CARA : PALAVRA DE GOSTO DUVIDOSO.
Cara é vocativo e apelativo:
— Cara, estou a falar-te.
— Aquele cara é paciente do dr. fuão.
Isto de “cara” é brasileirismo corrente e moente há décadas. É plebeísmo a que muitos afizeram-se : copiosa gente, notadamente varões, chama cara a outrem e refere-se assim a terceiros; é-lhes normal, trivial e aceitável; tratam e são assim tratados. Não há mal intrínseco nesse tipo de tratamento, como tampouco em mano, meu, mina, mulher: eles servem em dados ambientes, entre dados interlocutores, que se sentem à vontade com eles.
Ao mesmo tempo, são vulgares, um tanto grosseiros, menos educados e suscetíveis de caírem mal, se aplicados fora dos ambientes em que são aceitáveis.
Não me está em questão a liberdade de a gente [a gente = as pessoas] valer-se desse vocabulário, e sim o grau de bom gosto, de polidez, de elevação neles ausente e, “a contrario”, o de rudeza, de vulgaridade, neles presente, bem assim a inconveniência de ser empregado para com interlocutores e em meios em que cai mal, em que é impróprio.
Muitas moças tratam-se por “cara”, sinal de que os costumes de tratamento avançaram em rudeza, não em polidez e em elevação.
Já varões, já varoas, poderiam ser melhores em sua forma de tratamento e é também pela forma como tratamos a outrem que nos revelamos, e como, e quanto !
Note bem : para muitos, que se exprimem à plebeia, cara quadra-lhes à informalidade, bem assim ao gosto ou falta dele, e à falta de elevação em seu linguajar.
Podemos nos exprimir melhormente, ter bom gosto e evitar tal voz. Há alternativas a cara, de que é elegante e sempre cai bem tratar pelo nome; também por amigo ou colega.
Objeções previsíveis:
— A gente não tem que sê formal prá todo mundo.
— A gente fala do jeito adequado prá cada ambiente.
— Ah ! entre a gente a gente fala assim que é o jeito da gente se entendê e tá tudo bem prá gente.
Concordo. E para toda a gente e em todos ambientes podemos ser mais elevados, em lugar de menos, mais educados, em lugar de menos; termos bom gosto invés de gosto duvidoso. Elevação de linguagem cai bem a todos.
Exemplo de mau uso de cara: em relação profissional, sujeito que me não conhecia, que jamais me entrara em contacto, mandou-me gravação, com intróito informal demais: “Oi, Arthur, beleza cara ? Tudo beleza, então cara […]”.
A mim me pareceu péssimo ; outros acharão lindo.
Outra: professor universitário, doutor, com quem eu desejava falar, disse à sua secretária:
— Chama o cara que quer falar comigo. Para mim, “cara” é ele, mal-educado e grosseirão