O curitibóca

O curitibóca ou como os curitibanos são babacas

 

O curitibóca

28.III.2004

Arthur Virmond de Lacerda Neto*

arthurlacerda@onda.com.br

 

 * Sou curitibano da gema, descendo dos fundadores de Curitiba, onde nasci e criei-me, o que me confere toda a autoridade moral para dizer, bem ou mal, dos meus conterrâneos. Falo de cadeira. Ao caracterizar o curitibóca, coligi observações próprias e alheias, de curitibanos e de forâneos; o seu julgamento e as explicações psicológicas são-me originais.

 

 

 

            I-Definição

            II- Caracterização

            III- Explicação

            IV- Julgamento

 

 

            I- Definição

                        Curitibóca é o  apelativo de uma espécie particular de curitibano, famigerada na cidade de Curitiba e fora dela,  pelo seu temperamento anti-social.  Segundo constou-me, surgiu a palavra em Curitiba há cerca de quarenta anos e talvez  resulte da associação de “curitibano” com “bobóca”; seja-lhe esta a origem, seja qualquer outra, a sua conotação é merecidamente pejorativa: ela designa um tipo humano assinalado pelos seus  individualismo e egoísmo e pelas suas introversão e frieza, em suma, pelo apoucamento da sua sociabilidade. Cuida-se de uma modalidade  humana das piores que se pode encontrar, conclusão que facilmente permite um seu cotejo com outros temperamentos, encontradiços alhures, no Brasil e no mundo.              

 

            II- Caracterização                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

            O curitibóca é habitualmente  ensimesmado; possui sentimentos altruístas em grau mínimo e raramente os demonstra, não se  solidariza com o seu semelhante, pouco se extroverte, fracamente cultiva amizades, não é alegre nem espontâneo no trato com o próximo, mingua-lhe a simpatia.

                        Nos seus relacionamentos, ele padece de permanente escassez em intensidade e de pobreza em manifestações: o seu viver com o próximo é superficial e distante, caracteres que lhe custa um largo tempo substituir por alguma aproximação.

            Ao cumprimentar, ele reduz-se ao  aperto de mão, formal e frio, destituído de qualquer cordialidade, ou seja de qualquer conotação de simpatia. Muitas vezes, sequer a isto chega e saúda com um simples nuto, como se lhe custasse um esforço instransponível exibir, minimamente que fosse, um sorriso ou simpatia. Na verdade, ele não sorri porque, de fato, na sua introversão e na sua pobreza afetiva, a cordialidade encarna um atributo  que lhe é estranho.

             Ele passa pelo seu conhecido na rua, fita-o e o ignora, ou seja, não o cumprimenta; se se cruzam dois curitibócas, cada qual aguarda a iniciativa do outro, e nenhum a toma.  

             Sabedor da moléstia de alguém, pouco se lhe dá o estado do paciente, junto a quem não manifestará  interesse, a menos de tratar-se de  relacionamento antigo de anos e mesmo neste caso,  possivelmente a sua atitude será idêntica, que ele justificará alegando haver tencionado telefonar ao enfermo ou visitá-lo, porém “acabou passando”. Somos também o que priorizamos e o que julgamos secundário: para o curitibóca, o seu semelhante é secundário.

             Ele é reservado  face aos estranhos, com quem abstém-se de iniciar qualquer conversação, por mais que as circunstâncias favoreçam-na, como  achar-se em uma fila demorada,  aguardar atendimento em um consultório,  vizinhar no lugar que ocupa em um ônibus.  Se entre ele e o estranho o diálogo porventura  estabelecer-se, versará sobre generalidades banais, preferentemente o tempo meteorológico, tema obrigatório quando o curitibóca deseja inaugurar a conversação com o estranho. No entanto, ele evitará cuidadosamente qualquer comentário mais pessoal, a cujo surgimento, da parte do interlocutor, reagirá  com o silêncio ou tergiversando, o que se verifica mesmo entre conhecidos, amigos ou em família.

            Dois curitibócas que freqüentem por meses a fio o mesmo estabelecimento desportivo, recreativo, cultural ou similar, dirijir-se-ão a palavra mutuamente apenas caso inevitável ou mercê de alguma casualidade. Após este contato, preferirão ignorarem-se ou limitar-se-ão, em regra, a um simples cumprimento. Dependerá de uma boa vontade especial desenvolverem, a partir disto, um relacionamento regular. Por isto, quando, em Curitiba, um estranho fala a alguém, toda a probabilidade atua no sentido de que  o autor da iniciativa seja não-curitibóca ou, mais provavelmente, forâneo.

