Cartas sobre a homossexualidade

Cartas a Paul Krause sobre a homossexualidade

21.2.2009

Arthur Virmond de Lacerda Neto

arthurlacerda@onda.com.br

 

      Em 21 de fevereiro de 2009, escrevi a carta abaixo, a Paul Medeiros Krause, em que refuto um seu artigo de fundamentalismo católico e anti-homossexualidade, que se encontra em http://www.sacralidade.com/mundo2008/0099.aspectos.html.

       "Caro Sr. Paul Krause:

     Li o seu ensaio sobre a "revolução homossexual" e pondero-lhe o que segue.

    O "positivismo" a que se refere no seu ensaio, é o "positivismo jurídico", de João Austin e de João Kelsen, que, frequentemente, se confunde com o Positivismo, a doutrina sociológica de Augusto Comte.

    A legítima detentora do nome Positivismo, é a doutrina de Comte; outras correntes apropriaram-se do seu designativo, o que ocasiona muita confusão entre a obra de Comte e elas. 

    É o caso da doutrina jurídica de Austin e de Kelsen, que em nada, absolutamente nada, se relaciona com a obra de Comte.

    Só há um Positivismo, o de Comte. A doutrina de Kelsen é melhor designada por normativismo, por apegar-se à norma, à lei escrita, legislada.

     A prática da homossexualidade corresponde a uma naturalidade, a um fato da natureza humana, presente, também, nos animais. O ser humano é heterossexual, bissexual e homossexual: esta é a realidade.

     Não é este, claro, o entendimento do cristianismo, do dogma cristão, segundo o qual o ser humano é e só pode ser heterossexual e toda forma de sexualidade diversa desta é anormal.

     Ao contrário do que o senhor afirma, o senso comum demonstra a naturalidade da homossexualidade, que nada contém de imoral: ele é, em si, inofensivo, quer para os seus participantes, quer para terceiros quaisquer. A ninguém prejudica e não traz efeitos indesejáveis, a saber, gravidezes indesejadas.

    Imoral é o que prejudica alguém: o exercício responsável da sexualidade, em qualquer das suas formas, é perfeitamente moral, normal e aceitável. Para mais, pertence à privacidade de cada um e é dever dos demais respeitarem-na. Quem não gosta, não faça; deixe os outros fazerem, dentro da liberdade de cada qual.

    A sua argumentação padece do mesmo vício que o senhor imputa aos pró-homossexualidade: se eles adotaram uma ideologia, o senhor adota outra, a do cristianismo.

     Neste  particular, não há consenso possível entre um cristão e quem não o seja, ao menos, entre quem o seja  e quem não seja, neste particular.

     O cristianismo (e qualquer forma de teologia) constitui, evidentemente, uma forma de se entender a realidade, subjetiva e verdadeira apenas para os seus crentes. Ele não exprime verdades absolutas.

    A prática da homossexualidade, diz o senhor, é sinal de decadência moral e civilizacional, e promoverá a ruína do mundo moderno.

     Quanto exagero ! Que falta de senso de proporções ! Que alarmismo!

     A homossexualidade é inerente ao ser humano. Ali onde houve cultura, pensamento, ciência, sabedoria, arte, desenvolvimento, religião, ali onde havia seres humanos, havia homossexuais (e também bissexuais e heterossexuais).

      As virtudes da Humanidade resultam da natureza dos homens e não da sua condição heterossexual. Das suas palavras deduzo que, no seu entender, a condição homossexual é incompatível com a grandeza humana, o que é perfeitamente falso. Gregos e romanos foram bissexuais e ninguém lhes atribuiria decadência moral nem de civilização. 

    A falta de liberdade sexual e a recusa da homossexualidade  transtornou inúmeras pessoas, ao longo dos tempos: a anti-homossexualidade perturbou e perturba, em alguma medida, a saúde psicológica das pessoas. Neste particular, a teologia cristã é culpada de uma enorme quantidade de sofrimentos inúteis: isto  sim é que é imoral.

