Religião, arte e censura.

RELIGIÃO, ARTE E CENSURA.
Primeiramente, censuram-se os artistas; a seguir, os jornalistas, os blogueiros e quem manifeste opinião independente e virtualmente incômoda, com argumentos mais variados e especiosos (pretextos), que se fabrica para cada caso.

No momento, o argumento genérico é o da “defesa da família tradicional” e, já agora, da religião – de certa religião, da mesma de que algumas vertentes atacam as outras e que no passado foi exemplarmente intolerante. No caso da religião, o cristianismo estabeleceu, no pretérito, controle da arte e até censura da arte originária da antigüidade greco-romana.

Não há nem deve haver “preservação” da religião em relação à arte (seja o que for que se entenda por arte), ou seja, a aquela não pode estar imune à reflexão e às suas expressões.

Em países de liberdades, há liberdade de crítica religiosa: assim como se pode atacar intelectualmente a religião, também pode-se, na arte, representá-la, exaltá-la, deprimi-la ou nada disto. Quem não gosta, é livre para criticar as representações e para abster-se de comparecer-lhes.

Religião, a política, a filosofia, a história, nada disto constitui domínio privilegiado, no sentido de imune à crítica. Ao contrário, é o exame racional destes domínios que constitui uma das características do humano; também a religião constitui (ainda, máxime no Brasil) característica de certa parcela da brasileira humanidade, o que não impede nem pode impedir que os crentes e os incréus ocupem-se dela, em que sentido for, o que inclui a sua presença na arte, independentemente de esta poder ocupar-se dos mais variados temas e independentemente de haver adeptos da religião virtualmente representada na arte. Isto é liberdade.

Para alguns a liberdade que os incomoda coincide com libertinagem; para os mesmos (ou não) o limite da arte (e da ação humana, em geral) é o do respeito e respeito, neste caso (notadamente para os fiéis), equivale à abstenção de crítica, à concordância fingida, à complacência obsequiosa e (por fim porém não por derradeiro) à abstenção da representação artística fora do cânone estabelecido pela própria religião, ou seja, condicionamento da liberdade de criação pela religião.

Há que haver limite no prejuízo real e verdadeiro que se cause a outrem. Representações divergentes do cânone são apenas isto mesmo e não prejuízo. Penso eu.

 

Em 6.11.2017, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, emitiu ponderada e bem fundamentada Nota Técnica, em que esclarece, por miúdo, o enquadramento da nudez natural e da liberdade artística perante menores e adolescentes.

Dentre outras observações, expendeu ela que:

“A nudez não erótica NÃO torna o conteúdo impróprio para crianças, mesmo as menores de 10 anos;”.
“Em princípio, todas as formas não violentas de manifestação estão inseridas no âmbito da proteção da liberdade, inclusive manifestações desagradáveis, atrevidas, insuportáveis, chocantes, audaciosas ou impopulares.”.
“A classificação etária é meramente indicativa, seja efetuada pelo Poder Público ou promotores do evento, não podendo haver impedimento de acesso de crianças ou adolescentes, especialmente quando estejam acompanhadas por seus pais ou responsáveis.”.
“A nudez de uma pessoa adulta, desde que não envolva a prática de
nenhum ato público voltado à satisfação da lascívia própria ou alheia (finalidade sexual do ato), NÃO constitui crime no direito brasileiro.”.

Quanto à inocência da nudez natural, confirma-se, por ilação,  a minha tese de que andar nu em público é permitido no Brasil: se a nudez de adulto não constitui crime (asserção da nota) nem é proibida (asserção minha), então, é permitida. Destarte, a Polícia Militar não pode deter quem anda nu em público.

A íntegra da  nota aqui.

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