             Ele resiste a admitir no seu círculo de amizades alguém novo, o que lhe reduz sensivelmente o número de relacionamentos, motivo porque forma amigos com acentuada dificuldade e freqüentemente não os forma, o que resulta na solidão de muitos curitibócas;  ele raramente constitui amizades  com não curitibanos, motivo porque estes relacionam-se entre si, porém não com os curitibócas, o que gera  duas espécies de círculos, imiscíveis, de relacionamento: os dos curitibócas e os das pessoas de outras origens, realidade particularmente observável no ambiente estudantil e não só.

            Onde se acha um curitibóca falam os outros, riem-se os outros, divertem-se os outros: ele conserva-se recolhido ao si próprio, antes ouvinte que interveniente. Enquanto nas demais modalidades humanas há extroversão, no curitibóca há ensimesmamento; enquanto o não curitibóca abre-se ao seu semelhante, ele reserva-se. 

             O curitibóca gesticula acanhadamente, o que permite discerní-lo de quem não o é: enquanto os demais desdobram-se em gestos, ele escassamente movimenta o seu corpo. Um observador atento distinguirá os não curitibócas dos curitibócas  pela diferença de expressividade física entre ambos.

                        Ele toca parcamente o seu semelhante como expressão de afetividade, mesmo os seus amigos ou aqueles que lhe inspiraram alguma simpatia: ele não aprendeu a exprimir as suas afeições, mesmo porque elas são-lhe deficientes, e porque adota o preconceito de que tocar denuncia inclinações homossexuais, notadamente entre homens, ainda que o gesto se revista de uma absoluta inocência, qualidade que, neste caso, acha-se acima da perspicácia do curitibóca. Ele desconhece a natureza exclusiva (ou prioritariamente) física do homossexualismo, que não afetiva: o curitibóca pouco percebe do ser humano e confunde, toscamente, a atração sexual com a expressão dos afetos, o que, por sua vez, é perfeitamente peculiar a quem, sofrendo de mediocridade afetiva, não lhes compreende a externização.

             Na estupidez de tal mentalidade revela-se o primarismo do entendimento do curitibóca, a sua insensibilidade pelo próximo e a sua ignorância  da natureza humana.  Escassamente afetivo e, por isto,  incapaz de compreender a afetividade alheia, ele permite-se lançar suspeitas sobre o próximo, que  propala como tema predileto de mexericos.

                        Por isto ele inibe-se de abraçar os seus amigos, ainda mais os estranhos e amiúde considera que “homem não abraça homem”, aforisma em que a simpatia, a ternura, a bondade, o carinho, a solidariedade, a fraternidade, se enfraquecem ou  ocultam-se às custas de supor-se a carnalidade onde ela não intervém, preconceito cuja nocividade traduz-se em negar-se o que os seres humanos apresentam de mais espontâneo e de mais belo, a saber, os sentimentos de uns pelos outros.

            O curitibóca é reduzidamente capaz de praticar gestos de desprendimento, raramente os pratica e freqüentemente sequer os concebe; quando lhos propiciam,  suspeita de que envolvam segundas intenções, ainda que singelos (como a dona de casa oferecer à vizinha uma parte do bolo que cozeu ou alguém presentear fora das datas natalícia ou natalina), máxime se espontâneos e se entre os envolvidos não houver relacionamento antigo. Quando menos, a atitude  provoca-lhe  estranheza e eventualmente prejudicará as relações com o benfeitor, porquanto, suspeitoso, o curitibóca possivelmente afastar-se-á dele por defesa contra intuitos que fantasiará, ou, na hipótese melhor, adotará, de então por diante, uma desconfiança que provocar-lhe-á as conjecturas mais variadas. Ele interrogar-se-á: “Por que o Fulano teve-me esta atitude? O que ele quer?”. Não concebe o curitibóca a generosidade pura e simples, gratuita.

                        O curitibóca desconhece a solidariedade e a fraternidade, sentimentos que pressupõe o altruísmo e a bondade: egocêntrico, ele importa-se  predominante ou exclusivamente consigo próprio. Ele não se sabe preocupar com o seu semelhante, acudí-lo, oferecer-se, dar e dar-se. Sabedor do infortúnio alheio, ele não se solidariza, não consola, não demonstra apoio, carinho nem amizade: ele exercita a sua indiferença. Afinal, os problemas dos seus semelhantes são da conta deles. O curitibóca personifica uma criatura limitadíssima em termos de desprendimento, que limita aos seus familiares e a alguns amigos; para além disto, desprendem-se (aliás exemplarmente) os portugueses e outros, não o curitibóca, com quem, portanto, não se pode contar.