    O mundo moderno arruinar-se-á quando os homens desposarem homens? Com fundamento em que o afirma? A união afetiva e legal de dois seres humanos pode originar a ruína da civilização? Alemanha, Espanha, Bélgica, Holanda, Canadá, etc., em que o casamento guei existe, acham-se em ruína ou à caminho dela?

     Casamento significa união. Quem se une, é secundário; decisivo é que o Estado possibilite-o a quem se queira unir, sejam homens, sejam mulheres, entre si, sejam homens com mulheres. É sem sentido pretender que o casamento homossexual corresponde a uma "usurpação dos direitos da família natural". Que significa esta "usurpação" ? Que "direitos" são estes? A sua, é uma frase retórica e vazia, insensata e, sobretudo, preconceituosa e intolerante. Viva e deixe viver.

   Saúde e fraternidade."

         RESPOSTA DELE EM 27.2.2009:

 "Caro Arthur,

 
Obrigado pelo seu e-mail e pelos seus comentários. Obviamente, não partilho das suas opiniões.
 
Você acredita realmente no que escreveu? Nem por um instante pareceu-lhe que eu estou certo?
 
Não é a oposição da sociedade ao homossexualismo que faz mal, é o próprio homossexualismo em si. Enquanto os meus irmãos, filhos de Deus, com "tendência" homossexual – porque ninguém é ou nasce homossexual – acreditarem nessa afirmação falsa, não conseguirão resolver os seus problemas. É muito fácil jogar sobre os ombros dos outros a culpa pelas nossas frustrações e a responsabilidade pelos nossos atos errados. Ocorre, porém, que o indivíduo é livre, e a sua felicidade depende das suas escolhas, e não dos outros.
 
Não acredito em que haja homossexualidade entre os animais. O que há é a interpretação forçada, ideologizada, dos atos entre os animais, atribuindo-lhes conotação homossexual inexistente na realidade. O homossexualismo requer a fantasia homossexual. Não creio que os animais tenham isso.
 
Ademais, nem tudo o que é válido para os animais é válido para os homens. Defendo eu a fidelidade conjugal. Isso não existe entre os animais, que não possuem razão, e são guiados apenas pelo instinto. Não há falar em moral para os animais. A moral existe apenas para os homens.
 
Não é verdadeira a sua assertiva sobre serem os romanos e os gregos bissexuais. Ao menos, não foram os grandes romanos e gregos – como Cícero, Aristóteles, Platão e Sócrates -, os que mais influenciaram o mundo inteiro, escravos das suas paixões desordenadas (incluindo nelas o homossexualismo).
 
Talvez você precise estudar mais profundamente o homossexualismo. Procure estudar a bibliografia e os autores que eu citei, e tire você mesmo, por conta própria, não por conta do que a ideologia dominante diz, as suas próprias conclusões. Você verá que a minha opinião tem respaldo nas ciências naturais e que não é ideológica. Ela é iluminada pelas minhas crenças religiosas. Mas o catolicismo é orientado pela harmonia entre fé e razão. Se a razão contraria a fé, a fé é falsa. Portanto, amigo, não vivo uma ideologia. Estou sempre disposto a ver minhas opiniões julgadas sobre o crivo da razão e da realidade dos fatos.
 
Grande abraço,
 
Paul."

  MINHA RÉPLICA EM 27.2.2009:

 

          "Caro Paulo:

        Acredito, de todo, no que escrevi.
        A homossexualidade não faz mal a ninguém; ao contráio, faz muito bem para os seus praticantes. Tanto eles sentem-se bem com a sua prática, que ela existe e nela persistem. Se fosse ruim, não existiria a homossexualidade. Ela é uma condição sexual, assim como a heterossexualidade é outra.
      Por que alguém é homossexual? Pelo mesmo motivo porque alguém é heterossexual: porque é a sua condição sexual própria, geralmente congênita. Nasce-se assim.
     Não é ideollógico dizer-se que a homossexualidade é congênita; é o resultado da observação dos fatos. Todos os que conheço, reconhecem-se assim desde que lhes surgiu a sexualidade, por vezes, desde 9, 10, 11 anos.
  Também resulta da observação dos animais, a constatação de que entre eles há homossexualidade. É um fato da natureza.
       É perfeitamente verdadeiro que os gregos e os romanos foram bissexuais.  Consulte qualquer livro de história da homossexualidade ou da antigüidade para confirmá-lo. Consulte os poetas , como Virgílio, Homero, Lucano: há inúmeras alusões aos amores de homens entre si.
   Basta ler O banquete de Platão, em que enaltece e justifica o amor entre iguais.
    Não partilho da ideologia dominante; não sou marxista, sou anti-marxista. Não sou marxista cultural nem partilho de certos valores da esquerda.
   Sou contra a homofobia, ou, para falar positivamente, a favor da aceitação da homossexualidade e que cada um possa viver a seu modo. Se a esquerda é gueizista, tanto melhor para os homossexuais e para a esquerda; se a direita é contra a homossexualidade, tanto pior para a direita…
     Parece-me que, sobre isto, formou-se no Brasil uma dicotomia maniqueísta: ou se é a favor da homossexualidade e se é de esquerda, ou se é contra ela e se é de direita.
   Esta polarização conota a posição relativa à homossexualidade com esquerda e direita, quando pode haver e há posições independentes, ou seja, alguém pode ser a favor ou contra, independentemente de  ser de direita ou de esquerda.
   É  o meu caso: não sou de esquerda, sou anti-esquerdista cultural, e sou a favor da homossexualidade.
   Parece-me que a direita católica, ou os católicos, é que estão a formar este maniqueísmo, o que confunde as coisas e mais desacredita a direita, já tão débil entre nós.
   Por que há gueizismo? \Porque há homossexuais no mundo, porque a homofobia é revoltante, porque as pessoas querem viver com liberdade, independentemente de direita, de esquerda, de religião e seja lá do que for.
   Por isto, o gueizismo é uma causa que vai sendo vitoriosa e pior para quem a ela se contrapuser.
   Não me tornei pró-homossexualidade por efeito da ideologia,e sim por haver estudado o tema, criei convicção própria.
  Dois livros influenciaram-me: Córidon, de André Gide, e Uma história da homossexualidade, de Colin Spencer, dentre outros.
   A homossexualidade integra a natureza e a normalidade humanas, assim como a heterossexualidade. Pensar em contrário, é machismo ou preconceito, originário, este, do cristianismo.
   Assim como há uma ideologia marxista, há uma "ideologia" cristã, ou seja, um condicionamento cultural resultante do cristianismo acerca da sexualidade, totalmente dentro do dogma e fora da observação da natureza humana.
   Aqui
 
  encontra vários artigos meus sobre tudo isso.
 
       Tive gosto em receber a sua mensagem e em responder-lhe.
      Abraço do
                            Arthur"
Esse post foi publicado em Homossexualidade. Bookmark o link permanente.

2 respostas para Cartas sobre a homossexualidade

  1. João disse:

    Olá, meu caro Arthur. Realmente, você é um herói para ainda replicar a respeito das atrocidades intelectuais do Sr. Paul. Vou aprendendo mais isto. Pois que minha tendência é desprezar este tipo de "pensamento", se é que possamos incluir este absurdo na história do Pensamento. Quanto ao mais, vou ler este livro que você recomenda "Uma História da Homossexualidade". Um forte abraço do João RC.

  2. Arthur disse:

    Dentre os católicos, há alguns exaltados ou fanáticos ou fundamentalistas, como se os queira denominar, que repudiam, do modo mais intolerante a condição sexual dos outros, com os argumentos mais estapafúrdios, decorrentes de uma posição religiosa, que justificam e que os cega em face de qualquer aceitação.

Deixe um comentário