menos, não adquiriram estilo próprio. Ao invés, escrevem por imitação dos outros; eis porque se disseminam os erros, os cacoetes, os vícios e surgem vulgaridades de estilo.
Certo pessoal acadêmico, supinamente titulado, escreve defeituosamente, com cacoetes, para além de usar metáforas infelizes, empregar mal certos vocábulos, ser prolixo, confundir os tempos verbais (por exemplo: “Aristóteles vai dizer que […]”. Não: Aristóteles DISSE.), errar os pronomes (por exemplo: “Quero agradecê- lo”), produzir frases obscuras e anfiguris.
É óbvio que Machado de Assis não incorria em inépcias que tais; aliás, em inépcia nenhuma. Tampouco Aluísio de Azevedo, Raul Pompéia, Eça de Queiroz, José Saramago – e nenhum deles era doutor nem pós-doutor, sem desdouro, evidentemente, dos doutores e pós-doutores que escrevam bem.
Em certos meios, há jargões, ou seja, dado léxico próprio, que designa categorias específicas da respectiva área do conhecimento. Não é disto que se trata, porquanto nenhuma das palavras acima constitui jargão.
Certos artigos “científicos” são decididamente ruins (malgrado da autoria de doutores e de pós-doutores): o sujeito percebe mal, explora mal o seu tema, descreve-o mal, conclui mal, e depois publica o seu artigo em coletâneas. Por exemplo: “História do corpo no Brasil”, de onde extraí os exemplos de vícios acima, encontradiços nos meios letrados e universitários, brasileiros, da atualidade.
MESÓCLISE.

A mesóclise é recurso da língua portuguesa em que se insere o pronome no verbo, nos
tempos futuro (futuro do presente e futuro do pretérito. Futuro do presente, como
“farei”; futuro do pretérito, a exemplo de “faria”).
Na mesóclise, o pronome não se antepõe ao verbo (a anteposição do pronome ao
verbo chama-se de próclise, como em “me diga”) nem se lhe pospõe (a posposição do
pronome ao verbo denomina-se de ênclise, a exemplo de “diga-me”). Na mesóclise
introduz-se o pronome “dentro” do verbo. Por exemplo: verbo entender > entenderá >
entender-se-á. Verbo inaugurar > inaugurarão > inaugurar-se-ão. Verbo fazer > farei
isto > farei o > fá-lo-ei. Verbo encontrar > encontrariamos > encontrar-nos-íamos.
Emprega-se a mesóclise no tempo futuro; ela é-lhe peculiar e exclusiva, por ser
impossível praticá-la nos tempos presente e no pretérito. Ela caracteriza a conjugação
dos tempos futuros, sentido em que é vantajosa para a clareza do discurso.
A mesóclise é de fáceis entendimento e uso. É facílimo intercalar o pronome no
verbo, operação de que qualquer pessoa torna-se capaz, uma vez que a aprenda e que se
exercite: aprendê-la e exercitar-lhe o emprego constituem operações ao alcance de
qualquer indivíduo de inteligência normal. No meu tempo de estudante, aprendia-se
com onze anos de idade. As crianças aprendiam a mesóclise. Até por imitação e sem
especial ensinamento é-se capaz de aprendê-la, como, demais, espontaneamente as
pessoas apreendem o idioma, de oitiva.

 

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