            O curitibóca é taciturno:  raramente o seu semblante demonstra contentamento por encontrar um conhecido ou amigo, ou provocado por  algum motivo de felicidade do próximo. Ele não partilha das alegrias alheias, não se felicita com a felicidade do seu semelhante.

             Ele não sorri. Sorrir, olhos nos olhos,  equivale a fraternizar com a fisionomia: “os olhos são a janela da alma”, sentenciou Ortega com verdade. Sorrir enquanto mira-se nos olhos corresponde a confessar-se àquele a quem se sorri que sente-se por ele simpatia, benevolência, carinho, receptividade, reciprocidade. Nesta expressão silenciosa de palavras porém eloqüente de significado, tocam-se duas almas, dois corações, duas intimidades em que  movimenta-se uma em direção uma à outra e porventura vice-versa.

             Na sua simplicidade extrema,  nada custa o sorriso além da espontaneidade: embora tão simples, raramente um curitibóca sorri enquanto mira o seu semelhante no fundo dos olhos (ou quando o depara, sem o mirar nos olhos): é porque lhe falece a afetividade necessária para alegrar-se com a presença do outro. O curitibóca desconhece o sentido profundamente humano do sorriso porque desconhece o sentido profundamente humano da simpatia.

            O curitibóca  não convida terceiros para irem-lhe à casa e provavelmente desagrada-se de visitas. Quando despede-se recomendando ao interlocutor “Apareça” (em casa), pratica uma insinceridade.

                        O curitibóca é ingrato: se recebe um favor ou um gesto de altruísmo, logo olvida-se do benefício e do benfeitor.

            O curitibóca  surpreende-se com o feitio dos indivíduos de outras terras, ao descobrí-los espontâneos, generosos, alegres, expansivos,  amistosos e simpáticos, tão diversos de si próprio: é o que a experiência confirma face aos cariocas, matogrossensses, pernambucanos, baianos, lisboetas etc. e mesmo face aos paranaenses do norte do estado.

                        O curitibóca apresenta um âmbito de privacidade assaz alargado, ou seja, a esfera do que ele reserva face a terceiros envolve  o que, em outras gentes, pertence à intimidade do indivíduo, bem assim o que elas revelam com  desinibição. A intimidade do curitibóca é maior, não no sentido de que a sua vida interior se desenvolva mais, apresente mais meditação, mais experiência, mais vivência, mais sentimento,  porém no de que ele mais oculta do que expõe o quanto lhe seja pessoal, vale dizer, relacionado com a sua pessoa, ainda que não propriamente íntimo.   Daí o curitibóca  desenvolver as suas conversações em termos preferentemente impessoais e distantes, e confidenciar-se com dificuldade, o que, por sua vez, resulta na sua dificuldade de formar amizades íntimas: as suas amizades  tardam a alcançar a intimidade ou jamais a alcançam.

            O curitibóca-fêmea permite-se atitudes de franca rudeza com o seu semelhante, mesmo entre amigos e em família: na sua insensibilidade e no seu egocentrismo, a curitibóca não se coíbe de expressar a sua zanga, a sua má vontade,  a sua inveja, a sua mesquinhez, às custas da mágoa ou da irritação do próximo.  A grosseria corresponde a uma prática normal entre as curitibócas, bem como uma certa rudeza no trato com o próximo, da parte dos curitibócas-machos, notadamente ao telefone.

                        O curitibóca padece de uma fixação sexual: ele julga “vagabunda” a mulher  extrovertida e suspeita de uranista o homem afetuoso e o solteiro.            Ambas notas apresentam índole sexual e  depreciam; as duas incidem sobre quem  difere do curitibóca, por não comungarem da sua introversão; ambas recriminam o próximo não, verbi gratia, por extravagante, incômodo, tagarela, porém como pessoa de vida sexual condenável. A censura recai não sobre a forma como o indivíduo trata o seu semelhante, porém sobre a sua (suposta) vida privada, ou seja, não sobre aquilo que poderia molestar aos terceiros, porém sobre o que não interfere com eles e  diz respeito apenas aos que sofrem tal estigma.

             Assim, o curitibóca atenta à  sexualidade alheia mais do que ao que os indivíduos apresentam de especificamente humano,  ou seja, ele prioriza, no julgamento de terceiros, o que o ser humano apresenta de instintivo, em detrimento do que ele contém de social. Ao curitibóca não importa predominamente como o indivíduo se conduz face  ao seu semelhante, nem o seu caráter, a sua correção, as suas virtudes, as suas limitações, etc.; o que lhe importa é aquilo que só deve interessar à privacidade de cada qual e portanto não ao  curitibóca.

             Aliás, a inclinação dos curitibócas de suspeitarem de pederastia o seu semelhante admite a conjectura de que muitos deles (não todos) raciocinam por projeção, imputando a outrem o que se encontra em si próprios e que, portanto, ao certos curitibócas atribuírem homossexualidade a alguém, ela possivelmente existe, não no outro, mas em si próprios: eles confessam-se ao supostamente denunciarem.

                         Este tipo de suspicácia condiciona a mentalidade de quem, em princípio, não partilharia dela e que acaba por adotá-la na medida em que os padrões quaisquer de pensamento, uma vez instalados, propagam-se por imitação: o preconceito dos curitibócas  deforma o entendimento das pessoas, induz a conceberem-se falsas realidades, subverte a lógica humana ao sobrepor a imaginação à observação, provoca julgamentos injustos e fomenta coscovilhices.

            Por isto os  valores do curitibóca andam pessimamente hierarquizados: de sociabilidade minorada, limitado em matéria de relacionamento, de extroversão, de amizade, de solidariedade, ele permite-se verberar na vida alheia o que não lhe diz respeito, ao invés de empenhar-se por desenvolver a sua sociabilidade e  de procurar relacionar-se mais e melhor com o seu semelhante. Falta-lhe em auto-crítica e em capacidade de relacionar-se o que lhe sobeja em malícia.

 

            III- Explicação

                        Qual a origem psicológica desta verdadeira síndrome de anti-sociabilidade? Como entender a mentalidade do curitibóca?

             Primacialmente, o curitibóca padece de um empobrecimento da sua sensibilidade: a sua nota distintiva, origem das  demais, radica na pobreza, dramática, do seu  altruísmo, dos bons sentimentos, daqueles que levam o indivíduo a desprender-se de si próprio e do seu egocentrismo, e a dar-se ao próximo, a estar nele, a realizar-se no seu semelhante, a reconhecer nele uma individualidade que lhe integre o horizonte existencial como pessoa e não meramente como objeto da sua paisagem. Correspondem tais sentimentos à bondade, ao carinho, à ternura, à solidariedade e à fraternidade; em sua expressão mais elementar, à cordialidade e à simpatia.

             Da atrofia destas duas últimas formas afetivas decorre toda a psicologia do curitibóca: na sua intimidade mais profunda, ele é um insensível e um indiferente ao seu semelhante. O que o distingue da restante humanidade é que, enquanto nesta, os sentimentos pelo próximo existem e determinam-lhe a maneira de ser, de entender, de atuar, de conviver, no curitibóca, a afetividade é ausente e esta ausência  lhe condiciona a mentalidade e o trato com o próximo.

             Enquanto no não-curitibóca existe uma  afetividade natural que, desde logo, cria entre as pessoas um vínculo de cordialidade, ou seja, de fraternidade espontânea, rudimentar que seja, no curitibóca, ao inverso, inexistindo aquele fundo emocional, inexiste a cordialidade espontânea: enquanto o não-curitibóca  é naturalmente sensível à humanidade ambiente e sente-a, o curitibóca é intrínsecamente insensível ao próximo, cuja existência averigüa com o seu entendimento e perante quem se conduz com a sua racionalidade, porém nada sente por ele. Para o curitibóca, as pessoas não encarnam  seres que lhe inspirem um mínimo de sentimento, e sim  objetos, similares a quaisquer outros, face aos quais é normal a indiferença. Na psicologia do curitibóca, seres humanos e objetos inanimados equivalem-se, e muitas vezes os primeiros valem menos do que os segundos.

             Simpatizar corresponde a experimentar-se uma sensação agradável que no simpatizante desperta inclinação e benevolência pelo outro. Porquanto nos curitibócas escasseiam a simpatia e os sentimentos generosos que dela surtem, com freqüência qualifica-se uma pessoa em Curitiba não, por exemplo, pela sua cultura, pela sua perspicácia, pela sua posição social ou por outros quaisquer dos seus atributos, senão pela sua simpatia ou antipatia: escassos, os simpáticos logo notam-se, ao passo que os antipáticos também se distinguem, pejorativamente: são os curitibócas mais facilmente identificáveis.

 

IV- Julgamento

 

                        O curitibóca é um enfermo dos sentimentos, um doente da afetividade, um aberrante do relacionamento, um anormal da sociabilidade. Ele é detestável: desapreciam-no abundantes curitibanos e a maioria dos forâneos.

             Nele concentra-se o quanto desfavorece a vida em sociedade e  promove o isolamento das pessoas.

                        Conviver com os curitibócas traduz uma experiência de vida profundamente ingrata, marcada pelas decepções, pelas incompreensões, pela solidão. Eles são causa direta da infelicidade do seu semelhante, ainda que este disto não adquira consciência (o que é freqüente em quantos não os compararam com tipos humanos diversos) ou, quando menos, determinam a redução da  sua felicidade: muito haveria de gratificante, de feliz,  de recompensador e de emocionante no convívio com os curitibócas, fora outra a sua índole.

             No trato com o curitibóca apresentam-se as amarguras e ausentam-se as alegrias. Sem necessariamente ser feliz por ser como é (ao contrário), o curitibóca em nada concorre para com a felicidade do seu semelhante; ao inverso disto, contribui para infelicitá-lo.

             Ele encarna um modelo negativo, um anti-modelo: deve nele mirar-se quem aspirar a adquirir atributos de sociabilidade, para evitar-lhe as características e cultivar as opostas às dele.

                        Representam os traços do curitibóca  a mais exata negação da virtude como a entendiam alguns moralistas e escritores dos séculos XVIII e XIX (Duclos, Bernardino de Saint-Pierre): virtude é um esforço sobre si próprio em favor dos outros, definição adotada também por Augusto Comte, o fundador do Positivismo. Se ela consagra o altruísmo, a mentalidade do curitibóca representa, simetricamente, o egoísmo, a ausência de qualquer esforço por dar e de dar-se ao seu semelhante.

             Se se medir o grau de desenvolvimento humano de uma população pela medida do seu altruísmo, pela intensidade dos seus afetos simpáticos, pela espontaneidade dos seus bons sentimentos, pelas manifestações deles, pelo seu desprendimento face ao próximo, então o curitibóca equivale a um ser sub-desenvolvido, que se encontra muito abaixo do quanto o ser humano é capaz de alcançar.

             Ele personifica  uma expressão humana tosca e primitiva, merecedora da comiseração (acaso do desdém) de quantos sejam capazes de reconhecê-la e de evitá-la. Evitá-la corresponde a cultivar os bons sentimentos e a externá-los, a contrair espontaneidade no comércio humano,  a importar-se com o próximo, tudo isto sinceramente, ou seja, como verdades interiores que determinem ações que se pratique gratuitamente, pelo prazer de praticá-las: por amor. “O amor por princípio”, dizia Augusto Comte. Evitá-la significa outrossim desinibir-se, extroverter-se, verter-se no próximo, relacionar-se com ele ao invés de ensimesmar-se.

              Felizmente,  não encarnam os curitibócas todos os naturais de Curitiba: há os curitibócas e os curitibanos, sendo os segundos pessoas normais, adjetivo que freqüentemente perdem ou cuja intensidade reduz-se mercê da convivência com  os primeiros, que, sendo maus, estragam os bons, efeito que se verifica igualmente com os forâneos que, muitos, detestam Curitiba por causa da sua gente, assim como a muitos curitibanos repugnam os curitibócas.  A cidade talvez seja preferível a outras;  já uma parte do seu povo…

 (Este ensaio acha-se publicado no meu livro Provocações, de que havia exemplares consignados ‘a venda, na Livraria do Chaim, cujo proprietário leu-o – o ensaio,não  o livro todo- e imediatamente devolveu-mos: recusa-se a vender o livro por causa deste ensaio).

         

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6 respostas para O curitibóca

  1. Noam disse:

    Ótimo o artigo, principalmente pela sua complitude. E apostura do Chain não surpreende, visto que naquela livraria já pude encontrar diversos livros de panfletagem anti-semita.

  2. Vitor Wielewski disse:

    uma liguagem pernóstica… um assunto requentado.uma falta hisurta do que fazer, para fazer mais um artigo anticuritbano.Parabéns, agora sim, você é mais um.congratulo-te amigo.

  3. Fernanda disse:

    Adorei!Traduziu exatamente todos os sentimentos que tenho desde que me mudei pra cá…

  4. Ulisses disse:

    TENS toda razão e achei o texto bem objetivo/direto ao ponto!Já vi as críticas em diversos blogs,orkut e forum de concurso público de que o povode CTBA não é receptivo…que lástima!!

  5. Fábio Zappa disse:

    Grande parte do povo de Pouso Alegre (MG) também é assim…

  6. Fábio Zappa disse:

    esse texto está melhor… com espaços… 🙂

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